O Burro e a Mentirosa

Isabel dos Santos, a mulher mais rica de África, insiste em afirmar que nunca usou fundos públicos para seu próprio enriquecimento, durante os 38 anos da presidência do seu pai, José Eduardo dos Santos.

A bilionária reagiu à matéria publicada no Maka Angola, segundo a qual ela beneficiou de um empréstimo concedido pelo BPC, através de uma linha de crédito concedida ao Estado angolano pelo Banco Alemão de Apoio às Exportações (KFW IPEX-Bank). O Estado angolano tem estado a pagar a dívida de Isabel dos Santos. Através de um mensageiro, a filha do ex-presidente chamou-me “burro”, considerando-me incapaz de compreender o que são na verdade fundos públicos. Insiste que o empréstimo que lhe foi concedido pelo banco público, através de uma linha de crédito contratada pelo Estado angolano e paga por este, não se trata de um fundo público.

Ora, com a burrice vem a minha teimosia.

Do alto da sua esperteza, Isabel dos Santos teima em enganar a opinião pública, recorrendo ao absurdo argumento de que nunca usou fundos do Estado para se tornar mais rica. Por sua vez, o burro teima, recorrendo a factos, em demonstrar o contrário, e até vai mais longe.

Em 2016, publiquei uma matéria sobre os pagamentos efectuados pela Sonangol, a maior empresa estatal, para a entrada de Isabel dos Santos na petrolífera portuguesa Galp.

De acordo com documentação em posse do Maka Angola, a 25 de Janeiro de 2006, a Sonangol assinou um acordo com a empresa offshore Exem Africa Limited para a sua entrada na Galp. Esta é a empresa de Isabel dos Santos, registada nas Ilhas Virgens Britânicas.

Com base no acordo, a Sonangol transferiu 40 por cento da sua participação adquirida na Galp, através da offshore Esperaza Holding, à Exem Africa, pertencente a Isabel dos Santos. A Esperaza Holding, inicialmente estabelecida como offshore da Sonangol na Holanda, detém 45 por cento do capital da Amorim Energia BV, que por sua vez controla 33,34% por cento da Galp, sendo o seu principal accionista individual.

Segundo o acordo, a Sonangol realizou a totalidade do investimento em dinheiro na Galp, incluindo a participação de Isabel dos Santos.

Em retorno, Isabel dos Santos pagaria a sua dívida à Sonangol em duas fases. Na primeira, a sua Exem pagaria 11,2 milhões de euros (12,5 milhões de dólares) à Sonangol, equivalente a 15 por cento do valor fixado na altura da execução da cessão dos direitos sociais. Até à data da sua nomeação para presidente do Conselho de Administração da Sonangol, em 2016, e volvidos dez anos sobre o empréstimo, Isabel dos Santos não tinha ressarcido esse valor à petrolífera nacional.

Na segunda fase, Isabel dos Santos pagaria à Sonangol mais 63,8 milhões de euros (71,5 milhões de dólares), equivalente aos restantes 85 por cento do valor correspondente à sua quota de 40 por cento das acções da Galp compradas na totalidade pela Sonangol.

Enquanto presidente da Sonangol, a princesa milionária tentou saldar a sua dívida a essa mesma Sonangol, em kwanzas e sem correcção monetária, de acordo com informações fidedignas.

Tal medida esteve na base das desavenças entre Isabel dos Santos e Carlos Saturnino, que a substituiu na presidência da petrolífera e que exigia o pagamento da dívida em moeda estrangeira, num montante correspondente ao valor real das acções.

Isabel dos Santos tem de fazer prova de pagamento da sua participação.

Temos então, como já antes afirmámos, uma doação ou transferência ilícita de património do Estado para a filha de José Eduardo dos Santos. A Sonangol, e sobretudo Manuel Vicente, que assinou o acordo de transferência do património público para Isabel dos Santos, tem de vir a público esclarecer a negociata. Mais: os 75 milhões de dólares da dívida de Isabel dos Santos, resultantes dessa transferência, não têm aparecido nos relatórios e contas da Sonangol. Um valor que ficava, note-se, muito aquém do investimento realizado pela petrolífera nacional.

Estranhamente, a participação de Isabel dos Santos na Esperaza Holding passou de 40 para 45 por cento, sem qualquer explicação plausível por parte da Sonangol.

Fontes do Maka Angola em Portugal fazem notar que a Galp precisa, actualmente, de muito financiamento para os projectos de gás e petróleo em Moçambique e em Angola. “Há bancos que estão a rejeitar financiamento à Galp, por ter no seu quadro accionista uma Pessoa Exposta Politicamente (PEP), Isabel dos Santos. Outros bancos exigem taxas elevadíssimas”, garante a fonte.

“Há receios de que a ligação de Isabel dos Santos à Galp traga riscos acrescidos à maior empresa portuguesa”, conclui.

Logo, estas informações contrariam a fantasiosa campanha de relações públicas e os pronunciamentos públicos de Isabel dos Santos sobre a sua mais-valia enquanto investidora em Portugal. Na verdade, a bilionária angolana começa a ser uma verdadeira dor de cabeça para a reputação de empresas estabelecidas onde ela detém alguma participação, como a Galp, por exemplo.

Com bem disse na altura o analista jurídico do Maka Angola, Rui Verde, “as acções de Isabel dos Santos na Galp deviam ter reserva de propriedade ou estarem penhoradas a favor da Sonangol, até estarem pagos os montantes devidos. E, mesmo assim, é ilegal que uma empresa estatal funcione como banco de investimento privado da família presidencial”.

Para Rui Verde, do ponto de vista legal, “há uma entrega nula de acções a Isabel dos Santos, e estas devem ser imediatamente devolvidas à Sonangol”.

Em resumo, Isabel dos Santos tem razão num ponto apenas: só num país de burros pode ela ficar com o património do Estado, de mão beijada, e gabar-se como grande investidora em Portugal, recorrendo ao dinheiro que pertence a todos os angolanos.

Isabel dos Santos ainda dá lições gratuitas de economia ao presidente e aos burros angolanos. Estes têm medo de lhe confiscar, com toda a legitimidade e dentro dos marcos da legalidade, o património que ela obteve de forma ilícita. Essa é a verdade.

Agora, este burro baixa as orelhas para que os outros burros falem. Afinal, Angola parece ser um país de burros! Haja coragem política.

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