Angola e as Eleições no Congo

O Congo (Kinshasa) está aqui tão perto, mas por vezes é tão esquecido. Desde os anos 1960, boa parte das guerras em Angola passaram pelo Congo e vice-versa. Mobutu apoiou o seu cunhado Holden Roberto e a FNLA, segundo alguns afirmam, para desenvolver um Grande Congo baseado no eixo Kinshasa-Luanda, em que a primeira predominaria. No fundo, o inverso da política que Sindika Dokolo, o congolês marido de Isabel dos Santos, tentou há uns anos implementar junto de José Eduardo dos Santos (JES), quando defendia um eixo Luanda-Kinshasa para fazer face à influência da África do Sul. Também no tempo de JES, foram várias as intervenções angolanas no Congo em apoio de Kabila, o actual presidente, e do pai, o anterior presidente. JES queria restringir os apoios e acessos da UNITA e garantir a prevalência dos interesses do MPLA no Congo.

Este curto resumo serve para relembrar que há uma história de movimentações armadas entre o Congo e Angola, e que o seu perigo recrudesceu com o processo eleitoral congolês.

Como se sabe, Joseph Kabila terminou o seu mandato presidencial em 2016, mas desde então tem “arrastado os pés” e adiado a realização de eleições para a sua substituição. Apenas uma forte pressão internacional e interna, sobretudo da poderosa Igreja Católica congolesa, o levaram a marcar eleições para Dezembro passado.

Aparentemente, o papel de João Lourenço foi importante. Por um lado, garantiu um local de retiro em Angola para Kabila se alguma coisa corresse mal, e por outro, pressionou-o para abandonar o poder.

Note-se que Lourenço está empenhado numa reestruturação profunda do sector dos diamantes, de forma, alega, a torná-lo rentável para Angola. E faz parte dessa reestruturação a “limpeza” das zonas diamantíferas de prospecções e migração ilegal congolesa, que retiram valor às concessões mineiras. É sabido que as Forças Armadas Angolanas e a Polícia foram enviadas para zonas fronteiriças com vista à expulsão dos congoleses. Quer isto dizer que a estabilidade das fronteiras e da zona de exploração de diamantes que coteja com o Congo é fundamental para a nova política de João Lourenço – daí a sua atenção às eleições congolesas.

Na verdade, não temos dúvidas de que, caso as eleições congolesas gerem instabilidade que afecte essas zonas, Angola não terá pejo em intervir militarmente no Congo, eventualmente com mandato da SADC, para garantir a sua estabilidade. Essa mensagem tem pairado sub-repticiamente no ar.

Entretanto, no Congo, algumas surpresas têm acontecido.

As eleições de Dezembro de 2018 foram manipuladas; o problema, como em Angola, situa-se na transmissão dos resultados dos postos locais para os centros regionais que facilmente os misturam e fazem sair os apuramentos que entendem, sobretudo com ajuda dos sofisticados meios informáticos que hoje existem.

Contudo, a manipulação não deu a vitória ao candidato de Kabila, Emmanuel Ramazani Shadary, seu antigo ministro do Interior, demasiado apagado para espoletar o fervor eleitoral. Uma vitória de Shadary originaria forte contestação da Igreja e da população, que no fim poderia redundar numa situação tipo Kadhafi, o pesadelo de todos os ditadores.

Assim, Kabila dividiu a oposição e identificou o seu elo mais fraco: Félix Tshisekedi. Tshisekedi apresentou na sua candidatura oficial uma série de declarações que aparentam ser falsas sobre as suas qualificações académicas. Esse facto pode corresponder à prática de um crime ou valer-lhe a anulação da sua participação nas eleições. Quer isto dizer que, facilmente, Kabila pode meter Tshisekedi na cadeia, como já tentou fazer com Sindika Dokolo e Moises Katumbi, preeminentes opositores do seu regime.

Por isso, deu-lhe a vitória presidencial, ao mesmo tempo que o partido de Kabila ganhou a maioria absoluta no parlamento do Congo.

Como o Congo tem uma constituição semipresidencial, isto quer dizer que o presidente da República só tem efectivo poder quando conta com a maioria do parlamento. Caso isso não aconteça, tem de fazer aquilo que os franceses chamam co-habitação, que significa pouco mais do que tentar exercer alguma influência.

A história do Congo tem vários “homens de palha” que acabaram por ser anulados pelos poderes reais. O primeiro foi Joseph Kasavubu, o presidente do Congo que nunca percebeu que era apenas esse o seu papel e acabou, depois da imensa confusão sanguinária dos primeiros anos após a independência do Congo, por ser afastado num golpe de Mobutu em 1965.

Tshisekedi pode repetir a tragédia de Kasavubu. Chega a presidente pensando que tem poder. Vai verificar que não o tem, envolvendo-se em repetidas conspiratas e conspirações que gerarão imensa instabilidade até ser afastado. Por sua vez, percebe-se que Kabila não está muito forte. Teve de marcar eleições, teve de abdicar de um novo mandato, teve de deixar Shadary perder. Está a jogar, mas não detém o poder completo.

Com as ilusões e debilidades de Tshisekedi, somadas à fraqueza de Kabila, o Congo poderá estar a um passo de uma grave crise institucional que, provavelmente, culminará numa intervenção externa em que Angola participará.

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