Umas Voltas pela História Constitucional de Angola

Por razões profissionais e académicas, tenho passado algum tempo a coligir elementos sobre a história constitucional de Angola, tentando recuar aos primórdios e desconstruir mitos, como aquele que atribui as actuais autocracias e ditaduras a uma suposta “tradição africana / angolana”, na qual tudo assenta e depende de um chefe todo-poderoso, auxiliado por uma dose razoável de corrupção. Na verdade, uma curta incursão pelas várias realidades políticas angolanas pré-coloniais e coevas do colonialismo apresenta-nos uma história muito mais rica e diversa do que esta pseudo-tradição africana, que só tem servido para justificar as autocracias e os ditadores na contemporaneidade. No actual território de Angola, existiram muitas sociedades que viviam à margem do Estado, organizadas em torno de um governo por consenso, em que as decisões eram tomadas por conselhos alargados das aldeias. Lemos com deleite a descrição primorosa do historiador angolano Patrício Batsîkama sobre a democracia no Congo do século […]

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Economia em Crise: o Contra-Ataque

“O meu centro está a desmoronar-se, o flanco direito em retirada; excelente situação. Vou atacar.” Assim, pensou o marechal Ferdinand Foch, um dos grandes cabos-de-guerra franceses da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), nas vésperas da primeira batalha do Marne que travou as forças imperiais alemãs e as impediu de ocupar Paris. Não está muito diferente a situação da economia angolana. As más notícias circulam diariamente. Os habituais profetas da desgraça, que se auto-intitulam de especialistas, as consultoras de vão de escada com nomes ingleses – geralmente financiadas por algum marimbondo – todos se deleitam em fazer previsões catastróficas sobre o rumo do país. Não ficam sequer de fora algumas entidades reputadas, como a revista The Economist ou a agência de rating Standard & Poor’s. O tom consensual é que, entre a recessão provocada pelo Covid-19 e a queda do preço do petróleo, a economia angolana está condenada. Sobre o real valor […]

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Angola e as Eleições no Congo

O Congo (Kinshasa) está aqui tão perto, mas por vezes é tão esquecido. Desde os anos 1960, boa parte das guerras em Angola passaram pelo Congo e vice-versa. Mobutu apoiou o seu cunhado Holden Roberto e a FNLA, segundo alguns afirmam, para desenvolver um Grande Congo baseado no eixo Kinshasa-Luanda, em que a primeira predominaria. No fundo, o inverso da política que Sindika Dokolo, o congolês marido de Isabel dos Santos, tentou há uns anos implementar junto de José Eduardo dos Santos (JES), quando defendia um eixo Luanda-Kinshasa para fazer face à influência da África do Sul. Também no tempo de JES, foram várias as intervenções angolanas no Congo em apoio de Kabila, o actual presidente, e do pai, o anterior presidente. JES queria restringir os apoios e acessos da UNITA e garantir a prevalência dos interesses do MPLA no Congo. Este curto resumo serve para relembrar que há uma […]

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FAA Abusam em Cafunfo

No fim-de-semana passado, as Forças Armadas Angolanas (FAA), com apoio da Polícia Nacional e outros órgãos, realizaram uma vasta operação de repatriamento coercivo na localidade de Cafunfo, província da Lunda-Norte. A operação, que incluiu rusgas de casa em casa iniciadas de madrugada, foi marcada pela violência gratuita contra cidadãos indefesos e pelo roubo inusitado de telemóveis nas residências visadas. A operação resultou na detenção de mais de 700 cidadãos, na sua maioria angolanos, tendo culminado com a expulsão de cerca de 50 indivíduos identificados como congoleses. Segundo o activista Salvador Fragoso, um dos principais critérios usados nas buscas às residências e na detenção dos cidadãos baseava-se no sotaque dos visados ao falarem em língua portuguesa. Um oficial da Polícia Nacional envolvido na operação descreve o caos resultante desse critério: “As populações nos municípios de Caungula e Lubalo, muitas das quais radicadas em Cafunfo, mal falam português e a maioria não […]

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Isabel dos Santos & Sindika: Diamonds are Forever

Uma das áreas em que se tem sentido o tufão libertado por João Lourenço é a dos diamantes. O novo presidente começou por retirar os exclusivos de que gozavam Isabel dos Santos e Sindika Dokolo, o seu marido, na comercialização das pedras, e que resultaram em avultadíssimas perdas para o Tesouro angolano, denunciadas pelo perito David Renous, em recente conferência no Parlamento Europeu. João Lourenço avançou ainda com a operação «Transparência», cujo objectivo foi devolver ao Estado a exploração de diamantes, que se encontrava totalmente descontrolada. Contudo, aparentemente, Isabel e Sindika não se deram por vencidos e, apesar da crise anunciada na sua joalharia chique DeGrisogono, ou talvez por causa disso, voltaram ao terreno, tentando sub-repticiamente recuperar a posição de privilégio perdida. De facto, várias notícias dão conta de que, na Bélgica (capital mundial do comércio de diamantes), Sindika Dokolo está a constituir, através de Jacob Karko, uma empresa para […]

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João Lourenço no Labirinto do Congo

Quando iniciou o seu mandato presidencial, João Lourenço quis deixar algumas marcas promovendo uma política externa activa. Além da “punição” a Portugal pelo facto de a antiga potência colonial se ter atrevido a acusar o vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, de vários crimes, Lourenço embarcou numa aproximação à Europa ocidental e arvorou-se como o mediador da crise eleitoral no Congo. O Congo, que tem desempenhado um papel fulcral na história de Angola, está de novo perante uma crise. O seu presidente, Joseph Kabila, já devia ter deixado o poder em 2016. Na realidade, só o manteve até essa data devido ao apoio angolano, que por duas vezes teve de enviar as suas Forças Armadas para escorar Kabila. Mas a verdade é que, ainda no tempo de José Eduardo dos Santos, Angola começou a ver com cepticismo o governo de Kabila, devido às confusões que este arranjava na fronteira comum e […]

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João Lourenço e o Protocolo de Malabo

Ao ler o título deste artigo, o/a leitor/a provavelmente questionará de imediato o que é o Protocolo de Malabo. Por estes dias, quando se avizinha a eleição de Lourenço como líder primeiro do MPLA (tornando-se todo-poderoso em Angola), depois de uma algo inconclusiva visita à China e de uma alargada e abrangente entrevista de Marcolino Moco ao Jornal de Angola, haveria certamente temas mais importantes do que um obscuro Protocolo assinado na capital da Guiné Equatorial. No entanto, o Protocolo de Malabo pode bem ser a pedra-de-toque do empenho contra a corrupção e a impunidade propalado por João Lourenço nas suas variadas entrevistas e intervenções. O Protocolo de Malabo é um acordo internacional, celebrado no âmbito da União Africana, que institui um tribunal criminal internacional africano, melhor dizendo, uma secção criminal no Tribunal Africano de Justiça e de Direitos Humanos e dos Povos, a instituir resultando da fusão do Tribunal […]

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Para Onde Vai a Sonangol?

Estamos em Junho de 2018. Carlos Saturnino tomou posse como presidente do Conselho de Administração da Sonangol em Novembro de 2017. Passaram-se, portanto, mais de seis meses com a nova gestão da “galinha dos ovos de ouro” de Angola, para utilizar as pragmáticas palavras de João Lourenço. Qualquer observador atento da empresa estará, neste momento, com muitas dúvidas e questões. Ninguém sabe muito bem o que fez e para onde vai a Sonangol.   Pontos positivos Alguns factos são claros. A Sonangol tem, agora, uma boa comunicação. Emite comunicados de imprensa bem escritos e claros. Apresenta-se como estando em movimento. Portanto, a nível de imagem está a recuperar. Passos positivos a assinalar são o encerramento da rota “Houston Express” da Sonair em Março de 2018. Os prejuízos eram elevados: aparentemente, mais de dois milhões de dólares por mês, e as vantagens pouco tangíveis. Outra medida positiva é a retoma da […]

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Isabel dos Santos e a Lavagem do Dinheiro dos Diamantes

David Renous é um homem de aparência pacata e bonacheirona, que se dedicava ao comércio de diamantes no Congo. Contudo, desde 2006 lançou uma tempestade no comércio de diamantes, desencadeando vários processos legais na Bélgica e na África do Sul. Estes processos puseram a descoberto esquemas criminosos de lavagem de dinheiro obtido ilegalmente no comércio de diamantes. No centro dessa tormenta está uma empresa chamada Omega Diamonds, dirigida por Sylvain Goldberg, Robert Liling e Ehud Arye Laniado. Embora a principal actividade da Omega Diamonds e do próprio Renous fosse no Congo, rapidamente se descobriram as conexões angolanas, que envolvem Isabel dos Santos. Foi o próprio Renous quem divulgou a história do papel de Isabel dos Santos na obtenção de ganhos ilícitos, fuga ao fisco e branqueamento de capitais no comércio de diamantes, e que vamos aqui contar. Tudo começa em 1996, quando Ehud Laniado e Sylvain Goldberg (Omega Diamonds) se […]

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UTAP: O Regime à Beira do Fim

Há sintomas que revelam que os regimes estão à beira do fim, faltando apenas o gatilho que precipita esse fim. Curiosamente, esses sintomas estão de uma forma ou de outra a alastrar a vários países próximos de Angola. Em Moçambique, reina o caos desde que se descobriu a vigarice monstruosa elaborada pelo governo com a dívida pública. No Zimbabué, já se aglomeram os abutres à espera do cadáver de Mugabe. No Congo, o protegido Kabila encerra-se no Palácio e deixa as ruas sem ordem, ou à mercê da ordem bruta. Em Angola, vive-se um tempo de opereta em que o que é não é; e o que não é é. O último exemplo disso foi o discurso presidencial sobre o Estado da Nação, que existe somente em maquete sonhada dentro do seu palácio. Mas os absurdos sucedem-se, tornando Angola cada vez mais o terreno para o próximo Nobel da Literatura […]

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