Angola-EUA: Trump e Dívida à China

Antony Blinken, secretário de Estado (ministro dos Negócios Estrangeiros) dos Estados Unidos aporta a Angola num périplo africano destinado a reforçar a presença americana em África e conter a China e a Rússia. Em relação a Angola, é mais um sinal de estreitamento das relações, depois da visita do secretário da Defesa a Luanda e da presença de João Lourenço na Casa Branca com Joe Biden. Nesse aspecto, é um bom momento para a política externa de Angola e para o seu desejo de se afirmar como uma potência regional aberta ao mundo. Contudo, há uma sombra que paira sobre esta visita.

Ao contrário de muitos, não entendemos que a aproximação aos Estados Unidos implique uma “desaproximação” à China, mas sim uma evolução soberana de Angola como país que pretende afirmar-se no contexto global. Se resulta ou não e quais serão os benefícios concretos (e não as meras promessas) da relação com os Estados Unidos, ainda é um tema em aberto. Pelo menos, seria desejável que a capacidade empresarial e de gestão norte-americana, bem como a sua cultura democrática – embora, debaixo de ataque interno em várias frentes – se instilassem em Angola. Quanto aos milionários investimentos americanos, encaramos tais anúncios com algum cepticismo, e preferimos uma postura wait and see (esperar para ver).

Em relação à China, o facto é que este país já é hoje o principal fornecedor de automóveis a Angola, e o governo angolano teve o cuidado de enviar o seu ministro dos Negócios Estrangeiros a Pequim imediatamente após a visita de Lourenço a Washington. O atraso na nomeação do novo embaixador da China, que alguns atribuíam a dificuldades de relacionamento, parece ser, de acordo com fontes recentes, fruto de um aperto das regras de segurança chinesas na colocação de diplomatas no estrangeiro, em virtude daquilo que consideram ser ameaças de espionagem.

Consequentemente, o quadro presente permite pensar que, no muito curto prazo, Angola pode continuar esta política de aproximação geométrica aos EUA e à China. O problema está mais à frente.

Em relação aos Estados Unidos, a sombra que referi no início do texto tem um nome: Donald Trump. No momento em que escrevo, não se sabe ainda se Donald Trump vai ou não ganhar as eleições presidenciais de Novembro de 2024. O que se sabe é que provavelmente será o candidato pelo Partido Republicano e tem fortes hipóteses de ganhar essas eleições. Até certo ponto, Trump é imprevisível: é possível que mantenha a política de Joe Biden de estreitamento das relações com África e em especial com Angola, se vir nisso um ganho económico para a América. No entanto, a história do seu anterior mandato é desmoralizante. O que ficou na memória é que chamou a África de shithole (pardieiro) e que a sua mulher, Melania Trump, se passeou em trajes coloniais sexy pelo continente sem adiantar nem atrasar nada. Também correram rumores de que Trump queria diminuir drasticamente os orçamentos destinados a África.

Portanto, uma vitória de Donald Trump poderá colocar em causa todo o trabalho de João Lourenço em relação aos Estados Unidos. Esta deveria ser a pergunta a colocar a Blinken pelas autoridades angolanas: como garantir que as novas relações EUA-Angola são institucionais, Estado a Estado, e não ficam dependentes da vontade ou dos caprichos de determinado presidente?

Se existe esta ameaça palpável em relação aos EUA, o problema relativamente à China é do tamanho de um elefante bem gordo, e tem de ser encarado. Trata-se da dívida angolana à China. De acordo com os dados oficiais do Banco Nacional de Angola (BNA), o stock da dívida pública de Angola em relação à China encontrava-se nos 18,4 mil milhões de dólares, correspondendo a 37% da dívida total. Mais do que isso, os números mostram que entre 2019 e 2023 esse montante desceu de 22,4 mil milhões para 18,4 mil milhões. Tal significa que, em quatro anos, Angola pagou – só de capital, sem contar com juros – 4 mil milhões de dólares à China. Tem sido notado por todos o peso que o pagamento da dívida pública tem no Orçamento Geral do Estado. E mesmo não abordando a questão da “dívida odiosa”, aquele dinheiro chinês que foi desviado para fins privados, facilmente se vê que o dinheiro a pagar (e pago) à China representa um fardo impossível para as finanças públicas angolanas e, obviamente, para o seu povo. Nessa medida, impõe-se a renegociação da dívida angolana à China, escolhendo formas de pagamento que simultaneamente baixem as taxas de juro e o montante de capital a pagar em cada ano.

Aliás, este é um problema africano, em que Angola poderá tomar a dianteira e propor, ao nível da União Africana (UA), a criação de um quadro institucional de negociação África-China em relação à dívida. Na realidade, uma análise dos dados do Banco Mundial feita pela Iniciativa de Investigação China-África revela que em 2021 a China detinha 21% das dívidas africanas e os empréstimos chineses representavam 30% dos pagamentos de dívidas dos países africanos naquele ano. Os empréstimos chineses representam uma parcela significativa da dívida externa total da África, que aumentou mais de cinco vezes entre 2000 e 2020, chegando a 696 mil milhões de dólares. Ficam, assim, dois novos desafios para a diplomacia angolana. Em primeiro lugar, assegurar junto dos Estados Unidos a continuidade da relação, independentemente da eventual mudança de presidente. Em segundo lugar, promover junto da UA a criação de um quadro institucional de renegociação da dívida africana à China.

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