A Obsessão do FMI: Cortar Subsídios dos Combustíveis

A retirada dos subsídios aos combustíveis é uma obsessão do Fundo Monetário Internacional (FMI) em todas as análises, recomendações e comunicados que faz sobre a economia angolana.

Quem lê os relatórios do FMI fica com a impressão de que a economia angolana só terá sucesso quando o governo retirar o subsídio aos combustíveis.

Na verdade, temos muitas dúvidas sobre a pertinência desta posição do FMI, que dá prioridade à eliminação do subsídio aos combustíveis. O assunto merece mais reflexão do que aquela que se faz com chavões simplistas ou a que resulta de estratégias de marketing comunicacional assentes no empolamento.

É certo que o subsídio dos combustíveis parece ter um custo elevado para o Orçamento Geral do Estado (OGE) angolano. O governo terá despendido, entre 2021 e o primeiro semestre de 2024, cerca de 9,1 biliões de kwanzas (aproximadamente 15 mil milhões de dólares) para subsidiar combustíveis como gasóleo, gasolina, gás liquefeito e petróleo iluminante, e foi chamada a atenção para o facto de esse  valor ser três vezes maior do que o gasto em sectores essenciais como educação e saúde no mesmo período. Daí se conclui que tal é impensável e que esse subsídio tem de ser abolido.

Contudo, há que olhar mais de perto.

Em primeiro lugar, neste momento, Angola não tem um problema de défice orçamental. Para 2025, o OGE prevê um défice orçamental estimado em 1,7% do PIB. Este valor é ligeiramente superior ao défice de 1,5% projectado para o ano anterior.

Para se ver que este não é um problema, basta referir que as regras absurdas da União Europeia (que têm impedido o desenvolvimento do continente europeu, em especial da Alemanha) consideram que há um défice excessivo apenas nos 3% do PIB. Ora, Angola está em cerca de metade desse valor — muito longe, portanto, do défice excessivo.

O problema de Angola não é excesso de despesa pública, é má despesa pública, despesa sobrefacturada, corrupta, desnecessária, absurda. A intervenção prioritária deveria ser dirigida à máquina do Estado, e não ao subsídio aos combustíveis.

Em segundo lugar, este subsídio acaba por ser entregue à Sonangol, que, segundo os últimos números, detém 37% do abastecimento de combustíveis, ocupando uma posição dominante, uma vez que cerca de 43% são pequenos operadores individuais, conhecidos como “Bandeira Branca”. Era bom fazer-se um levantamento destes pequenos operadores, saber quem são, quem é o beneficiário último, etc. Naquilo que diz respeito à Sonangol, o que se tem verificado é que muitas vezes quem assume os custos relacionados com os subsídios aos combustíveis em Angola é a própria Sonangol, já que os reembolsos do Estado nem sempre são realizados de forma eficiente, isto é, atempadamente e com regularidade.

Portanto, temos aqui uma dívida flutuante, que representa um custo contabilístico, e não um fluxo efectivo de dinheiro. Obviamente, essa dívida prejudica a Sonangol, razão pela qual a mesma Sonangol é grande defensora da retirada dos subsídios e do aumento dos preços de retalho, pois isso lhe permite receber efectivamente o dinheiro. Consequentemente, a Sonangol quer deixar de ter um custo efectivo e transferi-lo para o consumidor. Tal faria sentido se houvesse uma real concorrência na distribuição de combustível. A realidade, porém, é que dificilmente pode haver concorrência e preço livre quando a petrolífera domina 37% do mercado. Há o sério risco de a Sonangol impor um preço não concorrencial aos consumidores.

Um outro aspecto que convém mencionar é que mais de dois terços do subsídio do combustível vai para o gasóleo. Os grandes utilizadores de gasóleo em Angola são as centrais eléctricas, os transportes e a indústria e agricultura. No entanto, Angola reduziu em quase 60% o consumo de gasóleo em oito anos. Há aqui uma evolução que, a manter-se, poderá diminuir de forma natural o peso dos subsídios. As famosas energias alternativas poderão ser uma solução óbvia e socialmente menos onerosa, sem agitação social, para diminuir os gastos com combustíveis.

A isto acresce que a recente retirada do subsídio foi ineficaz, uma vez que  a desvalorização de 317 Kwanzas por cada dólar americano ultrapassou “ os 140 Kz que o Estado removeu ao subsídio atribuído ao preço de cada litro de gasolina e que o mesmo pretendia poupar com esta medida. Isso implica que qualquer benefício ou poupança que a medida de retirar os subsídios aos combustíveis tenha proporcionado ao elevar o preço da gasolina, a fim de redireccionar recursos públicos para outros sectores e melhorar as condições de vida da população, terá sido anulado pela depreciação do Kwanza” (fonte: Kitambo Business Consulting, Subsídios aos Combustíveis em Angola 2023, p. 8).

Além da ineficácia da retirada do subsídio aos combustíveis enquanto o kwanza estiver volátil, há outros efeitos gravosos na economia, como o aumento da inflação (pelo menos a curto prazo), a convulsão social que se gera (e de facto gerou imensamente na última retirada), a pressão enorme sobre os salários, que já estão a perder em termos reais cerca de um quarto por ano, entre outros efeitos perniciosos.

Quer isto dizer que o efeito orçamental da retirada dos subsídios pode ser anulado devido à desvalorização do kwanza, e em simultâneo aumentar a inflação, diminuir os salários reais e intensificar enormemente a contestação social.

Por isso, temos as maiores dúvidas acerca de implementação da medida (retirada dos subsídios aos combustíveis), pelo menos enquanto o mercado da distribuição de combustíveis não estiver em concorrência perfeita e o câmbio do kwanza estabilizado numa perspectiva de médio prazo. Entretanto, devem ser fomentadas as alternativas ao gasóleo e a racionalização efectiva, real, a sério da despesa pública.

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