O Fracasso dos EUA em África

Para trás ficou o tempo em que Melania Trump se deslocou a África em trajes tropicais coloniais, mostrando o completo desinteresse dos Estados Unidos, liderados pelo marido, pelo continente. Desde então, a política oficial americana mudou significativamente.

África é, de novo, um continente disputado pelas grandes potências. Essa disputa resulta da nova corrida a matérias-primas e a mercados, da procura de influência no xadrez mundial, designadamente os votos africanos nas Nações Unidas, e também da apresentação de um laboratório social para mostrar ao mundo qual a receita de prosperidade que melhor funciona: a asiática autoritária desenvolvimentista ou a ocidental liberal.

Tudo isto, no contexto da nova disputa competitiva com a China, levou os Estados Unidos a voltarem a centrar atenções em África e a colocarem-na em lugar destacado nas suas prioridades de política externa.

Nos últimos meses, as iniciativas americanas relativas a África e as viagens de altos dignitários têm sido uma constante. Citem-se a vice-presidente Kamala Harris, a secretária do Tesouro Janet Yellen, a primeira-dama, Jill Biden, para referir apenas as viagens mais importantes que se sucederam recentemente (Harris, Março de 2023; Yellen, Janeiro de 2023; Biden, Fevereiro de 2023). Só falta mesmo o tour de Joe Biden para culminar esta ofensiva político-diplomática de alto nível.

No entanto, a impressão que fica destas viagens é que, à parte belos discursos, oportunidades fotográficas esplêndidas e alguns apoios financeiros circunstanciais, elas nada acrescentam à resolução dos problemas africanos e, sobretudo, não diminuem a suposta influência chinesa, nem sequer a contrapõem.

O problema está no modelo adoptado pelos americanos. Trata-se de um modelo pouco interactivo e que não se debruça sobre os problemas estruturais africanos. Essencialmente, os líderes dos EUA distribuem sorrisos e marketing, alertam para o perigo chinês, anunciam pequenas ajudas externas e remetem as grandes questões para o Fundo Monetário Internacional (FMI), falando com maior ou menor intensidade sobre a boa governação.

A visita de Janet Yellen à Zâmbia foi paradigmática deste falhanço. Quando Hichilema foi eleito, transformou-se numa espécie de poster boy das boas intenções americanas.

Contudo, o certo é que a Zâmbia tem um grave problema de dívida externa e entrou em incumprimento, encontrando-se num interminável labirinto entre a China e o FMI, o qual acaba por prejudicar enormemente a população. Não basta dizer que a culpa é da China e mandar avançar o FMI, que por sua vez faz com que tudo dependa de acordos com a China, a qual fica à espera de que o país acorde com os outros credores, entrando-se num pingue-pongue prolongado.

Este género de atitude apenas levará a que os EUA sejam criticados por falarem, mas nada fazerem.

A verdade é que a entrada da China em África a partir dos anos 2000 não se deveu a qualquer relação histórica, praticamente irrelevante, mas sim a um vazio, um vazio deixado pelo Ocidente. Ora, é este vazio que persiste, apesar da nova retórica e das inúmeras iniciativas, viagens e fóruns realizados na capital americana ou na Europa.

África não necessita de economistas com os seus manuais de Harvard e MIT, que aplicam receitas de economias de mercado desenvolvidas incapazes de servir as populações africanas e levando até ao seu empobrecimento. O manual a aplicar deve ser o anterior, o da própria criação e estruturação das economias e dos mercados. Fazer desembarcar consultores, economistas, gestores e portadores de intenções não ajuda – só complica.

Obviamente, para ter sucesso, a perspectiva norte-americana tem de ser diferente, assemelhando-se ao que foi feito na Europa a seguir à Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Ou seja, lançar os seus helicópteros de dinheiro sobre África, criando ao mesmo tempo mercados domésticos no continente.

Dito de forma muito simples, os EUA só competirão com os chineses em África se os substituírem, se gastarem dinheiro. Chegar a África de mãos vazias ou com promessas de investimentos privados futuros, que podem ou não concretizar-se, não adianta.

Em rigor, se querem mesmo ajudar África, os americanos devem começar por trocar a dívida chinesa, isto é, emprestar aos governos africanos fundos financeiros a juros mais baixos e maturidades mais elevadas, para que os governos paguem à China. Deste modo seria certamente possível introduzir concorrência no mercado da dívida africana e retirar o monopólio à China.

Na mesma senda se encontra o apoio financeiro a projectos estruturantes no continente, desde a massificação da electricidade e do saneamento básico até à digitalização.

É evidente que o povo americano pode discordar desta opção e os políticos não a quererem abraçar, mas a única via realista é esta e não outra — foi assim que no passado os EUA obtiveram a sua influência.

Ademais, além de capital real, África necessita de especialistas: não de economistas ou consultores, que abundam, mas de profissionais de áreas essenciais, como médicos, enfermeiros, engenheiros, informáticos, professores, etc.

Há que recuperar o espírito inicial do Peace Corps, idealizado pelo presidente Kennedy, e enviar massivamente para África “homens e mulheres dos Estados Unidos qualificados para serviço no exterior e disponíveis para servir, se necessário sob condições difíceis, para ajudar os povos em domínios que ajudem os países a suprir as suas necessidades” (Objectivos do Peace Corps).

Finalmente, a boa governação não se deveria centrar no aparato constitucional, mas em algo mais simples e fundamental: a administração pública.

O essencial é preparar as administrações públicas dos países africanos para funcionarem com eficiência e eficácia, mesmo que os governos não cumpram os seus objectivos. Transferir o enfoque da boa governação do executivo para a administração é um elemento estruturador de qualquer sociedade funcional, ultrapassando divergências e medos de interferência política.

É evidente que só um investimento deste tipo – em capital, em recursos humanos e em formação qualificada – poderá permitir que os Estados Unidos deixem uma verdadeira marca de progresso em África, seguindo uma estratégia de contraponto à da China. Caso contrário, as boas intenções não passarão disso mesmo: de boas intenções sem resultados.

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