Banco Kwanza, a Cruz de Kruse e o BNA

Recentemente, circulou a notícia segundo a qual o vigarista suíço-angolano Jean-Claude Bastos de Morais estaria a vender a sua participação de 80,2 por cento no Banco Kwanza Invest. Como se sabe, este banco praticamente serviu apenas para uso exclusivo das negociatas do então gestor dos cinco mil milhões de dólares do Fundo Soberano.

Até há poucos meses, o banco tinha apenas dois accionistas, incluindo o suíço Marcel Peter Kruse, um banqueiro de investimento profissional, que detém 15 por cento das acções do Banco Kwanza Invest e é simultaneamente seu administrador não-executivo, desde 2014.

O Banco Kwanza Invest já foi objecto de detalhada análise pelo Maka Angola.

Jean-Claude goza da liberdade que lhe foi concedida pelo acordo extrajudicial com a Procuradoria-Geral da República angolana, no âmbito da investigação criminal ao Fundo Soberano, mas as suas actividades financeiras em Luanda deixaram um rasto de opacidade que devia obrigar o Banco Nacional de Angola (BNA) a intervir.

Já na altura (em Janeiro de 2019) se transcreviam, nestas páginas, os alertas de Kruse, sem que ninguém tomasse medidas. Afirmava então o banqueiro suíço, que participava praticamente às escuras nas reuniões do conselho de administração, seis vezes por ano: “Quase não recebo documentos para as reuniões. Às vezes recebo um balanço. Há muito pouca informação disponibilizada. São o presidente do Conselho de Administração e os dois membros executivos que têm tudo na mão.”

O episódio mais recente de alerta às autoridades surge numa carta enviada a 8 de Outubro de 2019 por Marcel Kruse a Rui Miguéns de Oliveira, vice-governador do BNA.

Nessa missiva, Kruse vinca ser o detentor dos referidos 15 por cento de acções do Banco Kwanza Invest, bem como seu administrador não-executivo. Com efeito, vem denunciar que desconhece os termos de uma eventual transacção em curso de 80,2 por cento do Banco, bem como da transmissão feita por Jean-Claude Bastos de Morais de 4,8 por cento de acções da mesma instituição a Adriano de Carvalho, presidente do Conselho de Administração.

Kruse alega desconhecimento das várias transmissões de acções em curso, o que poderá ser mais ou menos relevante, de acordo com os direitos de preferência de que disponha. O mais importante da denúncia de Kruse é a total ignorância em que tem sido mantido no que diz respeito à gestão e ao curso do banco, afirmando que existe uma “recorrente falta de transparência na gestão e retenção sistemática de informações”.

Mais à frente, Kruse volta a insistir que se está a proceder à venda de 80,2 por cento do capital de maneira obscura, sendo-lhe sonegada toda e qualquer informação sobre o tema, quer como accionista, quer como administrador. Depois, coloca em causa, de maneira expressa, o modo como foram transferidos os tais 4,8 por cento de acções a Adriano de Carvalho. Na verdade, Kruse acusa Jean-Claude Bastos de Morais de ter feito esta transferência de forma ilegal.

Não bastando essa falta de transparência em operações estruturantes para a instituição bancária, Kruse lança luz sobre aquela que foi a desorganização permanente na gestão do banco, realçando que, “desde a sua constituição, em 2007, o Conselho de Administração não procedeu à emissão dos certificados de acções e não deu abertura do devido livro de acções da respectiva repartição fiscal”. Situação que, no seu entender, impede, por força do artigo 348.º da Lei das Sociedades Comerciais, qualquer compra e venda de acções ou qualquer outra forma de alienação.

Contudo, a maior ênfase do gestor suíço vai para a falta de transparência que regia a administração do banco. Ele é claro e incisivo, afirmando que apenas Jean-Claude Bastos de Morais sabia e dominava tudo, deixando-o na ignorância total, apenas fornecendo os esclarecimentos mínimos. Na prática, Kruse afirma que foi impedido de exercer as suas funções, pois não obteve informações, não podendo assim avaliar o que se passava e reagir atempadamente.

Sobre as actividades e decisões do accionista maioritário Jean-Claude Bastos de Morais, já escrevemos várias vezes. Competirá à justiça angolana decidir se investiga ou não o papel que o suíço-angolano desempenhou no Banco Kwanza Invest.

O que é importante assinalar agora é a indiferença ou cumplicidade, por omissão, do BNA, que nada faz, mesmo depois de alertado inúmeras vezes sobre as práticas menos transparentes do banco por uma pessoa de dentro da instituição: nada mais nada menos que um dos seus dois accionistas e também administrador não-executivo.

A omissão do BNA é, como se tem visto por esse mundo fora, tão fundamental como as acções perniciosas dos gestores bancários. Se uns causam o perigo, os outros, pela sua inacção, não evitam o perigo. Por isso, é fundamental que o BNA leve a sério a carta de Marcel Kruse, o ouça e delibere sobre as medidas a tomar relativamente ao Banco Kwanza Invest.

O saneamento bancário angolano tem de continuar, até se chegar a um ponto de solvabilidade e práticas de boa governação em todos os bancos, não ficando o sistema nas mãos de aventureiros ou políticos sem experiência bancária e com interesses duvidosos.

Este é mais um alerta: o BNA não pode continuar a alegar ignorância sobre o que se passa no Banco Kwanza Invest, e compete-lhe agir em conformidade com as informações de que dispõe.

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