Lourenço, Aviões, FMI e Gaviões na TAAG

A vida e a história têm ironias extraordinárias que valem mais do que mil palavras. No caso de João Lourenço são os aviões que têm contraditado, com uma frequência irritante, os seus discursos sobre transparência e combate à corrupção.

Houve a fábula da Air Connection Express, uma nova companhia de aviação cujos sócios incluíam Frederico Cardoso ministro de Estado e chefe da Casa Civil do PR; Pedro Sebastião, ministro de Estado e chefe da Casa de Segurança do PR; João Sequeira Lourenço, adjunto do chefe da Casa de Segurança e irmão de João Lourenço.

Este foi um dos primeiros grandes esquemas de corrupção a surgir na época de Lourenço (no início de 2018). Em plena entrevista à Euronews, em Maio de 2018, o Presidente João Lourenço abateu o esquema, ganhando nessa altura muitos pontos pela sua actuação rápida.

Depois houve o passo em falso do aluguer milionário de um avião luxuoso para o primeiro périplo presidencial à Europa, tendo Lourenço passado por França, onde falou à Euronews. Também aí, aparentemente Lourenço depressa emendou a mão (ver aqui e aqui).

Contudo, os homens dos esquemas não desistem e agora aparece uma nova história que poderia ter tido consequências mais graves, e definitivamente tenderá a abalar a reputação João Lourenço enquanto presidente empenhado no combate à impunidade e à corrupção. Parte dos factos já são públicos, mas faltava conhecer as manobras dos bastidores, reveladas pelas nossas fontes.

Por despacho presidencial de 9 de Abril de 2019 (Despacho Presidencial n.º 52/19), João Lourenço revoga o despacho por si exarado a 14 de Janeiro, com o n.º 12/19. Nesse despacho do início do ano, o presidente da República tinha autorizado os ministros das Finanças e dos Transportes, bem como a companhia aérea nacional TAAG, a negociaram a compra de vários aviões (pelo menos 14) às empresas Boeing e Bombardier, bem como a montar a operação de financiamento. Esses aviões destinavam-se a renovar a frota da TAAG.

Agora, nem três meses passados, João Lourenço revoga a sua ordem anterior. Obviamente, esta reviravolta causou grande perplexidade. Em Janeiro, o presidente autoriza um negócio de centenas de milhões de dólares para a compra de aviões… em Abril, cancela esse mesmo negócio.

Esse cancelamento surgiu depois da visita da missão do FMI (Fundo Monetário Internacional) a Luanda, em finais de Março de 2019. A referida missão partiu de forma abrupta sem emitir um comunicado final. Seguiu-se, então, uma veloz deslocação governamental a Washington, liderada pelo ministro das Finanças, Archer Mangueira.

Ora, segundo conta o Novo Jornal (edição de 12 de Abril de 2019, p. 28) – que as nossas fontes corroboram –, uma das razões que levaram à partida abrupta da missão do FMI e à correria para Washington foi este negócio dos aviões. O FMI achava perfeitamente disparatado e imprudente gastar milhões de dólares num negócio não essencial para o desenvolvimento económico de Angola e para a adequada correcção dos desequilíbrios macroeconómicos enfrentados pelo país. E, nessa medida, com os poderes fácticos quase soberanos que o FMI detém quando intervém num país, obrigou o governo a cancelar essa compra. Foi isso que originou o despacho revogatório de João Lourenço.

Há um primeiro problema, Angola já pagou um por cento do valor total do negócio. Será possível recuperar esse dinheiro? Possivelmente será muito difícil. Mas esta não é a questão primordial. Essencial é perceber como se chegou a uma situação em que João Lourenço tem de “dar o dito por não dito” e arriscar-se a “deitar para o lixo” vários milhões de dólares.

A resposta é óbvia. Continuam a ser os mesmos aventureiros de sempre, entre os quais o ministro Archer Mangueira, quem comanda os destinos do país. Consequentemente, a habitual tendência para a rapina e os esquemas não mudou. Na verdade, só quando João Lourenço demonstrar que não foi capturado pela camarilha do costume se poderá acreditar verdadeiramente no combate à corrupção. Por ora, é vê-lo rodeado de incontáveis “marimbondos”.

Archer Mangueira

Em termos técnicos, a história é sofisticada. Em Janeiro de 2019, segundo determinação presidencial, a TAAG precisava de aviões novos e decidiu comprar pelo menos os 14 novos Boeing. Ao mesmo tempo, anunciava-se a privatização da TAAG.

Em Novembro de 2018, Lourenço tinha aprovado a transformação da TAAG em sociedade anónima, o primeiro passo para a sua privatização. Depois, seriam comprados os aviões. A companhia aérea ficaria com uma frota nova, moderna e de luxo. A privatização, segundo o ministro dos Transportes Ricardo Viegas D’Abreu, ocorreria ainda em 2019, tendo sido antecipada de 2021, que era o plano inicial. A privatização seria parcial, abrangendo 40% do capital social.

Paremos para pensar. O Estado decide privatizar a empresa. Primeiro, seria em 2021. Depois, face “à dinâmica da renovação da frota”, como confirma (ingenuamente?) o ministro dos Transportes, Ricardo Viegas D’Abreu, antecipa essa privatização para 2019.

Isto é, depois de, em Janeiro de 2019, o presidente João Lourenço ter aprovado o gasto de milhões pertencentes ao Estado angolano para comprar aviões novos, a privatização acelera. O que se deduz? Que os privados entrariam na TAAG beneficiando da novíssima frota comprada pelo Estado. Habitualmente, é ao contrário. Os privados entram nas companhias estatais para as renovar e libertar o Estado de ónus. Em Angola, o Estado renova e oferece aos privados.

Segundo as nossas fontes, na primeira versão seria o Fundo Soberano a entrar como sócio da TAAG, assim financiando a compra dos aviões. Mas esta versão foi abandonada. Na segunda versão, que estava em cima da mesa quando o FMI chegou, o Fundo Soberano simplesmente financiaria a compra dos aviões. Não entraria como sócio, mas financiaria.

Aqui entra o acordo feito com Jean-Claude Bastos de Morais, o qual levou à sua libertação. Afirmam as nossas fontes que o dinheiro devolvido por Jean-Claude já tinha como destino a Boeing e a Bombardier. Jean-Claude retornava o dinheiro, e parte dele seguiria para financiar a compra dos aviões. Feito este negócio, existiria o segundo negócio: a privatização da TAAG. Novos accionistas entrariam na companhia e usufruiriam dos aviões novinhos em folha. Quem seriam esses novos accionistas privilegiados com a “oferta” de aviões novos?

Estamos perante indícios de um esquema de enriquecimento por parte dos habituais salteadores dos cofres do Estado e, eventualmente, mais alguns convidados deste banquete do saque tão denunciado pelo próprio João Lourenço.

Além deste esquema, existem outras questões que sempre se colocam. Porque não é feito um leasing financeiro para a compra de aviões? Angola não tem ainda crédito? Nesse caso, faria melhor em recuperar credibilidade e garantir crédito para fazer estas operações, e não embarcar em geometrias mirabolantes. Um segundo aspecto a considerar é os milhões que mais uma vez terão sido gastos com consultores, intermediários e demais oportunistas que surgem nestas negociatas. Angola não está sujeita a nenhuma maldição que a condene a ser pasto dos corruptos, mas tem de haver força real para acabar com eles. Mandá-los embora. A equipa económica já há muito deveria ter levado o cartão vermelho por estes vícios. Pelos vistos, cabe agradecer ao FMI ter dito claramente que se ia embora de Angola se este negócio não fosse anulado, assim privilegiando aquilo que ainda queremos acreditar ser a prioridade de João Lourenço: combater a corrupção. 9cc1bb05

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