A Dívida de Angola e os Mercadores da Catástrofe

Há uma nova moda em Angola: alguns intelectuais tornaram-se os arautos da catástrofe. Todas as semanas profetizam a próxima desgraça que vai afectar a economia angolana. Um dos cataclismos insistentemente anunciado diz respeito à dívida pública angolana.
É fácil predizer cataclismos – tantos se prevêem que algum há-de acontecer. Mais difícil é sugerir soluções e buscar análises equilibradas para além da espuma dos dias. É o que tentaremos neste texto fazer em relação à narrativa vigente sobre a dívida pública externa angolana.
O argumento que está a ser avançado com insistência sobre a dívida pública angolana é que esta representava, em 2018, 86,2% do Produto Interno Bruto (PIB) e, no final de 2019, já atingira os 107%. Esta subida é considerada assustadora, ficando implícito que a culpa é de João Lourenço, pelos vistos, um gastador impenitente. Há que desmistificar estas afirmações.
A primeira nota é sobre a relevância dos rácios da dívida em relação ao PIB: estes números por si significam pouco e não contêm qualquer automatismo. O importante, em relação a cada país, não é a relação entre o stock de dívida e o PIB, mas a capacidade que se atribui ao país de pagamento dessa dívida.
Um exemplo: o Japão tem uma gigantesca dívida pública, apenas no que diz respeito ao governo central, de 198,44% do PIB (dados de 2018) e ninguém está preocupado com a dívida japonesa, pois sabe-se que o Japão tem capacidade para a pagar. Em contrapartida, no mesmo ano de 2018, o Zimbabué tinha uma dívida pública referente ao governo central de apenas 37,6%. Um caso de sucesso? Não. Ninguém quer emprestar dinheiro ao Zimbabué.
Apresentar os números sem qualquer contexto e explicação não resolve nenhum problema e só contribui para criar confusão mediática.
Vamos então analisar com algum detalhe a questão da dívida pública angolana.
A dívida pública angolana
A subida enfatizada de 86,2% para 107% da relação entre a dívida pública e o PIB nos anos de 2018 e 2019 não corresponde a um desenfreado pendor despesista do governo. Cerca de 4/5 desse aumento são consequência directa da desvalorização do kwanza – portanto, é um efeito nominal e não real da política cambial do Banco Nacional de Angola (BNA), aconselhada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). E, curiosamente, em Dezembro de 2019, o FMI previa que esse rácio alcançasse mesmo os 111%, quando se ficou pelos 107%. De certa maneira, o desempenho foi melhor que o esperado.
Se houve Governo que controlou a despesa pública foi precisamente o de João Lourenço. Nunca houve em Angola tanta consolidação fiscal e tantos cortes massivos em despesa não relevante como os que este Governo aplicou em 2018 e 2019. E fê-lo num período recessivo, o que reforça a importância do que foi alcançado.
Concentremo-nos na dívida pública externa, que é aquela que efectivamente pode levantar mais problemas, uma vez que a interna é sempre gerível. Segundo os dados conjugados do FMI e do BNA, a dívida indexada a uma moeda externa (inclui dívidas interna e externa indexadas ao dólar) ocupa a maior parte da dívida pública angolana, representando mais de 85% do PIB.
Socorrendo-nos dos dados estatísticos do BNA, poderemos verificar factos muito curiosos e surpreendentes.
O stock da dívida, quando medido em dólares, sofreu o aumento mais significativo, da época recente, entre 2013 e 2017, isto é, nos anos finais da presidência de José Eduardo dos Santos (JES). Em 2013, o valor da dívida externa pública era de 28,178 mil milhões de dólares e em 2017, quando JES abandona a presidência, a dívida situava-se em 43,390 mil milhões. Em cinco anos, a dívida aumentou 53%.
Nos anos da presidência de João Lourenço, a dívida pública externa quantificada em dólares subiu somente para 49,461 mil milhões em 2019. Aproximadamente, 13,9%. Facilmente se conclui que o grande endividamento ocorreu anteriormente, entre 2013 e 2017, com JES, e que depois se entrou numa fase de controlo da situação.
A China
Um outro ponto muito importante é aquele que se refere aos credores. O maior credor externo de Angola é a China. Na verdade, segundo os dados do BNA, o país deve à China 22,424 mil milhões de dólares, que equivalem a 45,3% da dívida pública externa. Ou seja, aproximadamente metade da dívida pública externa angolana refere-se à China. Ora, esta dívida em particular tem uma forte componente política e é muito improvável que a China acosse ou crie demasiados problemas a Angola por causa dela.
Historicamente, o modelo angolano de financiamento pela China foi apresentado ao mundo como a situação win-win (todos ganham), em que todos beneficiam, replicada em vários países de África. Vir agora a China pressionar em demasia Angola, levantando obstáculos à sua economia – e sobretudo a um presidente reformista que quer combater a corrupção, tal como Xi Jinping anuncia fazer em Beijing – seria um verdadeiro fiasco para a afirmação da China como superpotência.
É evidente que o sucesso de Angola em África está ligado ao sucesso da China e à imagem de potência benevolente que esta quer espalhar pelo mundo. Consequentemente, é crível que a China não será o problema na dívida angolana, mas fará parte da solução, como aliás as últimas notícias parecem afirmar.
O mistério dos dez mil milhões chineses
Além deste aspecto político, a dívida de Angola à China envolve um mistério, que oportunamente tem de ser esclarecido: o mistério da surpreendente duplicação.
No primeiro quadrimestre de 2016, que termina em Abril, a dívida de Angola à China situava-se em 10,531 mil milhões de dólares. No segundo quadrimestre (Maio-Agosto) salta abruptamente para os 21,228 mil milhões de dólares. Grosso modo, mais dez mil milhões de dólares. Aliás, é esse incremento substancial que faz com que a dívida total angolana comece a sua ascensão demasiado intensa, passando de 34,891 mil milhões de dólares para 44.932 mil milhões, tudo em 2016.
É assim que 2016 se torna um ano-chave para se perceber a dívida angolana. Em Maio desse ano, escrevemos no Maka Angola: “JES foi à China negociar um grande empréstimo. Estávamos em Junho de 2015. A viagem foi anunciada por todo o lado. O próprio Bureau Político do Comité Central do MPLA reuniu-se, a 1 de Setembro de 2015, para analisar aquilo a que pomposamente chamaram Plano Operacional para as Linhas de Crédito da China.” E pouco mais se soube desse empréstimo.
O que se soube, aliás, resulta de uma reconstituição posterior de várias afirmações de responsáveis da Sonangol. Os novos dez mil milhões de dólares da China foram parar à Sonangol em 2016. Desses, cinco mil milhões serviram para pagamentos de empréstimos concedidos à Sonangol; os restantes cinco mil milhões também entraram na Sonangol e foram aplicados em investimentos não especificados.
A coincidência interessante é que este é o momento exacto em que Isabel dos Santos entra na Sonangol como presidente do Conselho de Administração. Há um paralelismo temporal absoluto entre a sua tomada de posse e a chegada a Angola de dinheiro fresco que duplica a dívida do país à China. Dinheiro fresco que entra na Sonangol de Isabel dos Santos, que aproveita para anunciar como grande acto de gestão a redução da dívida da Sonangol… Afinal, a sua brilhante administração reduziu a dívida da Sonangol à custa de mais dívida do país com a China.
As coincidências não se ficam por aqui. A negociação do novo dinheiro da China foi simultânea com a queda em desgraça do então vice-presidente da República Manuel Vicente, que até aí tinha sido um interlocutor privilegiado nos negócios públicos e privados com a China, bem como com a detenção, em Outubro de 2015, do intermediário chinês Sam Pa. Vicente e Sam Pa saíram dos negócios da China e entrou Isabel dos Santos.
Era de elementar justiça e bom senso estabelecer-se uma moratória prolongada em relação a estes dez mil milhões de dólares que entraram no país entre Maio e Agosto de 2016, de modo que se percebesse o que efectivamente lhes aconteceu.
Aqui deixámos, então, alguns exemplos de quão perigosa e errónea pode ser uma visão dos números global e descontextualizada. É fundamental aprofundar cada parcela, perceber o seu enquadramento e ver as soluções parciais que se apresentam. Se fizermos esse trabalho em relação à dívida angolana e se aproveitarmos o clima internacional benévolo para a negociação de dívidas e moratórias dos países emergentes concluiremos que a dívida pública não é certamente o principal problema angolano, e que tem solução.
Oh..! Tantos argumentos fraudulentos nesse texto.
Primeiro, O Japao tem atualmente um nivel tao alto de divida que é duvidoso que o pais possa pagar o valor total. E com seus niveis de divida, o maior risco é que o investimento estrangeiro direto (IED) comesse a evitar ativamente essa fragil e endividada economia, embora nao seja ainda o caso. Mais uma pandemia economica, e o Japao e os EUA entrariam em default. E a crise fiscal nesses paises, arrastariam consigo os mercados – e o caos se instalaria em todo mundo! Portanto a divida estrangeira, quando mal gerida, tem consequencias nefaustas para a economia – sobretudo em paises como Angola, onde a producao é escassa.
O periodo entre 2007 e 2017, altura em que o presidente dos Santos abandona o poder, foi o de maior investimento em infrastruturas que o pais tem em memoria. E, nota-se, nesse mesmo periodo, em 2014, se instala a crise economica mundial devido a descida do preco do petroleo. Portanto dizer, so por dizer que o PR JES endividou mais o pais. quando comparado aos cerca de 3 anos que o PR JLO dirige os destinos do pais, so pode ser discontestualizar o assunto, ou por falta de uma razao mais articulada a que o Maka comeca a nos habituar desde a recepcao palaciana!
Quando a nomeacao de Isabel dos santos na altura em que Angola acabava de celebrar novos encargos financeiro com a China, o timing so pode ser uma mera coincidencia. e nao passa de mais uma narrativa sem sustentacao e, portanto, pouco credivel.
Queria dizer neste texto, e comece…
Há mt q s debater sobre a dívida externa d Angola pra “sobretudo” c a China, essa sua abordagem simplista não colhe, prefiro concordar c o Mala Angola, qdo alerta pra os angolanos não s limitarem a olhar pra os números q nos foram impostos por 1 regime “gatuno” e ditatorial.
Essa matéria sobre a dívida externa de Angola com a China tem muito para se desvendar. Segundo o articulista a baixo, Angola já é uma província da China por causa desses milhões todos.
“Mesmo hoje em Luanda, viajando pela via expresso, fica amargo notar as disparidades, para não dizer neo colonização chinesa, ao encarar os prósperas shopping centros chineses, lojas e estabelecimentos comerciais, todos deles, em meio de uma população local empobrecida e sem oportunidades. Assim, Angola já é ou não é uma província chinesa?”
https://club-k.net/index.php?option=com_content&view=article&id=40308:o-novo-imperio-chino-em-africa-mario-cumandala&catid=17:opiniao&lang=pt&Itemid=1067
André Basto,
muito obrigada pela partilha do artigo de Mário Cumandala, de 26 de abril de 2020.
Concordo 100% com o seu teor.
E acrescento: aquilo que os chineses constroem não presta!!
Vejamos alguns poucos exemplos:
1) A estrada para as Províncias do sul – está sempre a ser feita e refeita … não há forma de ficar definitivamente pronta (aos anos!)… e o que se vê sempre? Muitos desvios, falta de manutenção dos desvios, tabuletas incompreensíveis, sinais de curvas (que não existem ou não carecem de ser assinaladas), muitos capatazes chineses e os angolanos a trabalhar.
Podia falar do estado em que deixaram a Avenida Pedro de Castro Van-Dúnem Loy, Luanda Sul, após a última intervenção (em que a tabuleta mal amanhada dizia “estrada fecha”!!) ou…ou…ou tantas outras.
2) A reabilitação do Caminho de Ferro de Benguela (cujo início estava previsto para janeiro de 2006) teve início em março de 2008, tendo o estado recorrido a uma linha de crédito da República da China e adjudicado a reabilitação à China Railway 20 Bureau Group Corporation. Mesmo a propósito!! Esta empresa, por sua vez, decidiu o que havia de fazer e o custo previsto inicialmente de 200 milhões de dólares custou mais de 528 milhões de dólares. A empresa chinesa conseguiu essa derrapagem: importando todo o equipamento da China (à exceção da mão-de-obra. Foram necessários cerca de 100 mil trabalhadores angolanos); desvirtuando por completo a estrada Lobito – Catumbela; construindo mais estações e apeadeiros (de 67 passaram a 107) completamente desfasadas da paisagem; colocando máquinas que não tinham força, pelo que a viagem levava demasiadas horas (daí a necessidade do Estado ter comprado há pouco tempo outras máquinas ) e o pior dos piores, alterando a bitola – utilizando a bitola chinesa. Esse aspeto trouxe como consequência – a falta interoperabilidade ferroviária. Quando o comboio chega ao Luau, pessoas, bagagens e mercadorias têm que ser transferidas para outro comboio para seguir viagem para a África meridional e central.
É por demais evidente que a China fez de Angola o seu segundo maior fornecedor de petróleo, construindo em troca grandes infraestruturas, que não valem nada…
Perdoem, mas é assim que vejo: Angola tornou-se mais um “negócio da china”!
Análise coerente da situação!!!
Há questões em torno da parte 2 da dívida com a China, que só podem ser desmitificadas por quem participou directa e/ou indirectamente na negociação.
Kabangu Jr. gostava de lhe perceber melhor.