Os Perigos da Judicialização da Política

Não se pode pedir ao direito que resolva todos os problemas de uma sociedade, nem esperar que ele os resolva. O direito nunca é a solução definitiva e global de uma situação, é um mero coadjuvante do bom senso, da ordem razoável e simultaneamente da estabilidade e do progresso humano. Querer que o direito e a justiça resolvam os problemas políticos fundamentais é puro disparate. Vejamos um caso que nada tem a ver com as discussões em Angola, mas tem exaltado multidões em vários países: o aborto. O aborto é um assunto que divide as consciências e as populações em muitos países, sobretudo os de influência cristã. Nos Estados Unidos, os políticos não se puseram de acordo sobre uma lei que permitisse a interrupção voluntária da gravidez, e teve que ser o Supremo Tribunal norte-americano, em 1973, na famosa decisão Roe v. Wade, 410 U.S. 113, a decidir que a […]

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Inverter a Política Económica: FMI e China

O Congresso do MPLA é a altura oportuna para se proceder a uma reflexão e correcção da política económica em curso. Essa correcção é necessária para libertar potencial da economia angolana e entrar numa rota de crescimento e prosperidade para todos. O governo tem promovido um programa de reformas assinalável, que tem granjeado alguns sucessos, como é o caso da liberalização cambial, ou do controlo da dívida pública, bem como o programa de privatizações. No entanto, a economia angolana encontra-se condicionada por dois espartilhos cuja influência urge rever e alterar. Esses espartilhos são o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a China. Comecemos pelo FMI. A chamada desta organização internacional foi um acto adequado de João Lourenço para obter uma ajuda na necessária “arrumação” das finanças públicas e certificação de qualidade das políticas públicas a seguir. Nessa medida, obteve os resultados que pretendia. Na última avaliação que o FMI fez do […]

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Umas Voltas pela História Constitucional de Angola

Por razões profissionais e académicas, tenho passado algum tempo a coligir elementos sobre a história constitucional de Angola, tentando recuar aos primórdios e desconstruir mitos, como aquele que atribui as actuais autocracias e ditaduras a uma suposta “tradição africana / angolana”, na qual tudo assenta e depende de um chefe todo-poderoso, auxiliado por uma dose razoável de corrupção. Na verdade, uma curta incursão pelas várias realidades políticas angolanas pré-coloniais e coevas do colonialismo apresenta-nos uma história muito mais rica e diversa do que esta pseudo-tradição africana, que só tem servido para justificar as autocracias e os ditadores na contemporaneidade. No actual território de Angola, existiram muitas sociedades que viviam à margem do Estado, organizadas em torno de um governo por consenso, em que as decisões eram tomadas por conselhos alargados das aldeias. Lemos com deleite a descrição primorosa do historiador angolano Patrício Batsîkama sobre a democracia no Congo do século […]

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O Banquete Supremo do Joel

Amélia Jumbila Usaú Leonardo Machado deve ser uma pessoa encantadora. Juíza com um ano de experiência, só pôde assumir funções depois de ter sido repescada, uma vez que as suas notas na formação para a magistratura tinham sido demasiado baixas. Perante estes sinais de excelência, foi alegadamente escolhida pelo Conselho Superior da Magistratura Judicial de Angola para frequentar uma formação de formadores em Portugal a partir de 8 de Janeiro próximo. Irá portanto ganhar competências para formar outros juízes. Ou não será assim? Aparentemente, a formação oferecida a Amélia Leonardo corresponde a um curso de um ano na Universidade de Coimbra. Poderíamos começar por discutir por que razão se insiste, nos tempos do combate à corrupção em Angola, em formações académicas em Portugal, país que se confronta com inúmeros problemas nessa área, não sendo certamente um paradigma a seguir. Mas deixemos esse tema para outra ocasião. A deslocação da juíza […]

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Atenção à Malária!

É fácil constatar que a ministra das Finanças tem a agilidade que lhe permite adaptar-se às circunstâncias à medida que vai desempenhando o seu papel governamental. Numa primeira fase, desembarcou no governo com a cartilha ortodoxa económica adoptada em Portugal nos anos da recente crise: o fundamental era a dívida e o défice. Parecia que os germânicos que andaram em Portugal a ditar as regras a Pedro Passos Coelho (primeiro-ministro) e a Vítor Gaspar (ministro das Finanças), entre 2011 e 2015, tinham aterrado em Luanda, não percebendo que se tratava de um país diferente. Contudo, mais recentemente, Vera Daves já coloca a par da dívida aspectos tão importantes como o sistema de saúde e o relançamento do crescimento económico. Abstraindo-nos por agora das discussões sobre a dívida, o défice e a necessidade premente de crescimento económico em Angola, vamos concentrar-nos na outra prioridade enumerada pela ministra das Finanças: a saúde […]

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Novo Código Penal: Alguns Perigos à Espreita

A Lei n.º 38/20, de 11 de Novembro, que aprova o Código Penal foi publicada no dia da comemoração da independência nacional. Finalmente, após 45 anos, Angola tem o seu próprio Código Penal e deixa de se reger por uma lei portuguesa do século XIX. Este mero facto é de aplaudir e de registar como muito positivo. Daqui a 90 dias, em Fevereiro de 2021, o Código entrará em vigor em todo o país. O novo Código Penal angolano é composto por dois livros e 473 artigos. O primeiro livro dedica-se à parte geral do direito penal, isto é: as condições em que há crime, em que este pode ser afastado, e como deve ser punido, englobando os artigos 1.º a 146.º. O segundo livro (artigos 147.º a 473.º) estabelece a parte especial, identificando os crimes concretos que são puníveis e as suas penas (homicídio, furto, etc.). DESCOLONIZAÇÃO NO DIREITO […]

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A Covid-19 como Capa para o Totalitarismo

O constitucionalismo representa um dos progressos fundamentais da política e do direito modernos, uma vez que garante que o poder político não é arbitrário nem faz o que quer. Pelo contrário: com o constitucionalismo, o poder está sujeito a um conjunto de regras na sua actividade e encontra-se limitado por normas restritivas nas suas acções em relação aos cidadãos, sendo obrigado a respeitar os direitos fundamentais de cada um. Estas regras encontram-se estabelecidas num documento (ou em vários) chamado Constituição, cuja força jurídica é superior à de todas as outras leis, formando uma espécie de conjunto de mandamentos que todos têm de respeitar e que ninguém pode violar. No momento actual, todavia, a força do constitucionalismo está a ser colocada em causa pelas atitudes dos governos no combate à pandemia da Covid-19. Têm vindo a ser tomadas medidas em catadupa, extemporâneas, sem fundamento e sobretudo sem respeito pelas normas constitucionais, […]

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Recuperação de Activos no País dos Sovietes

Os países não vivem num vácuo, a história tem um peso determinante na sua evolução e nas suas opções. Em Angola, isso é visível quer na relação torturada estabelecida com Portugal, quer na influência duradoura das práticas soviéticas importadas a partir do final da década de 1970. A este propósito, ainda agora se verifica que o discurso presidencial sobre o estado da Nação não é mais do que um discurso sobre o estado dos ministérios, traduzindo uma pura e dura visão soviética acerca da organização política de uma sociedade. A mesma influência soviética se faz sentir na estruturação das medidas da chamada luta contra a corrupção, centrando-a, numa perspectiva bem marxista, na recuperação de activos. Mais uma vez, a infra-estrutura determina a super-estrutura, a pessoa é avaliada não pelos seus actos, mas pela sua participação nos modos e relações de produção. Esta sovietização da luta contra a corrupção é surpreendente […]

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Por Uma Nova Política de Emprego

A taxa de desemprego nos jovens com idades compreendidas entre os 15 e os 24 anos situa-se em 50,8 por cento, segundo a Folha de Informação Rápida sobre o Emprego do Instituto Nacional de Estatística de Angola (p. 14). A este número terrível acresce a informação de que, no 2.º trimestre de 2020, do total de 5 995 113 jovens que se incluíam nessa faixa etária, 32,5 por cento não estavam empregados, nem a estudar ou em formação (idem, p. 18). Estes números são aterradores, mesmo se descontarmos alguns jovens que oficialmente constam como desempregados, mas que na realidade exercem actividade na economia informal – a economia informal, aliás, precisa de ser cuidada, pois acaba por ser o amparo de largos sectores da população. Há uma massa enorme de jovens que simultaneamente representam o futuro do país e a sua potencialidade, mas que ao mesmo tempo são uma bomba-relógio prestes […]

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Os Três Anos de João Lourenço na Presidência: Parte 2

A organização da administração do Estado O objectivo principal é a estruturação dos órgãos e serviços da administração do Estado. Esse objectivo estende-se à sua operacionalidade, eficácia e eficiência como garantia do desenvolvimento do país e do bem-estar da população. É notório, nos últimos três anos, um grande esforço na execução de políticas para mitigar o estado de desordem em que se encontrava a administração pública. Contudo, mantém-se a orgânica difusa e extremamente pesada, quer ao nível da formulação de políticas, quer ao nível da execução. O modelo de elaboração e execução do Orçamento Geral do Estado (OGE), peça fundamental para o funcionamento administrativo, continua a ser o mesmo desde os tempos do partido único, da era marxista-leninista, com a previsão rígida das despesas. É evidente a falta de clareza no papel a desempenhar por várias entidades da administração do Estado. Há uma estrutura central complexa e crescente na presidência, […]

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