Os Abusos do General Andrade e a Incapacidade do Estado Angolano

Enquanto o presidente João Lourenço faz discursos pela Europa sobre o novo ambiente, propício aos negócios, existente em Angola, de modo a atrair investimento estrangeiro, no país o clima de arbitrariedade fala mais alto.

Um caso paradigmático é aquele que opõe investidores americanos e ingleses ao general António Andrade e seus filhos. O caso já foi amplamente reportado no Maka Angola (ver aqui, aqui e aqui), e resume-se de uma forma muito simples.

Inicialmente, os referidos investidores estrangeiros associaram-se ao capitão Miguel Kenehele Andrade para desenvolverem dois projectos imobiliários na Ilha de Luanda, denominados ISHA e PINA, com mais de cem apartamentos no total. A partir de certa altura, o pai do capitão Andrade, o general António Andrade, que formalmente nada tinha a ver com a sociedade, apoderou-se do complexo habitacional referido e expulsou os investidores estrangeiros. Contou com o apoio do filho Miguel Kenehele e da filha Natasha Andrade, procuradora que interveio de forma abusiva no processo. Os investidores estrangeiros, liderados por Chris Sugrue, reagiram nos tribunais angolanos.

A providência cautelar e o incumprimento das decisões judiciais

A 23 de Novembro de 2017, a juíza Zinaida da Costa Mendes, da 1.ª Secção da Sala do Cível e Administrativo do Tribunal Provincial de Luanda, assinou uma sentença referente a uma providência cautelar em que deferia as pretensões de Chris Sugrue e ordenava “a imediata restituição provisória dos complexos habitacionais denominados ISHA e PINA, pertencentes às Requerentes, designadamente à sociedade Illico – Comércio e Prestação de Serviço e à sociedade AGVP Lda., respectivamente”. Isto é, dava razão aos investidores estrangeiros.

A ordem judicial acabou por não ser cumprida, depois de várias peripécias rocambolescas. A 7 de Dezembro de 2017, noticiámos que, depois de ter saído das instalações do empreendimento por ordem do tribunal, o general tinha-as retomado de assalto, ali se entrincheirando.

O inacreditável é que até hoje (Julho de 2018) a situação permanece igual. Passados sete meses, há uma ordem judicial que não é cumprida, com total descaramento.

Depois do assalto de Dezembro e da reocupação das instalações por parte de Andrade, Chris Sugrue enviou novo requerimento ao tribunal, através do seu advogado Armindo Sá Silva. Nesse requerimento, solicitava que fosse determinado que o general Andrade saísse definitivamente das instalações e não mais perturbasse a posse pacífica e tranquila das mesmas.

A 19 de Dezembro de 2017, a juíza Zinaida da Costa Mendes voltou a decidir de forma clara e inequívoca, ordenando que os oficiais de justiça cumprissem na íntegra a decisão de entregar a Chris Sugrue a posse real e efectiva do complexo habitacional ISHA.

Não há hesitações na decisão da juíza. A doutrina e jurisprudência citadas são inequívocas, e a redacção não necessita de qualquer aclaração.

Temos então duas decisões judiciais que determinam a entrega da posse real e efectiva do complexo habitacional ISHA às empresas lideradas por Chris Sugrue: uma de 23 de Novembro de 2017 e outra de 19 de Dezembro de 2017.

No entanto, passados sete meses, estas decisões continuam por cumprir.

O que se tem passado é uma farsa legal. Segundo conta o investidor americano, um dia a polícia angolana removeu o general Andrade. O seu filho Miguel ficou escondido no edifício. Mal a polícia saiu do complexo, Miguel apareceu, abriu os portões e o general retornou acompanhado de seguranças armados. E ocuparam, de novo, as instalações.

Instada a reagir, a Polícia Nacional recusa-se a mexer. Diz que já retirou o general do local e que não o vai fazer outra vez e alega que, ao tê-lo retirado do local uma vez, já cumpriu a ordem do tribunal. O facto de ele ter voltado, não é um problema da Polícia Nacional, acrescenta.

 

Traseiras do Edifício Isha, com 80 apartamentos, que custou 20 milhões de dólares

Esta espécie de brincadeira de mau gosto, muito provavelmente, indicia que a Polícia Nacional está conivente com o general Andrade.

Vejamos. A decisão do tribunal é indubitável. A juíza ordena que o representante dos investidores estrangeiros, Chris Sugrue, seja “investido na posse real e efectiva do complexo habitacional ISHA”. Portanto, não é uma ordem que se esgote num acto, é uma ordem permanente. Enquanto Sugrue não tiver a posse real e efectiva do complexo, a ordem do tribunal não está cumprida. Isso é óbvio.

A Polícia Nacional não está a cumprir a ordem do tribunal. Quando a Polícia Nacional não cumpre as ordens dos tribunais, as decisões destes não servem para nada.

Acresce a isto que o incumprimento de ordens judiciais é crime. Crime de desobediência, previsto e punível pelo artigo 188.º do Código Penal. Então, quer os titulares dos órgãos da Polícia Nacional, quer o general Andrade e os seus familiares envolvidos na recusa de acatar as ordens do tribunal estão a praticar de forma reiterada o crime de desobediência.

Assim, o Ministério Público deve tomar as medidas adequadas para punir este crime. Entre essas medidas, incluem-se a abertura de um inquérito-crime e a aplicação das medidas cautelares apropriadas ao caso.

O que não pode acontecer é existir uma ordem judicial ignorada quer pelos réus, quer pela Polícia.

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