Empréstimos ao Estado Angolano: A verdade da Mentira

Algum sobressalto devem estar a trazer as negociações com o FMI do empréstimo a Angola, uma vez que José Eduardo dos Santos já fez saber que tem dúvidas sobre tal operação.

Entretanto, em Moçambique, no final de Abril de 2016, o governo teve de reconhecer perante o FMI que tinha ocultado mais de um bilião de dólares em dívida externa garantida.

Estes factos levam-nos a reflectir e tentar discernir a verdade por entre as colunas de fumo que todos os dias são levantadas.

Passou menos de um ano desde que JES foi à China negociar um grande empréstimo. Estávamos em Junho de 2015. A viagem foi anunciada por todo o lado. O próprio Bureau Político do Comité Central do MPLA reuniu-se, a 1 de Setembro de 2015, para analisar aquilo a que pomposamente chamaram Plano Operacional para as Linhas de Crédito da China. Só em 14 de Outubro de 2015 Manuel Vicente, ainda vice-presidente de Angola, anunciou que o empréstimo chinês tinha o valor de seis biliões de dólares, e que serviria para investimentos públicos “nos domínios da educação, saúde, água, energia eléctrica e estradas, tendo sido já aprovado pelo executivo o plano operacional para assegurar a execução de projectos identificados em 2016 e em 2017”. Pouco mais tem sido dito sobre este empréstimo, percebendo-se, entretanto, que se trata de uma linha de crédito para empresas chinesas fazerem obras em Angola. Isto é, o governo angolano contrata empresas chinesas e paga-lhes com o empréstimo da China. Entidades oficiais falam em 155 projectos de investimento.

Contudo, não existe conhecimento público de qualquer projecto em curso com o apoio deste empréstimo, e desde Janeiro de 2016 que não se conhecem referências públicas ao dito empréstimo.

O que parece do empréstimo chinês é que este não se traduz num envelope financeiro de dinheiro para suportar qualquer problema de liquidez de Angola: caso realmente exista, trata-se apenas de uma forma de financiar obras de empresas chinesas em Angola. Mas mesmo isto é duvidoso.

Outro empréstimo de que se tem falado por estes dias é o do banco russo VTB. Será um empréstimo de 118 milhões de euros, realizado pela sucursal desse banco russo na Áustria.

O banco VTB pertence em 60 por cento ao governo russo. Curiosamente, este banco está presente em Angola, com a denominação de VTB África e sede na Rua da Missão, n.º 22, r/c, Luanda.

O problema é que o VTB, seja de Luanda ou da Áustria, faz parte da lista do Departamento do Tesouro norte-americano. referente a entidades identificadas como objecto de sanções relativas ao conflito entre a Ucrânia e a Rússia .

De acordo com o Departamento do Tesouro norte-americano, o VTB está identificado como uma entidade com a qual as empresas norte-americanas estão proibidas de realizar transacções.

A questão que aqui se coloca é que os bancos norte-americanos (e europeus) estarão obrigados a uma especial atenção a transferências que envolvam bancos-alvo como o VTB, e, em determinadas circunstâncias, tal poderá acarretar o bloqueio de fundos.

Há obviamente um problema de gestão de dívida e do crédito público que se coloca em Angola, e que é um problema de transparência. O que se deve? A quem se deve? Como se paga? Estas respostas não existem. O que existe são negócios com países que primam pela opacidade, como a China e a Rússia, e que apesar de serem grandes potências mantêm com o regime Luanda negócios cuja natureza não é clara.

Atente-se no seguinte: em Junho de 2015 JES voou até Beijing para obter um empréstimo, numa viagem rodeada por fanfarras e propaganda. Depois: silêncio… No início de Outubro de 2015, Sam Pa (o chinês intermediário dos negócios Angola-China) é preso. Em 15 de Outubro de 2015, Manuel Vicente (pelo facto de JES estar indisposto) faz a comunicação em que “transforma” o empréstimo numa forma de financiamento das empresas chinesas em Angola. Isto no que diz respeito à China.

No que diz respeito à Rússia, o VTB é um banco estatal incluído na lista das sanções dos Estados Unidos (e também da União Europeia), cujos lucros se têm mantido em alta por depender essencialmente do mercado interno. Todavia, tem dificuldades em internacionalizar-se e em estabelecer contactos com o estrangeiro. E, obviamente, Angola pode ser uma plataforma para fazer circular o dinheiro.

A chegada do FMI no âmbito de um EFF (Extended Funded Facility – Programa de Financiamento Ampliado) implica necessariamente a divulgação da extensão e realidade dos empréstimos e da dívida angolana, e, tal como em Moçambique, isto poderá revelar várias surpresas.

 

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