BKI: O Banco de Fachada ao Serviço de Jean-Claude
O vigarista suíço-angolano Jean-Claude Bastos de Morais, detido desde Setembro passado na Cadeia de Viana pela burla dos biliões de dólares do Fundo Soberano, continua a gozar de grande influência através do seu Banco Kwanza Investimentos S.A. (BKI), que se mantém no mercado. Mas por quanto mais tempo?
A 20 de Dezembro passado, o governador do Banco Nacional de Angola, José de Lima Massano, concedeu ao Banco Kwanza Investimentos, S.A. (antes conhecido como Banco Kwanza Invest, S.A.) autorização de aumento de capital “mediante incorporação de reservas e resultado líquido”, no valor de cinco mil milhões de kwanzas. O BKI continua a operar.
Jean-Claude Bastos de Morais detinha, à data da realização do aumento de capital, 85 por cento da quota do banco, cabendo os outros 15 por cento a um testa-de-ferro, o electricista Sérgio Ferreira Mata da Costa. Com o aumento, o detido cedeu 4,8 por cento das suas acções ao actual presidente do Conselho de Administração do BKI, Adriano Pereira de Carvalho Júnior.
“Na altura da criação do banco, pelo meu trabalho, recebi 15 por cento das acções do BKI. Mas [Jean-Claude e José Filomeno dos Santos] disseram-me que as acções não poderiam estar em meu nome. Então, indiquei o Sérgio [Ferreira Mata da Costa], com quem tenho uma ligação familiar. Foi o que aconteceu”, explica. Como forma de garantir o acesso à sua quota, Marcel Kruse diz ter um contrato-promessa com Sérgio Mata e uma procuração irrevogável da parte deste.
O gestor suíço confirma que, até à data, Sérgio Costa se mantém como accionista do Banco. “Ninguém me quis ajudar neste processo, nem o banco. Várias vezes pedi para resolver essa situação, sem sucesso. Também propus vender a minha quota, mas o accionista maioritário não queria e dizia que eu não podia vender a qualquer um. Estou preso numa situação estúpida. Há muito que me quero livrar dessa situação”, acrescenta Marcel Kruse, que revela ainda nunca ter recebido quaisquer dividendos desde a criação do banco, em 2008.
O gestor, actual membro não executivo do BKI, informa que tem participado, praticamente às escuras, nas reuniões do conselho de administração, seis vezes por ano. “Quase não recebo documentos para as reuniões. Às vezes recebo um balanço. Há muito pouca informação disponibilizada. São o presidente do Conselho de Administração e os dois membros executivos que têm tudo na mão”, conta.
Segundo Marcel Kruse, a 28 de Dezembro passado, o suíço Gerard Bessier – um dos dois administradores executivos – pediu a demissão a partir do seu país, onde se encontrava desde que soube da detenção do seu amigo JCBM. Assim, de momento, o banco conta apenas com o presidente do Conselho de Administração, Adriano de Carvalho Júnior, e um administrador executivo, Sandro Celso de Morais Miguel.
Este portal revela, em exclusivo, o modo como o BKI tem agido de forma fraudulenta e sem incómodos.
Contactado pelo Maka Angola, o cidadão suíço Marcel Kruse, antigo presidente do Conselho de Administração do BKI, abre o jogo.
Sem rodeios, Marcel Kruse confirma que a carteira de clientes do BKI é quase exclusivamente constituída por empresas de Jean-Claude Bastos de Morais. “Ele proibiu-nos de angariar outros clientes”, denuncia.
Em relação aos cinco por cento das acções obtidas pelo actual PCA Adriano de Carvalho Júnior, o segundo sócio do banco revela-se incrédulo. “Ninguém sabe como o Adriano agora tem cinco por cento da quota do banco. Isso aconteceu? Não sei.”
“Estive presente na assembleia-geral via Skype. Decidimos sobre o aumento de capital por integração de reservas. Para fazer essa operação, era necessária uma auditoria. A Deloitte fez essa auditoria, mas eu, representando o segundo maior capital do banco e como administrador do Conselho de Administração, não tive acesso à mesma”, confessa.
Obviamente, este impedimento do acesso à informação é ilegal, violando os direitos à informação conferidos aos accionistas pelos artigos 320º e seguintes da Lei das Sociedades Comerciais, bem como coarctando o administrador de exercer as suas funções nos termos do artigo 425.º da mesma Lei. E o resultado de tal impedimento de acesso à auditoria deveria ter sido a instauração de um inquérito judicial aos administradores responsáveis, com a sua eventual exoneração. Por sua vez, o Banco Nacional de Angola deveria ter sido informado da mesma auditoria, caso se verificassem os termos do artigo 96.º da Lei de Bases das Instituições Financeiras.
“A verdade é que estamos a falar de resultados do passado [integração de reservas]. Esses resultados, em empresas mal ou falsamente auditadas, podem nem existir. Ou podem ter sido gastos de outras formas, embora a sua inscrição esteja ainda registada nos balanços”, esclarece o jurista Rui Verde.
De acordo com o analista jurídico do Maka Angola, “na realidade, haveria que conferir onde se encontram fisicamente essas reservas: em depósitos bancários? Em activos adquiridos? Noutros locais? É que poderemos estar a falar de valores fictícios, apenas existentes no balanço”.
Perante estas revelações, a decisão, tomada pelo BNA, de autorizar o aumento de capital do BKI levanta várias interrogações sobre a coerência das acções do governo e do BNA em nome do Estado.
“Comichões” sem crédito
Há um outro elemento preocupante a esclarecer. O Banco Kwanza Investimentos S.A. é um banco de investimento, que recebe comissões e não concede crédito. É um prestador de serviços. Este banco tem gerido fundos do Estado e tem servido como veículo e lavandaria do saque de grande parte desses fundos.
O Maka Angola tem denunciado, com regularidade, o modo de funcionamento do BKI a esse nível.
Neste portal, denunciámos que, a 22 de Janeiro de 2015, o Fundo Soberano de Angola “transferiu o equivalente a 100 milhões de dólares para uma empresa fictícia, a Kijinga S.A., sediada no Banco Kwanza Invest, e para a sua conta domiciliada no mesmo banco”.
Passados dez dias, a 3 de Fevereiro de 2015, a Kijinga S.A. transferiu esses 100 milhões de dólares recebidos para duas empresas-fantasma: a Ulussu S.A. recebeu 88 milhões, enquanto a Kabasa S.A. encaixou os restantes 12 milhões de dólares.
Como notámos, “as três empresas – Kijinga S.A, Ulussu e Kabasa S.A. – foram constituídas no mesmo dia, a 4 de Dezembro de 2012, e todas sediadas no endereço do Banco Kwanza Invest, na Avenida Comandante Gika, nº 150”.
Na altura, o Fundo Soberano (FSDEA), sob a liderança de José Filomeno dos Santos, apressou-se a justificar que a Kijinga S.A era uma empresa sua. Não imaginava que o Maka Angola acederia também às transferências feitas para a Ulussu e Kabasa, empresas criadas por e de Jean-Claude Bastos de Morais.
Aos 100 milhões de dólares, acrescem mais 180 milhões de dólares que o Fundo Soberano pagou à Caioporto S.A., conforme anúncio oficial de 30 de Janeiro de 2017. A Caioporto S.A. é mais uma empresa-fantasma criada por Jean-Claude Bastos de Morais, a 16 de Outubro de 2011, e detida exclusivamente por si, com 99,9 por cento das acções. A sede da Caioporto é no mesmo endereço do BKI e das empresas acima mencionadas. O FSDEA pagava tal valor para deter 50 por cento desta empresa fictícia, a quem José Eduardo dos Santos entregara a concessão do futuro Porto de Caio, em Cabinda.
Com José Eduardo dos Santos no comando, os contratos e o dinheiro caíam no endereço do BKI, de forma alucinante. Era a farra. Por via do decreto presidencial n.º 25/17, de 2017, José Eduardo dos Santos atribuiu à Vavita Power S.A, outra vigarice de Jean-Claude sediada no BKI, a concessão para a “construção, operação e transmissão para instalação da Central Termoeléctrica BI-Combustível de 100 Megawatts” em Cabinda. O valor ultrapassava os 200 milhões de dólares.
Todas estas operações são suspeitas e contêm fortes indícios de constituírem práticas de crimes de branqueamento de capitais por Pessoas Expostas Politicamente, que neste momento estão presas preventivamente sob a suspeita da prática de vários crimes. O que aqui se afigura é que o Banco foi conivente e instrumental na lavagem de vários dos proventos que terão sido obtidos ilicitamente.
Operações estranhas
Mas o mais estranho é o tipo de operações que o BKI desenvolve. Em 2015 e 2016, não concedeu praticamente qualquer crédito a clientes, apenas “adiantamentos a depositantes”.
A restante actividade bancária parece exígua ou inexistente. O Banco aparenta viver de aplicações em títulos e valores mobiliários e de operações cambiais. Isto é, de investimento em obrigações e acções e trocas de moeda estrangeira.
Por outro lado, o Banco só tem depósitos à ordem. Destes, 25 por cento correspondiam a depósitos do FACRA, entidade estatal que resolveu entregar ao Banco o seu dinheiro. Mas – surpresa – quem é que efectivamente geria o FACRA? Jean-Claude Bastos de Morais. E há mais. Aparentemente, o Banco tinha investido esse dinheiro em obrigações subordinadas do próprio Banco, que agora terão vencido, voltando o dinheiro para um depósito à ordem, a ganhar zero de juros.
Há dias, o Banco Nacional de Angola fez manchetes por ter revogado as licenças de dois bancos ligados à família Dos Santos. O Banco Postal, encabeçado por Danilo dos Santos, e o Banco Mais, um derivativo da empresa Financial Mais, que José Filomeno dos Santos e o seu sócio Jorge Pontes usaram para literalmente roubar 500 milhões de dólares do BNA.
O BKI deve ser o terceiro banco a ser encerrado, sem delongas, por fraude. Na verdade, a sua actividade parece limitar-se a servir de veículo de branqueamento dos capitais de Zenú e Jean-Claude Bastos de Morais.
Adriano Carvalho, actual presidente do Conselho de Administração do BKI, responde às nossas questões:
QUESTÃO 1: Como e a quem adquiriu as acções que detém no BKI? Tem os meios de pagamento que provem o pagamento?
R: As acções a que faz referência, representando aproximadamente 4,8% do capital social do Banco Kwanza Investimentos, S.A. foram adquiridas em 2018 ao accionista Jean Claude Bastos de Morais, contra um crédito, a liquidar por mim durante os próximos três exercícios. Saliento ainda que estas acções fazem parte do meu pacote remuneratório e que este incluía, como prémio de gestão, a referida compra. O processo de compra e registo das mesmas decorreu com total transparência e foi devidamente comunicado, acompanhado e autorizado pelo Banco Nacional de Angola (BNA), cumprindo assim com o estabelecido na Lei e demais regulamentação específica do Regulador.
QUESTÃO 2: Leu o parecer da Deloitte que antecedeu o presente aumento de capital? Confirma a existência real de reservas e resultados transitados?
R: Naturalmente que, como parte integrante da gestão do Banco, li e entendi o parecer da Deloitte a que faz referência, que, de facto, confirma a existência de capital, reservas e resultados transitados num montante que, no agregado, é suficiente e está em conformidade com as exigências da Lei para cumprir com o capital social mínimo exigido aos Bancos, nos termos do Aviso nº 02/2018, de 02 de Março.
QUESTÃO 3: Por que razão o BKI não tem clientes além de Jean-Claude e as suas empresas?
R: Por um princípio de sigilo bancário a que está obrigado, o Banco não comenta a identidade e a substância das suas relações com os seus clientes, sejam quem forem. Recordo ainda que toda a actividade da Instituição é do conhecimento e acompanhada em permanência pelo Regulador e Órgãos de Supervisão, para assegurar o cumprimento cabal de todos os normativos e demais legislação em vigor neste sector.
QUESTÃO 4: Como justifica a existência de um banco cuja única actividade é o branqueamento de capitais de JCBM?
R: O Banco rejeita categoricamente a caracterização feita no que respeita a sua actividade e vem recordar que a mesma é cuidadosamente monitorizada pelas autoridades competentes, nomeadamente, o Banco Nacional de Angola e a Unidade de Informação Financeira, a quem cabe assegurar a conformidade das operações de todas as instituições financeiras que operam em Angola, no que concerne à prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento ao terrorismo, de acordo com normativos e procedimentos específicos a que, todos os operadores do sistema financeiro angolano estão obrigados, sem excepção, os quais o BKI também adoptou e cumpre escrupulosamente.