O Esquema do BESA Desmontado em Tribunal

Corre, no Tribunal Provincial de Luanda, um litígio entre representantes do antigo Banco Espírito Santo (BES – Portugal) e o Banco Nacional de Angola (BNA), sob Processo n.º 405/2014, por causa do golpe dado ao Banco Espírito Santo Angola (BESA), em 2014, pelo triunvirato que, a par de José Eduardo dos Santos, então mandava em Angola.

Recentemente, o Maka Angola contou a história de como esse “trio presidencial” – Manuel Vicente, general Manuel Hélder Vieira Dias Júnior “Kopelipa” e general Leopoldino Fragoso do Nascimento “Dino” – tomou de assalto o BESA (através de um golpe que envolveu várias manobras político-jurídicas e contou com a intervenção de órgãos do Estado angolano, ver aqui e aqui. Hoje, este banco continua a operar com o nome de Banco Económico.

É sabido que o momento-chave dessa apropriação foi uma assembleia-geral do BESA ocorrida em 28 de Outubro de 2014.

Nessa assembleia, em que se conluiaram o BNA e os referidos dirigentes angolanos, na altura representados pelo general Dino, o BES, que detinha 55,7% do capital do BESA, viu a sua participação reduzida a zero. E empresas ligadas a José Eduardo dos Santos e seus apaniguados tomaram conta do Banco, designadamente, a Geni SA, a Lektron Capital SA e a Sonangol.

Os instrumentos jurídicos que estiveram na base destas deliberações são de dois tipos. Por um lado, houve uma deliberação do BNA que supostamente impôs determinados comportamentos aos antigos accionistas do BESA; por outro lado, houve umaa deliberação dos accionistas do BESA que confirmou ou adoptou as orientações do BNA.

O BNA é o supervisor dos bancos angolanos e tem vários poderes sobre eles. Em 20 de Outubro de 2014, o Conselho de Administração do BNA tomou uma deliberação sobre o BESA. Essa deliberação implicava determinados movimentos do capital do banco, que no essencial reduziam o capital existente, para o aumentar de seguida.

Por sua vez, a 22 de Outubro de 2014, o BES (de Portugal, então accionista maioritário do BESA), recebeu um e-mail com uma convocatória para uma assembleia onde se iam adoptar as medidas decididas pelo BNA.

Essa assembleia ocorreu a 28 de Outubro do mesmo ano.

O facto pitoresco é que a representante do BES (Portugal) foi impedida de participar na assembleia por uma operação stop da polícia. Quando finalmente chegou à reunião, proibiram-na de entrar, pois o capital do BES já tinha sido reduzido a zero.

Quem não queira enveredar pelos meandros do direito, vê uma coisa clara nesta operação: o BNA e os homens do presidente arranjaram um esquema para tirar o BESA ao BES e ficar com ele. Desse esquema fizeram parte deliberações do BNA, uma deliberação da assembleia-geral do BESA e uma operação stop da polícia que impediu que o accionista maioritário votasse contra a sua redução a zero…

Nesta medida, entendemos que estamos perante um caso político, mais do que jurídico, o qual deveria ser resolvido com uma intervenção política.

Em termos jurídicos, é um caso que fará as delícias dos advogados, porque tem duas vertentes muito distintas, e que se podem atrapalhar mutuamente. A vertente do direito comercial e a vertente do direito administrativo.

A questão que se coloca é a de saber qual a decisão fundamental e imperativa, se a do BNA, se a subsequente dos accionistas do BESSA. Qual tem mais peso? Foi a decisão do BNA que impôs um comportamento aos accionistas do BESA? E estes não teriam outro remédio senão acatar as deliberações do BNA?

Este é o problema actualmente em discussão no Processo n.º 405/2014, recurso contencioso de anulação de acto administrativo. Neste processo, o BES (Portugal) pretende anular com fundamento em ilegalidade a deliberação do Conselho de Administração do BNA referente às movimentações do capital social do BESA tomada em 20 de Outubro de 2014. O seu raciocínio básico é que o BNA não tinha poderes constitucionais e legais para intervir no BESA como interveio, e que o fez de forma ilícita, sendo os seus actos anuláveis.

Contudo, pode-se considerar que o acto fundamental foi a deliberação dos accionistas em assembleia-geral de 28 de Outubro de 2014, e não a decisão do BNA. Tal implica que, mesmo que se anule o acto do BNA, fique em vigor a deliberação da assembleia.

É uma “pescadinha de rabo na boca”. Poderemos dizer que o BNA não tinha poderes para determinar a vontade dos accionistas do BESA, e anular a sua decisão, embora se mantenha a decisão dos accionistas. Foi por isso que o BES também propôs uma acção de anulação das deliberações sociais, visando a própria assembleia-geral do Banco.

Portanto, temos dois processos que se referem a duas tomadas de decisões, uma do BNA, outra dos accionistas do BESA, uma do foro administrativo, outra do foro comercial.

Mas só no final de dois processos, em caso de vitória do BES, se conseguirá anular e afastar as decisões relativas ao BESA. A actuação concertada entre o BNA e os homens do presidente foi muito bem concebida, pois criou um duplo muro decisório de difícil ablação: uma deliberação do Conselho de Administração do BNA acrescida de uma deliberação da assembleia-geral do BESA. O juiz pode anular a primeira, mas ainda restará a segunda. Pode anular a segunda, mas restará a primeira. Só anulando as duas, em dois processos diferentes, se conseguiria reverter o esquema descrito.

Este caso BESA é um caso exemplar no que toca a demonstrar de que modo um grupo de pessoas privadas pode utilizar os órgãos de Estado para assaltar um banco e assumir a sua propriedade. Essa utilização do público pelo individual é potenciada pela extraordinária capacidade dos predadores do poder para gerarem uma tal confusão e medo, que a justiça não veja um palmo à sua frente.

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