A Falsa Demissão do Juiz do Supremo

A Justiça não pode ser capturada por nenhuma força, e só pode obedecer à Constituição e à lei. O juiz do Tribunal Supremo Agostinho Santos não foi demitido, ao contrário do que está a ser anunciado pela comunicação social. O que houve, até ao momento, foi uma deliberação de demissão da Comissão Permanente do Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ) em primeira instância. No entanto, tal deliberação não é definitiva: para suspender a apregoada demissão, basta que entre um recurso para o Plenário do CSMJ. É precisamente isso que dispõe o artigo 104.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais. Portanto, a notícia da demissão de Agostinho Santos é precipitada. E é tanto mais precipitada quando nenhum colectivo de juízes, seja em tribunal, seja em corpo disciplinar, pode constitucionalmente deliberar que as supostas infracções cometidas pelo juiz Agostinho Santos têm como consequência a sua demissão. O nosso argumento é muito simples, e […]

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O Nosso Gatuno

Uma das mais memoráveis peças de comédia em Angola é o retrato crítico dos Tuneza sobre a gatunice, a banalização do sistema judicial em Angola e o recurso à justiça por mãos próprias. No “gatuno é meu”, Ti Martins conta como flagrou um gatuno no seu quintal, o tratou à porrada e o levou para a esquadra, a conselho da vizinhança. Quando o suspeito é entregue ao procurador, o afamado Ti Martins opõe-se com veemência porque, dada a absoluta falta de confiança no sistema, “o procurador procura o gatuno dele. O governo lhe paga, por isso é que ele é procurador. (…) Eu também sou procurador no meu bairro!” O referido cidadão continua: “Chego lá no tribunal porque o juiz vai decidir, mas vai decidir o quê? (…) ele roubou na minha casa e não na casa do juiz. O gatuno é meu. Eu quero o meu gatuno!” Por conta […]

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Revisão Constitucional e Terceiro Mandato Presidencial

Nos últimos dias, tem-se discutido uma eventual revisão constitucional e a possibilidade de um terceiro mandato presidencial. Na realidade, as duas questões não têm de andar ligadas, mas na opinião pública – ou melhor, na opinião publicada – parece fazer-se essa associação. Neste artigo procedemos a um exercício especulativo sobre a matemática da eventual revisão constitucional e as possibilidades reais de um terceiro mandato de João Lourenço, com e sem revisão constitucional. A Assembleia Nacional conta com 220 deputados. De acordo com a Constituição (CRA), artigo 169.º, n.º 1, os projectos de Lei de Revisão Constitucional e as propostas de referendo são aprovados por maioria qualificada de dois terços dos deputados em efectividade de funções. O número mágico de votos necessários para a revisão é portanto de 147 deputados. Se obtiver o voto positivo de 147 deputados, a revisão constitucional fica aprovada. O MPLA tem 124 deputados, faltando-lhe 23 para […]

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O “(Ir)racional” dos 581 Municípios

O ministro de Estado e chefe da Casa Civil, Adão de Almeida, veio a público explicar didacticamente o “racional” subjacente à criação de 417 municípios em Angola, passando dos actuais 164 para 581. A matemática da transformação é simples: trata-se de extinguir as comunas e os distritos urbanos actuais (518 comunas e 44 distritos urbanos) e tornar a maior parte em municípios. Portanto, a mudança é nominal – a divisão territorial já existe, apenas muda de nome. O artigo 1.º do projecto de Lei da Divisão Político-Administrativa determina que o território da República de Angola é constituído por 20 províncias e 581 municípios, mas omite por completo as comunas e os referidos distritos administrativos, ao contrário do que acontece com a presente Lei n.º 18/16, de 17 de Outubro, cujo artigo 1.º menciona a existência de 518 comunas e 44 distritos urbanos. A Constituição permite este género de “canetadas”, pois […]

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O Ilusionismo de Isabel dos Santos

Vai hoje ser emitida mais uma entrevista de Isabel dos Santos, desta vez à CNN Portugal/TVI, na sequência da anterior que concedeu à Deutsche Welle(DW), na qual se defendeu publicamente do aludido mandado de captura emitido pela Procuradoria-Geral da República angolana (PGR) e internacionalmente distribuído através da Interpol. O espaço mediático conferido a Isabel dos Santos e a confusão que ela propaga resultam, em parte, da desastrosa comunicação do governo de João Lourenço, em particular da PGR, que deveria ter feito um anúncio formal público. Isabel dos Santos faz muito bem em reagir publicamente. É seu direito. Contudo, a exposição pública implica o exercício do contraditório. Não basta falar em monólogos. É fundamental contrapor, uma vez que a referida entrevista tem trechos altamente ofensivos para as vítimas das violações dos direitos humanos em Angola. Não é crime um cidadão ou uma cidadã ignorar os horrores da governação do seu país, […]

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Militares sem Quartéis e Uma Renda Milionária

Há algo de curioso e profundo no Orçamento Geral do Estado (OGE) e sua execução. Desde sempre, a Defesa e Segurança é o sector que mais verbas recebe. O país tem um dos maiores exércitos de África, com mais de 130 mil homens e mulheres nas Forças Armadas Angolanas (FAA), bem como um dos maiores orçamentos para o efeito. E, no entanto, há uma enorme quantidade de grandes unidades militares (brigadas) que não dispõem de quartéis e um elevado número de militares que vivem em construções improvisadas com chapas e adobes, sob condições sub-humanas. A título de exemplo, o jornal Expansão notou recentemente que, no primeiro semestre de 2022, os quartéis militares e as esquadras policiais já receberam 75 por cento das verbas consignadas pelo OGE, ao passo que a Saúde e a Educação apenas puderam realizar 38 por cento das suas despesas. Para o mesmo ano, dois meses após […]

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Mansões Plenárias para os Juízes do Supremo

O governo do presidente João Lourenço disponibilizará mais de 16 mil milhões de kwanzas para a aquisição de residências para os juízes conselheiros do Tribunal Supremo (TS). Este valor é 13 vezes superior à soma global atribuída, em 2022, aos 164 municípios do país (1,3 mil milhões de kwanzas) para o combate à fome e à pobreza, no âmbito da gestão autónoma local. O dinheiro para as casas dos juízes é superior a todo o orçamento de 2022 do próprio tribunal, fixado em 12,7 mil milhões de kwanzas. A distribuição de casas para os juízes levanta o velho problema, desde a independência, da dignificação dos titulares de cargos públicos por via de esquemas ditados ao mais alto nível. Tudo começa pela remuneração da função pública. Esta reforça os poderes arbitrários de quem controla e distribui o património do Estado, bem como promove um elevado grau de corruptibilidade e transforma a […]

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Augusto Tomás não Sai: a Política do Judiciário

Com data de 27 de Setembro passado, o juiz conselheiro Daniel Modesto Geraldes indeferiu o pedido de libertação condicional de Augusto Tomás. Recorde-se que, nos termos da lei penal em vigor, Tomás era elegível para ser libertado condicionalmente desde 18 de Março de 2022. O Tribunal Supremo não tinha a obrigação de libertar Augusto Tomás. A sua decisão dependia de dois requisitos legais: ser expectável que o condenado, depois de libertado, conduzisse a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer novos crimes; a libertação ser compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social. Nas seis páginas que escreveu, o conselheiro Modesto Geraldes toma a decisão, mas não explica nem fundamenta as razões para ter negado a liberdade condicional. Ao ler o seu texto, deparamo-nos com explicações abstractas que não servem para nada, mas que se encontram em todas as sentenças de influência portuguesa, sobre o que […]

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Taxa de Juro e Inflação: Um Pedido de Esclarecimento

A política do Banco Nacional de Angola (BNA) referente à sua taxa de juro básica é uma fonte de perplexidade. Esta semana, o BNA anunciou a decisão de reduzir “a taxa de juro de referência, de 20% para 19,5%”, argumentando com “o abrandamento da inflação e a valorização da moeda nacional, o kwanza”. Acontece que a taxa de inflação, neste momento, é de 19,78%. Nesta medida, a realidade é que a taxa de referência do BNA é negativa, o que significa que o BNA sinaliza que os bancos devem pagar às pessoas para contraírem empréstimos e não o contrário. Dito de forma simples, o BNA promove a concessão de dinheiro fácil. Isto será benéfico para impulsionar o crescimento económico, mas é estranho para uma economia com as fortes pressões inflacionistas de médio prazo, como é o caso da economia angolana. Vejamos os números da inflação em Angola nos últimos anos. […]

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Arrogância, Teimosia e o Mesmo Governo de Lourenço

Tudo se resume à nomeação de um governo que se mantém igual ao anterior, com aparente desprezo pela voz do povo e pelos quadros do MPLA. João Lourenço demonstra, por um lado, sem equívocos, que não é reformista e não tentará sê-lo. Por outro, revela que não interpretou adequadamente o cartão vermelho que lhe foi dado pelos seus militantes e pela classe média em Luanda, o centro do poder. Com a recondução dos mesmos conselheiros no seu gabinete, dos mesmos ministros e dos mesmos governadores perdedores nas suas províncias, dá a ideia de que o presidente desistiu do país e dos angolanos. Como diz uma estilista, “isso é azar!” No seu primeiro mandato, os feitos no domínio das infra-estruturas (sobretudo hospitais) não foram suficientes para galvanizar o eleitorado, pelo que o segundo mandato de Lourenço teria de ser de humanização do poder e de retribuição do poder de compra aos […]

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