Médico do Berbequim Detido: A Justiça a Funcionar

Manuel Yaza Macano, director do Hospital Geral do Moxico, foi detido durante a tarde da passada segunda-feira, dia 21 de Setembro, pelo SIC, tendo-lhe sido aplicada a prisão preventiva pela Procuradoria-Geral do Moxico. Lembramos que Manuel Macano era o responsável pelo hospital onde se faziam cirurgias com berbequins de obras, designadamente berbequins Hitachi e Bosch.

Na altura em que isso foi denunciado pelo Maka Angola, o Dr. Macano usou as velhas técnicas da propaganda eduardista, clamando na Rádio Nacional de Angola que a fonte do Maka Angola era um médico da oposição, propalando ainda que esse médico decidira “juntar-se a um grupo de activistas, entre eles o Rafael Marques e alguns funcionários descontentes, por causa da organização e rigorosidade, para insurgir-se contra a direcção do hospital, apresentando comportamentos de descrédito, pirraça, ultraje, baixeza, e denegrir a imagem da boa governação”.

Não adiantou recorrer aos velhos jargões políticos. Na verdade, a questão não é política, é de polícia. O que de facto se terá passado é que o director do hospital se terá apoderado de várias verbas para uso próprio, não comprando os medicamentos necessários, os instrumentos cirúrgicos adequados, bem como os berbequins de uso médico, desviando, através destas “poupanças” de bens não comprados ou adquiridos a preços mais baixos, montantes elevados de dinheiro. É nisto que acreditam o SIC e a PGR do Moxico, liderada pelo procurador da República Venâncio Felisberto Justo, que o indiciam pelos crimes habitualmente denominados como corrupção, mas que tecnicamente, neste caso, são o peculato, a violação das normas de execução do plano e orçamento, e recebimento indevido de vantagens.

Na verdade, um berbequim Hitachi para as obras custará no mínimo três a cinco vezes menos do que um berbequim cirúrgico, e essa é a única razão para esta opção surreal. É evidente, e qualquer leigo percebe que furar ferro ou madeira é bastante diferente de furar ossos humanos, que cada situação necessita de instrumentos diferentes. Como nos afirmou um especialista, o berbequim de obras não serve para cirurgias, porque “é demasiado rápido para a perfuração de um osso e não tem selector de velocidade. Por isso causa queimaduras no osso. As rotações só podem ser controladas com o pressionar do gatilho, com pouca ou muita força, o que não garante precisão adequada a uma cirurgia”. Como se vê, com um berbequim de obras, uma cirurgia é feita “a olho”, dependendo da capacidade manual do cirurgião de controlar a força do aparelho. Torna-se uma operação muito perigosa.

E não tem sentido o argumento utilizado por várias altas autoridades provinciais no sentido de esta prática – de utilizar berbequins de obras – ser seguida em vários hospitais. Se tal acontece, é errado, porque prejudica a saúde humana, perturba o tratamento e coloca em risco o doente.

Esta detenção do director do Hospital Geral do Moxico é um passo importante na moralização da “coisa pública”. Já não adianta agitar os fantasmas do passado, já não é eficaz ameaçar e atacar o denunciante como preteritamente se fazia.

Antigamente, quando se apresentava uma denúncia ao procurador-geral da República (PGR), acabava-se processado por calúnia e difamação. Os interesses instalados eram sempre protegidos, os camponeses ficavam sem as suas lavras, os doentes morriam nos hospitais sem tratamento, os mortos não tinham sequer quem os lavasse e os tratasse com dignidade na morgue. Tudo era roubado, até o orçamento dos lençóis dos hospitais servia para qualquer alto-dignitário trocar os seus panos de seda.

Não é que tudo se resolva num ápice, mas a impunidade despudorada vai acabando. As denúncias são tidas em conta, a PGR e o SIC investigam e prosseguem os seus inquéritos.

Paulatinamente, o sentimento de estar acima da lei e de tudo poder abusar torna-se condicionado, vai diminuindo. As denúncias são levadas a sério. É este o aspecto pedagógico desta história. Um novo director de hospital vai ter medo de não comprar o berbequim adequado, vai ter medo de não adquirir os remédios necessários, pois pode uma bela tarde ir parar à prisão. Portanto, há um estímulo intenso e real para deixar de roubar e de abusar do erário público.

Há que continuar nesta senda sem quaisquer hesitações.

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