Os Falsos Lucros no Fundo Soberano
É óbvio que José Eduardo dos Santos, o anterior presidente, rodeou o seu sucessor de um “anel de ferro” que o inibe de exercer os seus poderes na plenitude, podendo rapidamente tornar-se no presidente das ambulâncias, isto é, só fica a mandar nas ambulâncias avariadas do país, e nada mais. Na realidade, Dos Santos procedeu a uma revisão constitucional “de facto”, ainda que não de direito (pois não teria a maioria suficiente dentro do seu MPLA), que teve como objectivo principal diminuir os poderes imperiais da Presidência da República e proteger os interesses económicos dos seus filhos.
O Maka Angola já escreveu sobre os passos astutos dados por Isabel dos Santos na Sonangol.
Hoje vamos ver a situação do Fundo Soberano de Angola, liderado por outro filho do antigo presidente, José Filomeno dos Santos.
O Fundo Soberano é o exemplo típico de uma boa ideia que se transformou num aborto, devido a uma gestão incompetente. Dotado de um capital de cinco biliões de dólares, apresentou prejuízos durante anos. Em 2013, somou mais de 26 milhões de dólares de prejuízos. Em 2014, foram 154 milhões de dólares de prejuízos. Em 2015, 134 milhões de dólares de prejuízos. Portanto, em três anos o Fundo Soberano acumulou mais de 300 milhões de dólares de prejuízos.
Nessa mesma altura, o índice Dow Jones, da bolsa de Nova Iorque, subiu de 13.412,55 em 2 de Janeiro de 2013 para 17.603,87 em 30 de Dezembro de 2015. Logo, uma subida nominal de 4.191,32, correspondendo a uma percentagem de 31,2 face à base. Esta é a principal Bolsa de Valores do Mundo. Mas, se atentarmos ao índice FTSE (bolsa de Londres), cujo comportamento durante a mesma época foi mais desanimador, em 2 de Janeiro de 2013 esse índice estava nos 6.027,37 enquanto no último dia de Dezembro de 2015 alcançava os 6.242,32. Embora com valores menores, mesmo assim este índice também registou subidas, e ao longo do período arribou-se a valores na ordem dos 7.000,00 pontos. Poderíamos continuar a descrever o comportamento das bolsas mundiais para percebermos que a questão nunca é o facto de se ter prejuízos, mas sim a percentagem de lucro que se consegue alcançar. Quem tivesse investido em Nova Iorque teria obtido lucros avultados. Quem tivesse investido em Londres não teria alcançado tantos lucros. Mas nem num caso nem noutro se registariam prejuízos.
Obviamente, nem todo o investimento é feito nas bolsas mais avançadas, devendo ser dividido por várias áreas. Mas a realidade é que as bolsas de acções representam os locais onde se corre maior risco, portanto, outros investimentos deveriam ter um retorno mais baixo, mas mais seguro.
Por tudo isto, não se percebe, então, como é que o Fundo Soberano de Angola perdeu mais de 300 milhões de dólares em três anos. Embora efectivamente não se saiba onde foi aplicado o dinheiro do Fundo. Aquilo de que se tem conhecimento são aplicações em empresas de Jean-Claude Bastos de Morais (amigo de Zenú e gestor do Fundo) e em fundações por si dirigidas ou por sua mulher, Manuela Ganga, e também movimentos financeiros que passam pelo seu banco privado. Nestes termos, face à informação disponível, o Fundo Soberano tem servido para desenvolver empresas e projectos de Jean-Claude Bastos de Morais.
Contudo, por “milagre”, a situação deficitária do Fundo altera-se em Setembro de 2017. Depois das eleições presidenciais, o Fundo anuncia que teve “lucros” de 44 milhões de dólares. Contudo, estes “lucros” são uma brincadeira contabilística e apenas servem para pressionar o novo presidente João Lourenço. José Filomeno dos Santos “inventa” um lucro para impedir que o presidente não o reconduza por incompetência.
Vejamos como se fabrica o “lucro”. Os 44 milhões derivam, como muito bem escreve Carlos Rosado de Carvalho na Expansão, da “contabilização de mais-valias potenciais de 90 milhões de USD”. E nestas “mais-valias” entra o famoso investimento no Porto do Caio. O Fundo entrou com 180 milhões de USD na empresa concessionária do Porto do Caio, detida por Jean-Claude Bastos de Morais, que também detém a Quantum Global que gere os activos do Fundo Soberano.
Acontece que esses 180 milhões de USD estão agora avaliados em 385 milhões de USD. E não se sabe porquê e em quanto tempo uma participação de 180 milhões passou a valer 385 milhões. Poderia ser assim, ou ao contrário! Poderia valer 180, 200, 240, 256, 300. O que fosse. Quais são os critérios para tal reavaliação? Aliás, o auditor do Fundo, a empresa Deloitte, alerta para a vacuidade de tal reavaliação. Não há fundamento tangível para tal, nem sequer é conhecido ou está publicado.
Assim sendo, facilmente se vê que o lucro de 44 milhões do Fundo é “inventado”, e que corresponde a algo que pode ou não acontecer no futuro. O importante é perceber a razão dessa “invenção”. É simples: condicionar João Lourenço. Dizer-lhe que tem de reconduzir Zenú, que finalmente colocou o Fundo Soberano a dar lucro… Afinal, não há lucro nenhum, apenas uma habilidade contabilística devidamente anotada pelo auditor.
João Lourenço tem aqui o seu “teste de algodão”, que pode usar demonstrar se efectivamente fala a sério quando diz querer acabar com a corrupção e garantir o uso eficiente dos fundos públicos. O mandato de Zenú termina em 25 de Agosto de 2018. Basta anunciar a sua não recondução e preparar a substituição. É muito simples. Desde 2013, Zenú acumulou 300 milhões de dólares em prejuízos. Em 2016 inventou um lucro de 44 milhões (apenas 0,88 porcento do capital, situação em que mais compensava ter o dinheiro depositado no banco…), que não é real. Face a isto, a incompetência do filho de José Eduardo dos Santos é notória. Agora, cabe a João Lourenço mostrar a sua fibra, ou então explicar que, afinal, ele e a sua família estão associados a Zenú e a Jean-Claude Bastos de Morais nos diferentes negócios, assim se assumindo como cúmplice de toda a situação… Está nas mãos do novo presidente da República dar o sinal claro do que pretende.