Quem Disse Que És Cidadão?

Diz-se que a sabedoria popular tem imensa valia. As elites angolanas, assumindo-se como não fazendo parte do povo, pois “o nosso povo” é constituído por não-cidadãos, despreza a sabedoria popular – é mais in ficarem-se por dizeres que se referem exclusivamente ao novo léxico digital. Não sabem o que perdem. De um camponês do Huambo, nos primeiros anos deste século, ouvi o seguinte: “Se para as pessoas de verdade, que vivem na cidade, não há medicamentos, como é que nós, na nossa aldeia, os vamos ter?” Anos depois, um conterrâneo seu afirmou, num encontro sobre problemas campesinos de várias províncias: “O nosso azar é não termos sorte.” Nada poderia expressar melhor o sentimento de exclusão que atinge grande parte dos povos do interior de Angola, que vem do passado longínquo e se prende com os níveis de pobreza. Entre 1975 e 1990, o Estado assumiu a responsabilidade de prestar os […]

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Problemas de Lei: Eduarda Rodrigues, Manuel Vicente e Activistas

Três temas recentes no panorama jurídico angolano merecem alguma atenção e uma reflexão que vá além da mera notícia. O primeiro tema é a exoneração de Eduarda Rodrigues do cargo de directora do Serviço Nacional de Recuperação de Activos (SENRA) da Procuradoria-Geral da República (PGR), por aparente quebra de confiança do procurador-geral Helder Pitta Gróz. A questão que se vai colocar, e que já colocámos várias vezes no passado, é a do refluxo e das consequências legais nos processos em curso. Muito do trabalho da ex-directora do SENRA baseou-se num voluntarismo extremo que, mesmo se bem-intencionado, não tinha fundamento legal, designadamente no que toca aos “acordos” extrajudiciais de entrega de activos em troca de imunidade criminal. Nunca se conhecendo em detalhe esses acordos, também não foi possível perceber quais as razões para que umas pessoas fossem acusadas criminalmente, mesmo tendo entregado bens, e outras não. Apenas em Agosto de 2021, […]

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Constituição mais Transição

Na “Conferência sobre a Organização do Estado em Angola”, que se realizou ontem em Luanda, no Memorial Agostinho Neto, debateram-se os caminhos possíveis e necessários que é preciso percorrer para que Angola seja um Estado funcional, justo, inclusivo e próspero. Rui Verde, da Universidade de Oxford e da Universidade de Paris Cité, apresentou a sua visão sobre o imperativo de ter “uma constituição para além da transição e uma transição para além da constituição”. Este é um tempo de aceleração da história – no mundo em geral e em Angola em particular. Os dados tidos por estáveis estão em mutação rápida. Aliados de ontem tornam-se inimigos, inimigos ficam amigos, equilíbrios passados são destruídos, certezas transformam-se em incertezas. Constituição e transição são duas palavras quase antinómicas que, no caso angolano, poderão dar um sentido a esta aceleração. Constituição pretende estabilidade e é do mundo do direito, enquanto transição é sinónimo de instabilidade […]

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O Cidadão como Fundamento e Limite do Poder

Decorreu hoje, no Memorial Dr. António Agostinho Neto, em Luanda, a “Conferência sobre a Organização do Estado em Angola”. O evento – o primeiro de vários do género – teve o “intuito de pensar a futura organização do Estado” e encontrar “caminhos para lá das vontades pessoais, do livre-arbítrio e da fulanização exacerbada que tomou conta do debate público”, “num esforço conjunto para discutir ideias e lançar, finalmente, um Estado que corresponda às necessidades e expectativas da população”. Aqui apresentamos a comunicação de Rafael Marques de Morais. Ilustres presentes, Gostaria, antes de mais, de fazer uma breve incursão sobre as localidades de Cazombo e Nzeto, que são bons exemplos do estado actual do país, dos seus processos de tomada de decisões políticas e do exercício da cidadania. Recentemente, visitei Cazombo, a sede da nova província do Moxico Leste. É uma localidade sem infra-estruturas básicas, sem água nem luz. As delegações […]

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Sociedade Civil e Ordem dos Advogados: o Mandato Social

Decorreu hoje no Palácio da Justiça, em Luanda, o Colóquio sobre Ética e Deontologia Profissional, organizado pela Ordem dos Advogados de Angola (OAA). O evento, que foi aberto pelo bastonário, José Luís Domingos, contou com vários especialistas em direito, mas não só. Rafael Marques de Morais participou com uma comunicação sobre a importância do papel da OAA enquanto mandatária da sociedade civil. “Ilustres presentes, Agradeço, antes de mais, o amável convite do bastonário José Luís Domingos para apresentar aqui hoje esta minha comunicação. Proponho que façamos uma breve “viagem” retrospectiva que nos ajudará a reflectir em conjunto sobre o mandato social da Ordem dos Advogados de Angola e sobre os grandes avanços e recuos do sistema judicial angolano. Esta “viagem” parte de uma experiência pessoal, ocorrida há 24 anos. A 30 de Março de 2000, a Ordem emitiu uma declaração pública na qual criticava o juiz Cangato pela sua ilegítima […]

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Inconstitucionalidades: as Leis da Segurança e do Vandalismo

* Actualização (16 de Setembro, 14h00) Não gostar de uma lei não é o mesmo que a declarar inconstitucional. Aliás, é para decidir sobre a discordância que a democracia existe e é definida pela deliberação maioritária, respeitando a Constituição. Esta questão coloca-se a propósito de duas recentes leis aprovadas na Assembleia Nacional: a Lei da Segurança Nacional (Lei n.º 15/24, de 10 de Setembro) e a Lei contra a Vandalização dos Bens Públicos (Lei n.º 13/24, de 29 de Agosto). A discussão destas leis levantou acalorados debates e disputas, parecendo existir apenas uma posição extremada de cada lado da contenda: ou as leis eram totalmente inconstitucionais e deveriam ser puras e simples erradicadas, ou eram perfeitas e não havia nada a alterar. A realidade, porém, é outra. Ambas as leis suscitam discussão sobre determinadas inconstitucionalidades, que precisam de ser extirpadas ou esclarecidas, mas, ao contrário do que tem sido descrito, não […]

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Angola em Chamas

Todos os anos, na estação seca, de Junho a Setembro, Angola queima. Queima um pouco mais. Perde mais árvores, florestas desaparecem e altera-se o ecossistema. A desordem das queimadas para a caça de pequenos animais, para a preparação das terras para a agricultura de subsistência e pela simples vontade de queimar, faz com que até os cemitérios também sejam queimados. É o caso do cemitério de Sacavela, no município do Wako-Kungo, Kwanza-Sul, que também ardeu, como se a comunidade local quisesse enviar os seus mortos para o inferno. Queimam tudo, e até, algumas vezes, as suas próprias casas por conta da desordem. Só na segunda semana deste mês de Setembro, os incêndios florestais devastaram seis por cento do total da superfície terrestre de Angola, de acordo com o Sistema Global de Informação de Incêndios Florestais. Trata-se da percentagem mais alta de terra queimada no mundo, seguindo-se a nossa vizinha República […]

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Corrupção: Boston Consulting e Ministério da Economia

Recentemente, o Departamento de Justiça (DJ) norte-americano (mais ou menos o equivalente ao Ministério de Justiça) anunciou publicamente ter decidido não acusar criminalmente, nos termos da Lei de Práticas de Corrupção no Exterior, de 1977, o Boston Consulting Group (BCG) – uma das grandes empresas de consultoria de gestão do mundo – relativamente a actos de corrupção praticados pela sua filial portuguesa em Angola. A decisão do DJ foi justificada pelo facto de o BCG se ter autodenunciado, despedindo os responsáveis portugueses e comprometendo-se a devolver os ganhos (cerca de 14,4 milhões de dólares) à justiça norte-americana. Levanta-se de imediato uma dúvida: este dinheiro não deveria ser enviado para Angola? O cerne dos actos de corrupção praticados pelos responsáveis da BCG portuguesa em Angola dizem respeito a 11 contratos com o Ministério da Economia de Angola (MINEC) e um com o Banco Nacional de Angola, realizados entre 2011 e 2017. […]

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BPC Desafia BNA

O Banco de Poupança e Crédito (BPC) prepara-se para migrar, em Outubro próximo, todos os dados dos seus clientes, assim como todas as operações bancárias, de particulares, empresas e contas do Estado para um serviço de computação na nuvem (cloud) na África do Sul. Esta nuvem terá redundância (backup) em Inglaterra. Trata-se do Programa de Modernização dos Sistemas Informáticos (PMSI) da referida instituição, integralmente detida pelo Estado angolano, e com 2,7 milhões de clientes. Estima-se que o PMSI, lançado em 2017, já tenha consumido mais de 30 milhões de dólares, 10 dos quais pagos à consultora Deloitte, no início do projecto. Em seis anos, o referido programa já passou pelas mãos de quatro presidentes do Conselho de Administração do BPC. Segundo fontes do Maka Angola, o sistema bancário Fusion Essence, usado pelo BPC, deverá ser gerido integralmente pela empresa Finastra, na África do Sul, sem qualquer participação ou intervenção de […]

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A Paz Impossível no Leste da RDC

À partida, ninguém deseja a guerra, todos querem a paz. Contudo, as boas intenções facilmente são ultrapassadas pela realidade no terreno. É, claramente, o que se passa no Leste da República Democrática do Congo (RDC), mais concretamente nas províncias de Ituri, Kivu do Norte e Kivu do Sul. Nestes espaços territoriais digladia-se uma imensidão de forças e interesses. São países como a RDC, o Ruanda, o Burundi e o Uganda, com participações marginais do Quénia, da África do Sul e, obviamente, de Angola. São forças informais, como o M23, as milícias Wazalendo (pró-governo RDC), as Forças Democráticas de Libertação do Ruanda (FRDLR) (anti-Paul Kagame), ou as Forças Democráticas Aliadas (ADF) (terrorismo islâmico), entre cerca de cem grupos e grupúsculos. A confusão predomina. No entanto, há duas forças determinantes neste conflito, que pode rapidamente tornar-se uma grande guerra africana. A primeira força são os interesses materiais: estas regiões possuem enormes recursos […]

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