Um Lápis contra Mil Milhões

No dia 23 de Setembro, na aldeia de Miumba, no município histórico da Cahama (província do Cunene), vi o retrato cru da educação em Angola. Uma turma de crianças, sentadas debaixo de uma árvore, assistia a uma aula de Matemática. A professora desenhou casas no quadro e pediu que as pintassem. Mas ninguém tinha lápis de cor. Algumas crianças nem sequer tinham um lápis simples. Os poucos que havia eram pedaços gastos, tão curtos que riscar uma folha parecia desperdiçar ouro. São três turmas, debaixo das maiores árvores da comunidade. Os círculos de pequenas pedras à volta das árvores marcam os espaços nos quais as crianças se devem sentar. Essas crianças, filhas de comunidades pastorais, vivem numa Angola que ainda não chegou até elas. Cada traço dessas crianças era um acto de resistência, cada risco no caderno um grito silencioso contra o abandono. Cada partilha de lápis – com a […]

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Indignação e Esperança: por Uma Escola de Verdade

Por toda a Angola, vêem-se as mais extravagantes celebrações dos 50 anos da Independência Nacional. Quando se trata de farras, nunca falta dinheiro, mas quando se trata de educar os filhos do povo, que são o futuro da nação, a classe dirigente finge-se de surda e manifesta hostilidade. É de cortar o coração, estar ali por uns momentos, junto de dezenas de crianças amontoadas debaixo de uma frondosa mangueira, umas sentadas em bancos improvisados, outras no chão, com os cadernos no colo, expostas ao sol inclemente. Quando chover (o que já acontece em algumas regiões), não haverá aulas. O futuro das crianças ficará suspenso porque não há uma cobertura que as abrigue. Num quadro improvisado, encostado a uma parede alheia, lê-se a numeração de 1 a 40. É o que as crianças da 2.ª classe vão aprender a contar e a escrever nesse dia, na sala anexa do Complexo Escolar […]

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O Valor das Propinas

A Procuradoria-Geral da República (PGR) emitiu um comunicado formal a “exortar o cumprimento do limite máximo de 20,74% [de aumento das propinas no novo ano lectivo] por parte das instituições privadas e público-privadas (desde o pré-escolar ao nível superior)”. A PGR faz o referido comunicado no “âmbito da defesa dos direitos colectivos e difusos”. Numa primeira aproximação estranha-se o comunicado da PGR, habituada a vê-la essencialmente como titular da acção penal na vertente de repressão e punição. Aparentaria uma incursão da PGR em temas que lhe são pouco habituais. Contudo, a verdade é que a Constituição, no seu artigo 186.º, d), determina ser competência do Ministério Público a defesa dos interesses colectivos e difusos. Os interesses colectivos e difusos são ambos direitos transindividuais, ou seja, ultrapassam o interesse de uma pessoa isolada. Os interesses difusos pertencem a um grupo indeterminado e estão ligados por circunstâncias de facto, como o direito ao […]

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Educação Primária: Uma Prioridade Absoluta do Estado

Na sala nº 4 há 175 alunos da Iniciação, dos 5 aos 6 anos de idade. Estão sentados em pequenas cadeiras de plástico, de várias cores, cada uma das quais é levada de casa de casa pelo respectivo utilizador. Algumas crianças sentam-se no chão de terra batida.  Têm os cadernos sobre os joelhos e assim escrevem, por falta de mesas. Não há sequer espaço para as crianças se mexerem à vontade. Estão apinhadas num recinto exíguo sem janelas laterais, que é arejado apenas pela ausência da porta e de uma janela frontal. As paredes agrestes, por falta de reboco e pintura, contrastam com as vestes coloridas dos petizes e com os penteados das meninas, adornados com punhos, missangas e ganchos de muitas cores. É uma sala de inocência e alegria, com sorrisos contagiantes e olhos cheios de vida, apesar das péssimas condições de ensino e aprendizagem. Esta é a realidade […]

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Educação: o Direito dos Direitos

Nos últimos anos tem-se verificado uma maior consciencialização dos cidadãos sobre o impacto do exercício do poder político nas suas vidas, com a correspondente intervenção pública, apesar de confinada às redes sociais. Mas, o exercício organizado e colectivo dos direitos civis e políticos, por parte dos cidadãos comuns em Angola, continua a ser uma miragem. Há várias razões históricas e políticas para isso. Uma delas – talvez a principal – é a extrema debilidade daquilo a que chamo “o direito dos direitos”: a educação. Se os angolanos não têm acesso a esse direito fundamental, é impossível usufruírem plenamente dos seus restantes direitos. Mais: sem educação, não há transformação de mentalidades, ficam inacessíveis as mudanças profundas visando o bem comum e fica por formular qualquer plano exequível de desenvolvimento humano. O sonho não chega a nascer. Na verdade, todos os outros direitos fundamentais devem o seu exercício e usufruto eficaz e […]

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A Brutalidade do Decreto

O Decreto Presidencial n.º 11/22 – que actualiza as Medidas de Prevenção e Controlo da Propagação do Coronavírus, feito ao abrigo da alínea m) do artigo 120 e do n.º 4 do artigo 125 da Constituição da República de Angola (CRA) – determina a obrigatoriedade de os estudantes com idade igual ou superior a 12 anos exibirem certificado de vacinação ou equiparado, sob pena de não poderem acederem ao seu estabelecimento de ensino, de acordo com a alínea h) do artigo 8.º de referido Decreto. O advogado e professor universitário José Luís Domingos já escreveu sobre a inconstitucionalidade desta determinação (https://www.facebook.com/zeluis.domingos.35/posts/10159013417500283), pelo que não abordaremos as questões jurídicas que a norma levanta. Apenas salientamos que já era tempo de que uma janela de bom senso se abrisse nos gabinetes dos assessores legais da Presidência da República. Têm chegado demasiado confusões jurídicas oriundas dessas paragens. A questão que pretendemos colocar acerca […]

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Escola Popular do Kilamba

O artigo publicado pelo Maka Angola acerca da apreensão da Escola de Ensino Primário e 1.º Ciclo localizada em Luanda, Kilamba, KK 5000 gerou animada discussão e celeuma. É um sinal positivo, pois demonstra que a sociedade civil acordou e está disposta, finalmente, a lutar pelos seus direitos, colocando a educação como prioridade. Na sequência do debate surgido, foi-nos possível aprofundar a investigação acerca do estabelecimento desta escola e das razões que levaram o Governo Provincial, pela mão do director provincial de Educação, André Soma, com a aquiescência do então governador general Higino Carneiro, a entregar uma estrutura supostamente pronta a funcionar a uma entidade privada, sem qualquer adequada compensação, o que acabou por levantar as actuais interrogações e terá levado, inclusivamente, à apreensão do estabelecimento de ensino. Ora, acontece que, segundo as nossas fontes, ao contrário do que se depreendia a partir do Memorando de Entendimento assinado em 2016 […]

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Escola do Kilamba Apreendida pelo Estado: Um Excesso Injustificado

No dia 1 de Setembro de 2016, o Governo Provincial de Luanda, através de André Soma, director provincial de Educação, e a FDC, Investimentos (SU) Lda., representada por Francisco José da Cruz, seu sócio único, assinaram um Memorando de Entendimento que tinha por objecto a transferência da gestão e a regulação da instalação e do funcionamento da Escola de Ensino Primário e 1.º Ciclo, localizada em Luanda, Kilamba, KK 5000. Nesse Memorando, explicitava-se que o estabelecimento de ensino era propriedade do Governo Provincial de Luanda, assim apenas se transferindo para a entidade privada a responsabilidade do seu funcionamento (cláusula primeira do Memorando). Actualmente, Francisco José da Cruz é o embaixador de Angola na República Democrática Federal da Etiópia e representante permanente junto da União Africana e Comunidade Económica para África. Anteriormente, foi responsável pela Direcção América do Ministério das Relações Exteriores. À época em que o contrato com a FDC […]

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