O Acórdão de Zenú e a Pista Chinesa

Como era de esperar, deu brado a decisão do Tribunal Constitucional que declarou inconstitucional o julgamento de José Filomeno dos Santos (Zenú), Valter Filipe (antigo governador do Banco Nacional de Angola) e outros. As consequências desse acórdão (n.º 883/2024) ainda não são claras. Por isso, da nossa parte, afastamos as interpretações maximalistas, quer no sentido de o acórdão terminar imediatamente com o processo, quer no sentido de exigir um novo e completo julgamento. A lei – assim como o próprio acórdão – não diz uma coisa nem outra. Apenas determina que o Tribunal Supremo tem de reformular a decisão. Isto é, tem de a modificar de acordo com a decisão do Tribunal Constitucional. O acórdão apenas manda expurgar as inconstitucionalidades. O que nos parece mais interessante, é prever a influência que este acórdão poderá ter noutros casos, como o dos generais Manuel Hélder Vieira Dias Júnior “Kopelipa” e Leopoldino Fragoso […]

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Lei da Bufaria Generalizada

Acontecem coisas bizarras na política angolana. A mais recente diz respeito à proposta de Lei da Segurança Nacional. Esta legislação já foi aprovada na generalidade na Assembleia Nacional, com 112 votos a favor, zero contra e 85 abstenções. Portanto, ninguém, nem nenhum partido, votaram contra. No entanto, depois da votação, levantou-se uma tempestade, havendo quem afirmasse que esta lei instaurava uma ditadura, que transformava Angola na Coreia do Norte, e por aí adiante. A verdade é que esta discussão deveria ter ocorrido antes da aprovação na generalidade, no contexto dos debates na Assembleia Nacional. Se é lícito que agora se discuta o tema, não se entende por que razão a proposta não foi suficientemente escrutinada anteriormente à votação. É preciso ler atentamente a letra da lei, de forma distanciada e o mais objectiva possível, para compreender aquilo que ela de facto põe ou não põe em perigo. É isso que […]

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Angola-EUA: Trump e Dívida à China

Antony Blinken, secretário de Estado (ministro dos Negócios Estrangeiros) dos Estados Unidos aporta a Angola num périplo africano destinado a reforçar a presença americana em África e conter a China e a Rússia. Em relação a Angola, é mais um sinal de estreitamento das relações, depois da visita do secretário da Defesa a Luanda e da presença de João Lourenço na Casa Branca com Joe Biden. Nesse aspecto, é um bom momento para a política externa de Angola e para o seu desejo de se afirmar como uma potência regional aberta ao mundo. Contudo, há uma sombra que paira sobre esta visita. Ao contrário de muitos, não entendemos que a aproximação aos Estados Unidos implique uma “desaproximação” à China, mas sim uma evolução soberana de Angola como país que pretende afirmar-se no contexto global. Se resulta ou não e quais serão os benefícios concretos (e não as meras promessas) da […]

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Os Descaminhos da Diversificação

Perdem-se nas brumas da história de Angola os discursos presidenciais sobre a necessidade da diversificação da economia. A 12 de Fevereiro de 2009, o presidente José Eduardo dos Santos disse: “É necessário acelerar a diversificação económica, realizando e promovendo investimentos noutros domínios da produção.” E na mesma altura, apontava caminhos como a “promoção do empreendedorismo e do desenvolvimento do sector privado nacional”. Em 19 de Julho de 2023, o presidente João Lourenço afirmava-se convicto da necessidade de diversificar a economia angolana, salientando ser esse o único “caminho seguro” para o crescimento económico e social inclusivo do país. Com um intervalo de 14 anos, os presidentes da República de Angola repetem exactamente a mesma ideia, significando isto que nada de relevante se passou em termos de diversificação neste intervalo de tempo. Basta atentarmos às estatísticas para percebermos que Angola continua sem conseguir fazer nenhuma diversificação real da economia. A participação do […]

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O Fracasso dos EUA em África

Para trás ficou o tempo em que Melania Trump se deslocou a África em trajes tropicais coloniais, mostrando o completo desinteresse dos Estados Unidos, liderados pelo marido, pelo continente. Desde então, a política oficial americana mudou significativamente. África é, de novo, um continente disputado pelas grandes potências. Essa disputa resulta da nova corrida a matérias-primas e a mercados, da procura de influência no xadrez mundial, designadamente os votos africanos nas Nações Unidas, e também da apresentação de um laboratório social para mostrar ao mundo qual a receita de prosperidade que melhor funciona: a asiática autoritária desenvolvimentista ou a ocidental liberal. Tudo isto, no contexto da nova disputa competitiva com a China, levou os Estados Unidos a voltarem a centrar atenções em África e a colocarem-na em lugar destacado nas suas prioridades de política externa. Nos últimos meses, as iniciativas americanas relativas a África e as viagens de altos dignitários têm […]

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Ilegalidades na Recondução do Procurador-Geral

Há momentos que definem um mandato. O momento presente vai definir o mandato de João Lourenço e a luta contra a corrupção. Ao reconduzir o procurador-geral da República (PGR), general Hélder Pitta Groz, que se mostrou demasiado incompetente, lento e receoso, criando omissões inexplicáveis, João Lourenço assume esse passivo. Agora, já não se poderá justificar com a incapacidade do pessoal herdado do anterior presidente da República. O falhanço do PGR será o falhanço de João Lourenço – os dois generais ficarão indelevelmente ligados.  O que está em causa nesta situação concreta não são as pessoas, mas o não seguimento do devido processo legal (“due process”). O Estado de Direito assenta na obediência aos pressupostos e requisitos legais e não à vontade das pessoas. A lei justa deve prevalecer. Para existir um Estado de Direito, o fundamental são os princípios, regras e a sua aplicação.  Ora, quer os relatos de fontes […]

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A Falsa Demissão do Juiz do Supremo

A Justiça não pode ser capturada por nenhuma força, e só pode obedecer à Constituição e à lei. O juiz do Tribunal Supremo Agostinho Santos não foi demitido, ao contrário do que está a ser anunciado pela comunicação social. O que houve, até ao momento, foi uma deliberação de demissão da Comissão Permanente do Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ) em primeira instância. No entanto, tal deliberação não é definitiva: para suspender a apregoada demissão, basta que entre um recurso para o Plenário do CSMJ. É precisamente isso que dispõe o artigo 104.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais. Portanto, a notícia da demissão de Agostinho Santos é precipitada. E é tanto mais precipitada quando nenhum colectivo de juízes, seja em tribunal, seja em corpo disciplinar, pode constitucionalmente deliberar que as supostas infracções cometidas pelo juiz Agostinho Santos têm como consequência a sua demissão. O nosso argumento é muito simples, e […]

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Reclamação Eleitoral da UNITA sobre Fraude Eleitoral

Conhecidos que foram os resultados eleitorais oficiais que deram a vitória ao MPLA com 51,17% dos votos e um reforçado segundo lugar à UNITA com 43,95% dos votos, o principal partido da oposição fez uma declaração pública em que afirmou não reconhecer os resultados anunciados pela Comissão Nacional Eleitoral (CNE) enquanto não forem decididas as reclamações que oportunamente entregou, bem como informou que fará a entrega de uma reclamação com efeitos suspensivos dos resultados definitivos publicados pela CNE. Há três pontos essenciais nesta declaração de resposta da UNITA, cujo equilíbrio se aplaude. O primeiro ponto, é que o partido parece estar a optar por uma via institucional e legal, como aliás já foi vivamente estimulado a fazer pelas tomadas de posição públicas dos Estados Unidos e da União Europeia, que saudaram a forma pacífica como decorreram as eleições e exortaram a que qualquer discordância fosse resolvida pelos meios legais. Parecem […]

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As Espantosas Novidades da Lei da Apropriação Pública

A modificação do artigo 37.º da Constituição (CRA) operada na recente revisão constitucional, bem como as actividades intensas do Serviço Nacional de Recuperação de Activos (Senra) tornavam imperativo que surgisse legislação que tratasse dos novos fenómenos de apropriação pública, designadamente as famosas entregas de bens e as apreensões, que têm estado a acontecer no âmbito do chamado combate à corrupção, muitas vezes sem se perceber o seu enquadramento constitucional e legal. Agora, o enquadramento jurídico é claro: há o artigo 37.º da CRA, que estabelece os princípios da apropriação pública, e recentemente entrou em vigor a Lei n.º 13/22, de 25 de Maio, que desenvolve os vários regimes de apropriação pública (Lei da Apropriação Pública – LAP). Não vamos aqui analisar a lei em detalhe, nem as formas de apropriação tradicionais, como a nacionalização (artigo 11.º e seguintes). O que por ora nos interessa são as fórmulas inovadoras contidas nos […]

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Derrocada Económica: Mudanças Radicais Precisam-se

O presidente João Lourenço iniciou o seu mandato com uma herança económica e socialmente complexa. As anteriores duas décadas (2002-2017) desaproveitaram a riqueza gerada no período da bonança, tendo parte sido aplicada em decisões de investimento público que não resultaram na multiplicação de mais riqueza, e outra parte desviada através vários casos de delapidação do erário do Estado. No início do ciclo político do presidente João Lourenço, em 2017, Angola tinha uma pesada dívida aos credores públicos e, adicionalmente, alguns bancos nacionais tiveram de ser resgatados, devido a biliões de créditos financiados e não pagos. Os cofres do Estado estavam vazios e os credores impunham cada vez maior pressão sobre o novo executivo. A situação era semelhante àquela que o presidente Neto e o MPLA herdaram quando assumiram a gestão de uma nova Angola independente. Em 1975, também encontraram um país com os cofres vazios, em que as instituições tiveram […]

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