Os Descaminhos da Diversificação
Perdem-se nas brumas da história de Angola os discursos presidenciais sobre a necessidade da diversificação da economia.
A 12 de Fevereiro de 2009, o presidente José Eduardo dos Santos disse: “É necessário acelerar a diversificação económica, realizando e promovendo investimentos noutros domínios da produção.” E na mesma altura, apontava caminhos como a “promoção do empreendedorismo e do desenvolvimento do sector privado nacional”.
Em 19 de Julho de 2023, o presidente João Lourenço afirmava-se convicto da necessidade de diversificar a economia angolana, salientando ser esse o único “caminho seguro” para o crescimento económico e social inclusivo do país.
Com um intervalo de 14 anos, os presidentes da República de Angola repetem exactamente a mesma ideia, significando isto que nada de relevante se passou em termos de diversificação neste intervalo de tempo.
Basta atentarmos às estatísticas para percebermos que Angola continua sem conseguir fazer nenhuma diversificação real da economia. A participação do petróleo no PIB manteve-se estável em aproximadamente um terço ao longo dos últimos anos, enquanto a arrecadação de impostos do sector soma quase 60% do total de receitas tributárias do orçamento geral do Estado. Essa dependência coloca Angola numa posição extremamente vulnerável a choques externos no preço da mercadoria ou mesmo problemas operacionais da Sonangol e de outras empresas do sector, como a paralisação da produção no início de 2023, que ocasionou uma queda expressiva na arrecadação de impostos petrolíferos.
A agravar essa dependência de Angola, o petróleo já não é um activo seguro, antes sofrendo brutais oscilações de preço, e a produção angolana está em declínio. Além disso, vários estudos sugerem que o pico da procura mundial de petróleo está próximo e deverá ocorrer algures no início da década de 2030. Portanto, Angola está amarrada ao declínio.
José Eduardo dos Santos, tal como João Lourenço novamente, tentou criar uma classe empresarial privada em Angola. Contudo, essa tentativa foi um tremendo falhanço, sobretudo porque não houve distinção entre classe política e empresarial. Os políticos tornaram-se empresários e os empresários tornaram-se políticos, e tudo se misturou. Essencialmente, a economia privada foi um grande entreposto de troca das receitas petrolíferas por importação de bens, muitas vezes de luxo ou sem nenhum efeito útil.
Quando recomeçou o discurso presidencial sobre a diversificação, João Lourenço usou as palavras da ortodoxia do Fundo Monetário Internacional/Banco Mundial, salientando que compete ao Estado criar o adequado ambiente de negócios e aos empresários privados tomar as iniciativas económicas num mercado livre.
Este discurso tem dois problemas. O primeiro é que esta ortodoxia não é verdadeira. Não há diversificação sem que os governos fomentem a política industrial, ou seja, sem um forte investimento e uma forte intervenção do Estado; na verdade, é isso que acontece com frequência nos países ricos, como os Estados Unidos, a Grã-Bretanha, a França ou a Alemanha, e é isso que praticamente não existe em África.
Como se vê no quadro abaixo, os países ditos liberais ou de mercado livre são aqueles em que há maior intervenção de política industrial. Há assim uma contradição, de que África – e Angola em particular — são vítimas. Não é a mera liberalização que resolve os problemas de diversificação, como os países mais desenvolvidos bem sabem e praticam.
Intervenções totais de política industrial por região
Europa Ocidental e membros antigos OCDE | 13 514 |
Europa Oriental e Ásia Central | 1635 |
América Latina e Caribe | 1246 |
Leste Asiático e Pacífico | 676 |
Sul da Ásia | 574 |
Oriente Médio e Norte da África | 368 |
África | 213 |
Além deste equívoco de política económica, o problema pior é que em Angola continua a não haver um sector privado autónomo, independente do Estado, que faça negócios sem apoio político nem expectativas rentistas. Muitos observadores afirmam que, desde que João Lourenço assumiu o poder, apenas houve uma troca de “empresários do poder”.
Estes problemas implicam que a política de diversificação em Angola tenha de ser abordada de forma muito peculiar, exigindo uma especial atenção dialéctica, com aspectos aparentemente contraditórios.
É preciso fomentar uma verdadeira classe empresarial inovadora, autónoma do Estado e do poder político, e ao mesmo tempo articulá-la com esse mesmo Estado. São, portanto, imperiosos dois passos, quase antagónicos, que depois formarão uma síntese.
O primeiro passo está na aplicação de um conceito conhecido como embedded autonomy, uma abordagem estratégica adoptada por estados ou atores governamentais que procura equilibrar a necessidade de interagir e cooperar num ambiente globalizado com a capacidade de autonomia e independência. Trata-se da construção de um canal institucional através do qual a classe empresarial possa contribuir para o desenho da política industrial de um país, tornando-a mais eficaz e rigorosa. Ao mesmo tempo, o Estado mantém a sua soberania e capacidade de tomar decisões independentes, principalmente face aos interesses particulares, e envolve-se activamente em redes internacionais, acordos e instituições para alcançar objectivos comuns. Esta é a premissa fundamental para que uma política de diversificação da economia alcance o sucesso. Dito de outra forma, é necessário estabelecer um canal que permita à classe empresarial demonstrar, junto do governo angolano, quais são de facto os principais gargalos que é preciso abrir para destravar os investimentos privados no país.
O segundo passo consiste em transformar as sugestões trazidas pela classe empresarial em políticas públicas. Nesse contexto, talvez o maior caso de sucesso seja a industrialização dos países do Leste Asiático. A Coreia do Sul é frequentemente apontada como uma referência: um país que conseguiu atingir um elevado nível de bem-estar social através da criação de diversas indústrias de alta tecnologia. Entretanto, um aspecto pouco explorado na experiência sul-coreana é a importância que o alinhamento dos interesses da classe empresarial com a política de diversificação proposta pelo Estado (que sempre manteve a sua autonomia) teve para o sucesso desse processo.
Uma experiência recente no Peru também mostrou a importância de um arranjo institucional sólido entre Estado e classe empresarial. Entre 2014 e 2016, foi criado um fórum de discussão (mesas ejecutivas) visando estabelecer parcerias e diálogo entre o sector público e o sector privado, de modo a promover o desenvolvimento económico e a inovação, com enfoque nos entraves ao aumento do investimento privado. Essa abordagem procura superar barreiras burocráticas e facilitar a implementação de políticas públicas eficazes, promovendo uma abordagem mais flexível e adaptativa para a formulação de políticas de desenvolvimento. Um exemplo ilustrativo ocorreu na discussão acerca da exploração de madeira no país, a qual, apesar das vantagens comparativas em relação aos vizinhos da América do Sul, não tinha tanto sucesso como, por exemplo, o Chile, que exporta cinco vezes mais do que o Peru uma madeira de qualidade semelhante à que abunda no território peruano. As mesas ejecutivas foram essenciais para rever os regulamentos e processos associados à exploração da madeira no país e, consequentemente, para desbloquear o acesso ao crédito por parte dos empreendedores do sector, viabilizando o aumento da produção e tornando o produto peruano mais competitivo.
Um elemento essencial para diversificar a economia e para fomentar uma classe empresarial autónoma, independente do poder político, é a atracção de investimento estrangeiro, que tipicamente traz não apenas capital, mas também capacidade empresarial, novas tecnologias e ideias (que já se revelaram bem-sucedidas noutros locais) para o desenvolvimento integrado de cadeias produtivas. Assim, o investimento estrangeiro complementa as capacidades e a visão local sobre as potencialidades económicas do país.
A experiência chinesa nas décadas de 1980 e 1990, com a revisão da legislação e regulamentação para empresas e investidores estrangeiros no país, é um exemplo ilustrativo da redução de entraves ao investimento privado. Naquele momento, a China promulgou uma série de leis que viabilizaram a criação de zonas especiais para investimento estrangeiro, excluíram a possibilidade de expropriação, flexibilizaram as regras para remessa de lucros/dividendos e forneceram incentivos fiscais. Estes ajustes permitiram que o investimento estrangeiro aumentasse de verdadeiramente zero em 1979 para cerca de 5% do PIB chinês em 1998. A adopção de políticas industriais desempenha um papel importante na promoção da diversificação económica de um país. No entanto, a eficácia dessas políticas depende do espírito de cooperação e autonomia entre o governo e o sector privado. A colaboração activa e o alinhamento de interesses são fundamentais para superar os obstáculos e criar um ambiente propício ao desenvolvimento de vários sectores. Além disso, a atracção e a participação de investidores estrangeiros desempenham um papel vital nesse processo, pois trazem consigo recursos valiosos, como capital, modelos de negócios avançados e capacidade de gestão, capazes de impulsionar sectores económicos e tecnológicos que de outra forma não teriam acesso a esses recursos. Portanto, a procura de uma diversificação económica bem-sucedida deve ser fundamentada na parceria entre governo, sector privado angolano e investidores estrangeiros, trabalhando em conjunto para construir um futuro económico mais robusto e sustentável.