Escola Popular do Kilamba

O artigo publicado pelo Maka Angola acerca da apreensão da Escola de Ensino Primário e 1.º Ciclo localizada em Luanda, Kilamba, KK 5000 gerou animada discussão e celeuma. É um sinal positivo, pois demonstra que a sociedade civil acordou e está disposta, finalmente, a lutar pelos seus direitos, colocando a educação como prioridade.

Na sequência do debate surgido, foi-nos possível aprofundar a investigação acerca do estabelecimento desta escola e das razões que levaram o Governo Provincial, pela mão do director provincial de Educação, André Soma, com a aquiescência do então governador general Higino Carneiro, a entregar uma estrutura supostamente pronta a funcionar a uma entidade privada, sem qualquer adequada compensação, o que acabou por levantar as actuais interrogações e terá levado, inclusivamente, à apreensão do estabelecimento de ensino.

Ora, acontece que, segundo as nossas fontes, ao contrário do que se depreendia a partir do Memorando de Entendimento assinado em 2016 pelo Governo Provincial de Luanda, representado por André Soma, e a FDC Investimentos (SU) Lda., esta escola, afinal, não estava sequer equipada, nem nunca foi provida pelo Estado. Não passava de uma infra-estrutura em degradação. Portanto, não se tratou, afirmam-nos, de o Estado entregar uma escola “chave na mão” a uma entidade privada, mas sim de disponibilizar um edifício vazio e inacabado, do qual manteve a propriedade, para ser então transformado numa escola funcional e bem-sucedida.

Terá sido, afinal, a entidade privada que começou por pintar o edifício e proceder aos acabamentos estruturais. Isto mesmo foi confirmado pela empresa que se encarregou dos trabalhos de pintura. Também foi a FDC Investimentos quem comprou, nos Estados Unidos da América, todo o material, quadros, mesas, cadeiras, projectores e demais equipamento escolar. Além disso, toda a área envolvente, como o jardim e os arranjos paisagísticos, resultou de trabalhos levados a cabo pela entidade privada.

Estas informações foram transmitidas ao Maka Angola por diversas fontes, e permitem que se perceba melhor o contexto em que o estabelecimento de ensino foi cedido a uma empresa privada: não era uma escola pronta a funcionar, mas sim uma estrutura degradada, que foi revitalizada por essa empresa.

No entanto, o processo de formação da vontade que culminou na assinatura do Memorando oferece dúvidas à Procuradoria-Geral da República (PGR), podendo existir suspeitas de tráfico de influências ou outra manobra semelhante. Será essa a razão para que a escola tenha sido apreendida.

Este indício, contudo, deve ser encarado numa perspectiva jurídica mais lata e possivelmente a ilicitude deve ser excluída, uma vez que poderá estar em causa o cumprimento de um dever imposto pela Constituição. Isto torna o facto não punível, se considerarmos a ordem jurídica na sua totalidade.

Sejamos mais claros. A Constituição angolana consagra, no seu artigo 79.º, n.º 1, o seguinte: “O Estado promove o acesso de todos à alfabetização, ao ensino, à cultura e ao desporto, estimulando a participação dos diversos agentes particulares na sua efectivação, nos termos da lei.” Na verdade, se a opção que se colocava era entre manter uma estrutura degradada, sem utilização, ou aproveitá-la para criar uma escola e promover o ensino, parece que o imperativo constitucional desta segunda alternativa é claro, e justificava a actuação da entidade privada para colocar uma escola a funcionar.

Além do mais, uma apreensão não pode dar origem ao encerramento da escola, nem a sua cessão de funcionamento – isso seria um desperdício socioeconómico inaceitável. A apreensão é sempre uma medida provisória, que pode ser ou não confirmada ao longo do processo penal, e nessa medida, sobretudo em áreas sensíveis como a educação ou a saúde, devem ser protegidos os direitos e interesses de terceiros, nomeadamente dos alunos, no caso do ensino, e dos doentes, no caso da saúde.

No caso de que aqui falamos, é isso mesmo que deve acontecer: a PGR tem, naturalmente, o dever de realizar as suas investigações e fazer uso dos mecanismos legais previstos nas normas. Contudo, tem também o dever de actuar com proporcionalidade, já que qualquer intervenção policial ou criminal do Estado está sujeita ao princípio da proporcionalidade, consagrado constitucionalmente. “Não se matam moscas com tiros de canhão.” Esta é a base da actuação das magistraturas em qualquer sociedade denominada como Estado Democrático de Direito (artigo 2.º da Constituição). A proporcionalidade é a proibição do excesso. Os meios têm de estar adequados aos fins. A intervenção da PGR tem de ser realizada por forma a não colocar em causa o funcionamento da escola e o interesse dos alunos, ao mesmo tempo que reúne elementos de prova para o seu processo investigatório e garante que, se os arguidos forem condenados a pagar indemnizações ou compensações ao Estado, haverá bens para satisfazer essa condenação. Tudo o que vá além disto, numa apreensão, será desproporcional, e no fim de contas prejudicial ao interesse público.

É fundamental que o combate à corrupção e ao desvio de dinheiros públicos se faça com a sociedade civil, e do seu lado, convencendo os vários agentes da justiça acerca dos processos correctos e da sua aplicação ajuizada.

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