A Mão Invisível nas Incompetências da Justiça
No dia 8 de Maio, o Plenário do Tribunal de Contas (TC) teceu uma crítica assertiva e inédita ao Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ), numa deliberação em que denunciou a composição do júri para o recrutamento de cinco novos juízes conselheiros para o TC. Em causa está, sobretudo, a atribuição da vice-presidência do referido júri a Carlos Alberto Cavuquila, vogal do próprio CSMJ, condenado por gestão danosa pelo Tribunal de Contas.
O Plenário do Tribunal de Contas considera que o júri padece de dois graves problemas. O primeiro, é de clareza racional: trata-se do facto de o referido júri não englobar nenhum juiz do Tribunal de Contas. Teria toda a lógica que alguém dessa corte participasse na escolha dos novos membros, pois será quem melhor sabe qual é o perfil adequado à função.
Se a primeira crítica é de lógica elementar, a segunda assenta numa idiotia extrema por parte do CSMJ, chefiado pelo presidente do Tribunal Supremo, Joel Leonardo. Os juízes do Plenário do Tribunal de Contas consideram inaceitável a designação de Carlos Alberto Cavuquila como membro e vice-presidente do júri, pelo simples facto de este ter dois processos judiciais pendentes. No primeiro, transitado em julgado, Cavuquila é condenado a reintegrar ao Estado 29 milhões de kwanzas, e encontra-se em execução no Tribunal Provincial de Luanda. O segundo corre trâmites na Segunda Câmara do Tribunal de Contas, impendendo um procedimento por responsabilização financeira sancionatória e reintegratória no valor de 1,402 mil milhões de kwanzas, e outro no valor de 117 milhões de kwanzas.
Cavuquila exerceu, até Fevereiro passado, a função de director nacional de Identificação, Registos e Notariado, do Ministério da Justiça e Direitos Humanos, assinando depois de ter sido membro do Comité Central do MPLA e administrador municipal de Cacuaco.
A idiotia é evidente. Nunca, nem na pior das repúblicas das bananas, se pode designar alguém que está a ser julgado por um tribunal para escolher juízes para esse mesmo tribunal. Escusado será dizer que alguém condenado a devolver ao Estado verbas públicas malgastas não pode ficar responsável – ainda para mais no lugar de vice-presidência! – por escolher juízes para o Tribunal de Contas desse mesmo Estado.
Cavuquila foi nomeado para o CSMJ pelo Decreto Presidencial n.º 102/22, conforme Diário da República n.º 81, Série I, de 6 de Maio de 2022. Nessa altura, os referidos processos já existiam. Ademais, Cavuquila é director nacional no Ministério da Justiça e Direitos Humanos, com a responsabilidade de assinar os bilhetes de identidade e os registos criminais de todos os cidadãos nacionais. Será este o tipo de justiça que se quer em Angola?
Como é possível que um homem como Cavuquila, com este tipo de questões ligadas às finanças do Estado e aos tribunais, seja integrado no corpo de gestão e disciplina dos juízes? Há um claro problema, já várias vezes identificado pelo Maka Angola, nas decisões da Presidência da República quanto a assuntos jurídicos.
É tão evidente o erro. Parece haver uma mão escondida empenhada em garantir que a justiça nunca funcione e que os escândalos sucessivos continuem a descredibilizar o sistema judicial e, com ele, a ordem constitucional e a luta contra a corrupção.
Nesse sentido, a carreira de Cavuquila no CSMJ pode servir para levantar o véu sobre essa mão ou essas mãos escondidas.
Como é sabido, quem ficou com poderes delegados para tratar destes temas é o ministro de Estado da Casa Civil, Adão de Almeida. Aparentemente, Adão de Almeida tem cometido erros atrás de erros, colocando João Lourenço numa posição cada vez mais ridícula e insustentável: ao mesmo tempo que defende o combate à corrupção, o presidente, com as suas decisões contraditórias e arbitrárias, acaba por promovê-la.
Basta lembrar a novela em torno da designação do procurador-geral da República, general Hélder Pitta Groz, assim como o enredo que rodeia as inúmeras denúncias públicas de actos de corrupção alegadamente cometidos por Joel Leonardo, o presidente do Tribunal Supremo. Já nem se fala das demais confusões na gestão da justiça.
Todos os factos apontam para a incapacidade ou a mão invisível de Adão de Almeida na gestão de assuntos desta magnitude. Aquele que é sobejamente lembrado como muito bom aluno do Curso de Direito da Universidade Agostinho Neto, será recordado como um lúgubre ministro dos assuntos da justiça. No meio de tudo isto, o próprio ministro da Justiça, Marcy Lopes, é figura desaparecida. Não existe para além da gestão dos assuntos correntes.
Assolados pela incredulidade, repetimos: como é que se pode falar em combater a corrupção e a impunidade, se alguém condenado a devolver dinheiro público mal-usado ao Estado é nomeado para o CSMJ?; como é que se pode falar em combater a corrupção e a impunidade, se alguém com um processo no Tribunal de Contas é nomeado para escolher os juízes desse mesmo Tribunal de Contas?
Há uma loucura mansa que parece afectar os decisores políticos. E também se torna por demais claro que o Serviço de Informação e Segurança de Estado (SINSE) precisa de ter aptidões para uma fiscalização prévia das pessoas nomeadas pelo presidente da República. Não se pode continuar a nomear indivíduos que por natureza padecem de reputação ilibada. É um princípio elementar: não se combate a corrupção com corruptos.
Quanto a Adão de Almeida, torna-se cristalino que não reúne as capacidades necessárias para ser o “manda-chuva” da justiça, pela simples razão de que tem exposto sistematicamente João Lourenço, colocando-o na posição de presidente que toma decisões na aparente escuridão da ignorância.
O presidente da República escolheu a justiça como uma das grandes apostas do seu mandato, designadamente no combate à corrupção. Aqui como em outros temas, não basta falar e ter boas intenções. É preciso agir e escolher as pessoas certas, que não cometam erros básicos nem o deixem numa posição frágil e de aparente hipocrisia. Afinal de contas, face à Constituição angolana, toda a responsabilidade é do presidente da República e de mais ninguém. É preciso afastar a mão invisível que tem transformado a justiça angolana num dos piores circos de incompetência e corrupção na arena política africana.