O Tempo dos Juízes: Laurinda Cardoso e Joel Leonardo

Há vinte anos, as dissensões políticas em Angola resolviam-se pela força das armas, resultando em mortes, violência e destruição. Depois de 2002, instalou-se uma espécie de anestesia geral provocada pelo efeito soporífero do dinheiro espalhado a eito; qualquer confronto político era apaziguado por automóveis de luxo e outras mordomias. A crise económica e financeira que começou em 2014, e que esvaziou definitivamente os cofres públicos, obrigou ao corte com a política de esbanjamento e impôs o início daquilo que se denominou como o combate à corrupção. A necessária reforma económica, aliada à luta contra a corrupção, conduziu à caducidade do consenso político pós-2002 e à intensificação da batalha política, que neste momento atinge um auge poucas vezes visto nos anos mais recentes. No entanto, apesar da estridência verbal do combate político actual, a verdade é que não se ouvem armas nem tiros: a disputa tornou-se essencialmente legal, logo, judicial. Trata-se […]

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Os Labirintos Brumosos do Bilionário São Vicente

Foi no Verão de 2020 que rebentou o caso que envolvia Carlos São Vicente, genro póstumo de Agostinho Neto. O processo começou de forma algo bizarra, com a Procuradoria-Geral da República angolana (PGR) a negar inicialmente qualquer transgressão de São Vicente, para rapidamente mudar de postura. O certo é que, em 22 de Setembro de 2020, Carlos São Vicente foi preso preventivamente e o processo seguiu o seu curso: houve acusação, instrução contraditória e despacho de pronúncia realizado pelo juiz Adélio Chocolate a 25 de Maio de 2021 (ver aqui, aqui e aqui). Depois do despacho de pronúncia, que no essencial confirmou a acusação do Ministério Público imputando a Carlos São Vicente a suspeita da prática de peculato, branqueamento de capitais e fraude fiscal, o advogado recorreu desse despacho para o Tribunal Supremo. Esse recurso foi recebido pelo juiz conselheiro Molares de Abreu, em substituição do presidente Joel Leonardo, que […]

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Carlos Panzo: Tribunal Constitucional Espanhol Diverge de PGR Angolana

As notícias sobre Carlos Panzo divergem. Uns afirmam que Espanha autorizou a sua extradição para Angola, enquanto outros revelam precisamente o contrário. O mais curioso é que as duas fontes invocam um acórdão do Tribunal Constitucional espanhol proferido a 12 de Julho de 2021, com o n.º 147/2021. Na verdade, a leitura do referido acórdão, publicado no Boletim Oficial do Estado espanhol de 31 de Julho de 2021, secção do Tribunal Constitucional, página 93548, dá uma resposta clara: a extradição não foi autorizada. Do acórdão consta uma decisão cristalina dos juízes da Primeira Sala do tribunal, ou seja, Juan José González Rivas, presidente; Andrés Ollero Tassara, Santiago Martínez-Vares García, Alfredo Montoya Melgar, Cándido Conde Pumpido Tourón e María Luisa Balaguer Callejón. Com esta decisão, fica anulada a prévia autorização de extradição dada pelo tribunal ordinário espanhol, e reconhece-se que os direitos à protecção judicial efectiva (art. 24.1 da Constituição Espanhola), […]

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A Confusão sobre o Papel dos Tribunais no Combate à Corrupção

Um facto muitas vezes não passa de um azar, uma distracção, um erro técnico. Quando assim é, corrige-se facilmente. No entanto, a sua repetição implica outra classificação: um facto sistematicamente repetido torna-se uma norma. Ora, há um facto proveniente dos juristas que apoiam o presidente da República que se está a transformar numa norma. Esse facto repetido é a confusão permanente sobre o papel e o estatuto dos tribunais num Estado de direito. Parece que para os juristas da Presidência os tribunais são mais um órgão do poder executivo, funcionando como um braço integrado de uma majestática estrutura unificada. De facto, assim é na China. Nesse país, as Comissões de Assuntos Políticos e Jurídicos do Partido Comunista coordenam e têm controlo directo sobre todo o sistema judiciário. Em 2017, Zhou Qiang, presidente do Supremo Tribunal Popular da China, explicitou o conceito e o papel dos tribunais de forma muito expressiva: […]

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O “Diabo” da Kadyapemba

Jonilson Joaquim, de 33 anos (na foto principal), encontra-se em Cafunfo, na província da Lunda-Norte, há pouco mais de um ano. É mais um entre os milhares de jovens, angolanos e estrangeiros, que buscam a sobrevivência ou a riqueza através do garimpo de diamantes, nessa região tão rica e tão trágica. Jonilson Joaquim tem o pescoço todo marcado por cicatrizes, causadas pelas unhas de um vigilante da empresa privada de segurança Kadyapemba Segura – Lda, criada em 1999 pelo actual comandante provincial da Polícia Nacional em Luanda, comissário Fernando Eduardo Cerqueira. Esta empresa é contratada pela Sociedade Mineira do Cuango para proteger as suas actividades de exploração diamantífera e respectiva área de concessão. Passados nove dias sobre as agressões, Jonilson Joaquim queixa-se de dificuldades em beber água e engolir alimentos. O guarda, identificado como Massana Benvindo “Diabo”, quase o estrangulou com as suas próprias mãos. Por sua vez, Mboma Fernando, […]

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Cafunfo: Quebrar o Ciclo de Violência e Miséria

É hoje o segundo dia do Encontro sobre “Cidadania e Segurança Pública em Cafunfo”, a decorrer no Auditório 4 de Abril desta localidade. O Encontro foi organizado pelo Centro de Estudos UFOLO para a Boa Governação e pelo Comando-Geral da Polícia Nacional, para debater a questão da cidadania e segurança pública naquela região da Lunda-Norte, onde recentemente a polícia defrontou centenas de manifestantes, causando vários mortos e feridos. O objectivo principal é criar uma plataforma de diálogo e bom senso para debater as tensões exacerbadas pelos trágicos acontecimentos do passado dia 30 de Janeiro em Cafunfo. A iniciativa insere-se num programa nacional mais vasto: as Jornadas sobre Cidadania e Segurança Pública: Conflitos de direitos fundamentais no Estado de direito contemporâneo (Plataforma de diálogo entre a sociedade civil e as forças de segurança). Leia aqui a intervenção de Rafael Marques de Morais, presidente da direcção do Centro Ufolo. “No próximo ano, […]

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Tribunal Constitucional Declara que PGR não Pode Ordenar Escutas

Desde 2017, têm surgido da penumbra em que os tribunais foram colocados uns raios de luz, sob a forma de decisões judiciais, que animam os espíritos mais pessimistas. Lembramo-nos da decisão corajosa sobre a liberdade de expressão da juíza Josina Falcão aquando da absolvição de Rafael Marques e Mariano Brás, ou, mais recentemente, das decisões cautelares cuidadosamente elaboradas relativamente a Isabel dos Santos. Agora temos mais uma boa decisão, desta vez do Tribunal Constitucional, que declara a inconstitucionalidade da possibilidade de o Ministério Público (MP) e a Procuradoria-Geral da República (PGR) ordenarem, autorizarem e validarem escutas e gravações ambientais em locais privados e condicionados ou de acesso vedado. Nesse sentido, os artigos 6.º, n. º3, 8.º, n.º 3 e 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º e 22.º da Lei n.º 11/20, de 23 de Abril (Lei da Identificação ou Localização Celular e da Vigilância Electrónica), foram tidos como inconstitucionais, logo inaplicáveis […]

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As Cartas Burlescas de José Eduardo dos Santos

Depois da Constituição atípica, José Eduardo dos Santos (JES) está a introduzir uma nova moda no direito angolano: as epístolas judiciais. A partir de Barcelona, enquanto os seus antigos colaboradores submetidos a julgamentos criminais em Luanda apelam à intervenção justificativa exculpatória do antigo presidente, JES envia cartas… Durante o julgamento do seu filho e de Valter Filipe referente ao desvio de 500 milhões de dólares, quando interpelado pela defesa do antigo governador do Banco Nacional de Angola, JES optou por enviar uma carta ao Tribunal Supremo onde decorria o julgamento. Na missiva, que foi lida durante uma sessão do julgamento, JES terá escrito o seguinte: “Confirmo, sim, ter autorizado o governador Valter Filipe a tratar das formalizações desse fundo de investimento. E também pedi que o mesmo fosse ultra-secreto porque só depois é que seria formatado publicamente. (…) Também pedi ao governador Valter Filipe para entregar todo o processo ao […]

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É Possível Sair Disto

11 de Novembro de 2020. A manifestação de jovens pela melhoria das condições de vida é proibida, devido a um decreto presidencial, no contexto da pandemia, limita os ajuntamentos públicos a cinco pessoas. Porém, a juventude manifesta-se e as imagens divulgadas nas redes sociais são poderosas, insinuando um país à beira da ruptura. Ao mesmo tempo, outras imagens circulam nas redes sociais: o presidente da República impávido, rodeado de mais de dez pessoas, talvez 20, a inaugurar um hotel. O contraste é poderoso, o impacto das redes sociais, em que alternam as fotos dos jovens revoltados (e um morto) com as imagens de um presidente alheado, é fulminante. Neste momento, João Lourenço está a perder a batalha da opinião pública e a deixar o país aproximar-se de um precipício. Uma pergunta se coloca: é possível sair disto? Nos finais de 2017 e durante pelo menos 2018, João Lourenço representou a […]

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Novo Código Penal: Alguns Perigos à Espreita

A Lei n.º 38/20, de 11 de Novembro, que aprova o Código Penal foi publicada no dia da comemoração da independência nacional. Finalmente, após 45 anos, Angola tem o seu próprio Código Penal e deixa de se reger por uma lei portuguesa do século XIX. Este mero facto é de aplaudir e de registar como muito positivo. Daqui a 90 dias, em Fevereiro de 2021, o Código entrará em vigor em todo o país. O novo Código Penal angolano é composto por dois livros e 473 artigos. O primeiro livro dedica-se à parte geral do direito penal, isto é: as condições em que há crime, em que este pode ser afastado, e como deve ser punido, englobando os artigos 1.º a 146.º. O segundo livro (artigos 147.º a 473.º) estabelece a parte especial, identificando os crimes concretos que são puníveis e as suas penas (homicídio, furto, etc.). DESCOLONIZAÇÃO NO DIREITO […]

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