Luxo na Miséria: o Colapso das Forças Armadas

Entre quartéis-fantasma, munições incendiadas e soldados sem fardas, o regime celebra 50 anos de independência com um exército desmantelado — e um povo humilhado. Enquanto a elite desfila vaidades e slogans patrióticos, as Forças Armadas Angolanas (FAA) sobrevivem à míngua, desprovidas de alojamento, logística e dignidade. A celebração dos 50 anos de independência transformou-se num desfile de luxo sobre a miséria — uma exibição despudorada da megalomania da classe dirigente. Mas importa lembrar os feitos que construíram esta nação: quantos milhões de angolanos — e quantos dos nossos antepassados — tombaram contra a escravatura, a colonização, lutaram pela independência, perderam a vida na guerra civil e defenderam a paz? Quantos heróis anónimos deram a vida para que, meio século depois, o poder fosse capturado por um grupo que despreza o povo e a sua dignidade? A questão impõe-se: que tem feito o poder para honrar essa linhagem de guerreiros, guerrilheiros […]

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Angola: a Invenção do Inimigo Russo

A 28 e 29 de Julho passado, a greve dos taxistas provocou fortes distúrbios e abalos políticos em Angola. A repressão violenta resultou, de acordo com relatos independentes e testemunhos recolhidos, na morte de mais de 30 civis e mais de 1200 detenções. Como tem sido prática, o governo apressou-se a fabricar uma narrativa de ingerência estrangeira para justificar o descontentamento popular e a brutalidade da repressão. Desta vez, Moscovo foi escolhida como o inimigo em causa. Numa operação coordenada pelos órgãos de defesa e segurança, o Estado angolano acusou a Rússia de fomentar o terrorismo em Angola e deteve dois cidadãos russos como “prova” dessa alegada ameaça externa. Três meses depois, os detidos continuam, aparentemente, sem conhecer oficialmente os fundamentos das medidas de coacção aplicadas. Agora, as autoridades judiciais vasculham factos ao contrário – procuram evidências que sustentem a acusação que já anunciaram ao público. Um general russo na […]

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Nova Cimangola, Novos Colonos

No seu discurso sobre o Estado da Nação, o presidente disse: “No dia 11 de Novembro, o povo angolano celebrará 50 anos de independência. Celebramos 50 anos de existência como Estado soberano, 50 anos como povo livre e dono do seu destino, 50 anos livres do jugo colonial, da discriminação e da opressão.” Como muitos angolanos observaram, no seu monólogo de três horas e meia – arrogante e desconectado da realidade –, o presidente apenas transmitiu autoritarismo. O povo angolano não é livre e nem é dono do seu destino. Continua amarrado ao jugo colonial, da discriminação e da opressão. A gestão da Nova Cimangola, a cimenteira tutelada pelo Estado angolano, é disso um claro exemplo. Esta empresa tem, na sua estrutura accionista, membros do Bureau Político do MPLA. Após o arresto, em 2020, da participação maioritária da Ciminvest (49%), empresa detida por Isabel dos Santos, o Estado passou a […]

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Tribunal Constitucional com Medo

Foi publicado o Acórdão n.º 1027/2025 do Tribunal Constitucional, que decidiu por maioria não declarar a inconstitucionalidade por omissão da institucionalização das Autarquias Locais pela Assembleia Nacional. Trata-se de um acórdão tecnicamente robusto, mas materialmente deficiente. Foi escrito pelo juiz conselheiro Gilberto de Faria Magalhães, mas poderia ter sido redigido pelo presidente da República, João Lourenço, pois no essencial repete as suas declarações sobre o tema em entrevista à CNN Portugal em Julho de 2025. Os requerentes do processo no Tribunal Constitucional foram um grupo de 49 deputados à Assembleia Nacional, e a requerida foi a Assembleia Nacional. O objecto do processo foi “a verificação da existência ou não de inconstitucionalidade por omissão imputada à Assembleia Nacional, por alegada violação do preceito estabelecido no n.º 2 do artigo 242.º da Constituição da República de Angola”. É interessante notar que a decisão não se limitou a uma simples rejeição da pretensão. […]

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Angola à Beira da Falência

O presidente da República inaugurou o Complexo Hospitalar Pedro Maria Tonha “Pedalé”, cujas obras se arrastavam desde 2012. As imagens do hospital são impressionantes e devem orgulhar qualquer cidadão. Nesse aspecto, o presidente da República está de parabéns. Contudo, caso não haja manutenção, recursos humanos e equipamentos, corre-se o sério perigo de o novo hospital se transformar rapidamente numa estrutura decadente – um “elefante branco”, como se costumam designar os investimentos públicos de grande dimensão e custos elevados que, na prática, se revelam inúteis, subutilizados ou insustentáveis. E a razão para tal é simples: não serem atribuídas verbas para alimentar o funcionamento corrente e normal das infra-estruturas construídas. As finanças públicas angolanas estão à beira do abismo. Exemplo disso é o acordo firmado entre Angola e a JPMorgan em Dezembro de 2024. Envolvendo um contrato derivativo de um ano no valor de mil milhões de dólares — conhecido como “total […]

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Um Lápis contra Mil Milhões

No dia 23 de Setembro, na aldeia de Miumba, no município histórico da Cahama (província do Cunene), vi o retrato cru da educação em Angola. Uma turma de crianças, sentadas debaixo de uma árvore, assistia a uma aula de Matemática. A professora desenhou casas no quadro e pediu que as pintassem. Mas ninguém tinha lápis de cor. Algumas crianças nem sequer tinham um lápis simples. Os poucos que havia eram pedaços gastos, tão curtos que riscar uma folha parecia desperdiçar ouro. São três turmas, debaixo das maiores árvores da comunidade. Os círculos de pequenas pedras à volta das árvores marcam os espaços nos quais as crianças se devem sentar. Essas crianças, filhas de comunidades pastorais, vivem numa Angola que ainda não chegou até elas. Cada traço dessas crianças era um acto de resistência, cada risco no caderno um grito silencioso contra o abandono. Cada partilha de lápis – com a […]

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Indignação e Esperança: por Uma Escola de Verdade

Por toda a Angola, vêem-se as mais extravagantes celebrações dos 50 anos da Independência Nacional. Quando se trata de farras, nunca falta dinheiro, mas quando se trata de educar os filhos do povo, que são o futuro da nação, a classe dirigente finge-se de surda e manifesta hostilidade. É de cortar o coração, estar ali por uns momentos, junto de dezenas de crianças amontoadas debaixo de uma frondosa mangueira, umas sentadas em bancos improvisados, outras no chão, com os cadernos no colo, expostas ao sol inclemente. Quando chover (o que já acontece em algumas regiões), não haverá aulas. O futuro das crianças ficará suspenso porque não há uma cobertura que as abrigue. Num quadro improvisado, encostado a uma parede alheia, lê-se a numeração de 1 a 40. É o que as crianças da 2.ª classe vão aprender a contar e a escrever nesse dia, na sala anexa do Complexo Escolar […]

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Quem Quer Ser Presidente

Desde há 50 anos que Angola vive aprisionada numa bipolarização estéril. O MPLA, no poder desde a independência, transformou-se numa máquina de reprodução do neocolonialismo, da corrupção, da repressão e da exclusão. A UNITA, oposição crónica, limita-se a colher o descontentamento popular, sem apresentar nenhum projecto que inspire e mobilize a sociedade para lutar pela educação, pela saúde e pelo emprego – os três pilares de inserção do indivíduo na sociedade, que permitem garantir a igualdade de oportunidades, a protecção da vida e a dignidade pelo trabalho. O ensino público em Angola deveria ser o principal mecanismo de ascensão social, mas, pelo contrário, transformou-se num veículo de retrocesso: as escolas e as suas condições em que funcionam (ou não funcionam) são um espelho da exclusão social, da negação do “outro angolano”. Há mais de três milhões de crianças – cerca de um décimo do total da população angolana – que […]

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Quanto Valem 30 Mortos

Existe uma corrente intelectual de académicos ligados à oposição em Angola e Moçambique que, do conforto das suas salas de estar, tem defendido que a forma de derrubar os regimes vigentes é provocar incidentes graves que obriguem a uma resposta desproporcional das autoridades, redundando em vários mortos. Esses mortos seriam os mártires da revolução que obrigariam a comunidade internacional a intervir e a afastar os actuais governantes do MPLA e da FRELIMO. Durante vários anos, essa hipótese, felizmente, nunca foi testada, até que, de repente, foi. Em Moçambique, após as eleições de 2024, morreram quase 300 pessoas, fruto da violenta repressão dos protestos pós-eleitorais. Da comunidade internacional pouco se ouviu, e o líder da FRELIMO, Daniel Chapo, mantém-se como presidente e já incorporou Venâncio Mondlane, o candidato que arrebatou as multidões, no Conselho de Estado. Quanto a Angola, em três dias de Julho, não houve 300 mortos, mas sim 30 […]

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Universidade no Dundo: Construindo a Partir do Tecto

A inauguração do Campus da Universidade Lueji A’Nkonde, no Dundo, pela mão do presidente da República, João Lourenço, representa, à primeira vista, um avanço significativo para o ensino superior na Lunda-Norte. Com capacidade para acolher 8718 estudantes e dispondo de infra-estruturas modernas, o projecto parece ser um marco de progresso. No entanto, por detrás da pompa e circunstância, levanta-se uma questão fundamental: pode haver universidades sem que haja escolas primárias sólidas? Mais ainda: faz sentido oferecer cursos de Direito e Economia numa região onde essas áreas não correspondem às necessidades locais? Antes de se erguerem universidades, é imperativo garantir que as crianças tenham acesso a uma educação básica de qualidade. A alfabetização, o domínio da matemática elementar, o pensamento crítico — tudo isso começa nas salas de aula do ensino primário. Sem essa base, o ensino superior torna-se uma torre de areia, sucumbe ao primeiro vento. Nas Lundas, as comunidades […]

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