Tânia Derrota Presidente do BAI
No passado dia 27 de Julho, a juíza Marideth António Teixeira, da 1.ª secção da sala dos crimes comuns do Tribunal Provincial de Luanda, absolveu a comentarista e socióloga Tânia de Carvalho da acusação por crime de difamação contra o presidente ausente do Banco Angolano de Investimentos (BAI), José Carlos de Castro Paiva. Já tínhamos reportado que o próprio Ministério Público tinha pedido essa absolvição, demonstrando quão fátua era a acusação de Paiva.
É importante começar por reter os aspectos da fundamentação da juíza que servem de referência para se perceber e decidir quando há crime de difamação e quando não há. Como se referiu a propósito da condenação do jornalista Carlos Alberto, é fundamental estabelecer uma jurisprudência muito clara sobre os limites da liberdade de expressão e os critério que configuram a existência de difamação, sobretudo para terminar com a ideia de que basta “dizer mal” para existir difamação.
A juíza Marideth Teixeira, no caso concreto de Tânia de Carvalho, elabora com proficiência a doutrina, explicando que o crime de difamação tem de ter dois elementos. Primeiro, o acto material, a que, para simplificar, chamaremos “dizer mal”. Segue-se a intenção, isto é, a vontade de ofender a outra pessoa, sendo que a intenção se afere tendo em conta as circunstâncias e as finalidades da intervenção.
Portanto, é fundamental ter sempre presentes estes dois aspectos. Quando se acusa de difamação, é necessário que haja o acto e a intenção. Por sua vez, para determinar se uma expressão é de facto ofensiva o que conta não é a opinião da pessoa supostamente ofendida, mas sim o sentimento geral da comunidade.
Tudo isto tem de ser ponderado para considerar a existência de um crime de difamação.
Finalmente, e não menos importante, há que saber quais são as provas e as bases que sustentam a afirmação eventualmente ofensiva. Não se pode “dizer mal” sem provas.
No caso concreto, a juíza considerou, e bem, que Tânia de Carvalho não tinha intenção difamatória, até porque se tinha limitado a sumariar expressivamente notícias já veiculadas, nuns casos, e noutros não ficou claro a quem se referia. Nestes termos, não houve dolo, isto é, não houve intenção de fazer mal por parte de Tânia, razão pela qual ela foi absolvida.
Além desta explicação bastante assertiva sobre o crime de difamação, a juíza não deixou de lançar um repto à Procuradoria-Geral da República (PGR) no sentido de ser da sua competência investigar os eventuais negócios corruptos de José Carlos de Castro Paiva. Se a juíza não extraiu certidão do processo e das alegações de comportamentos criminosos de Paiva para enviar à PGR, o representante do Ministério Público (MP) presente na audiência de julgamento deve encarar essas mesmas alegações como denúncias de possíveis crimes e realizar o respectivo auto-de-notícia, encetando uma investigação sobre os actos de José Carlos Paiva.
Também tem de ser bem escrutinada a história avançada em audiência pela própria advogada de Paiva, Paula Godinho, segundo a qual este tinha recebido centenas de milhões de dólares nas suas contas bancárias na Suíça para agir em nome do Estado angolano em vários negócios. O povo tem de saber desses negócios e o que se passou exactamente.
Na sua sentença, a juíza também disse o óbvio. A ausência, em parte incerta, do presidente do BAI das audiências impediu que se aferisse qualquer ofensa à honra e dignidade que este pessoalmente tenha sofrido. Ficou clara a aparente prepotência de Paiva ao ter apresentado queixa e sem nunca comparecer em tribunal. A advogada Paula Godinho justificou, na altura, que o seu importante cliente reside no exterior do país e que ela poderia responder, por procuração e com conhecimento de causa directo e imediato, dos sentimentos e emoções íntimos de Carlos de Castro Paiva a propósito dos supostos actos difamatórios.
Além dos aspectos jurídicos, esta sentença prova, mais uma vez, que, apesar dos tropeções e ziguezagues, a impunidade em Angola tem os dias contados.
Já não basta a uma pessoa tão poderosa como o presidente do maior banco angolano vir a tribunal queixar-se esperando encontrar uma auto-estrada veneradora para concretizar os seus desejos telecomandando de longe o poder judicial. Na verdade, começa a surgir um poder judicial consciente de si mesmo e da sua independência, não compaginável com as práticas do passado. Nem tudo é perfeito, mas o progresso é melhor do que a perfeição. E o progresso existe.
Os grandes senhores de outrora terão de pensar duas vezes antes de virem perseguir jornalistas e comentadores para os tribunais. Começa a haver tribunais sérios em Luanda.
Um outro aspecto não jurídico desta saga é o comportamento da Televisão Pública de Angola (TPA), que “deixou cair” Tânia de Carvalho, a comentarista do seu programa “Política no Feminino”, em vez de a proteger com os meios ao seu alcance. A TPA agiu mal. O período pós-eleitoral terá de ser um período de reflexão e renovação da TPA, que tem de abandonar o sovietismo da sua abordagem dos assuntos, procurando uma postura mais moderna e arejada que garanta a pluralidade, e sobretudo, que tem de apostar no bom senso e no espírito racional dos seus colaboradores. Em resumo, aqui temos uma vitória bem merecida de Tânia de Carvalho, auxiliada pelo escritório JLF Advogados, de José Luís Domingos, após a deserção dos seus advogados iniciais no dia da primeira audiência. É mais uma vitória da liberdade de expressão.