A Declaração de Rendimentos de Isabel dos Santos
Isabel dos Santos foi nomeada pelo seu pai, o presidente José Eduardo dos Santos, a 2 de Junho de 2016, para os cargos de presidente do conselho de administração e, cumulativamente, de administradora não-executiva da petrolífera Sonangol. Embora a sua nomeação esteja a ser objecto de uma providência cautelar para suspensão do acto (de nomeação) junto do Tribunal Supremo, movido por um grupo de 12 juristas angolanos, manda a lei que, 30 dias após a tomada de posse, ela e todos os outros gestores nomeados apresentem as declarações de rendimentos e património ao procurador-geral da República.
Porém, cinco meses depois, segundo fonte judicial da Procuradoria-Geral da República (PGR), nem Isabel dos Santos, nem os restantes membros do conselho de administração entregaram as respectivas declarações de bens e património. Contactado por Maka Angola, o gabinete do procurador-geral da República recusou-se a comentar sobre o assunto.
A obrigatoriedade de Isabel dos Santos apresentar a declaração de rendimentos e património consta de uma lei de 2010. Trata-se da Lei da Probidade Pública, Lei n.º 3/10, de 29 de Março, coincidentemente, o mesmo diploma legal que impede o presidente da República de nomear a sua filha para a referida função, devido a conflito de interesses. Isabel dos Santos tem vários negócios com a Sonangol e grande parte da sua riqueza foi construída com o suporte da petrolífera nacional.
De acordo com o artigo 27º, n.º 1, deste diploma, “o exercício de funções públicas está sujeito à declaração dos direitos, rendimentos, títulos, acções ou de qualquer outra espécie de bens e valores, localizados no País ou no estrangeiro (…)”.
O Maka Angola contactou o gabinete de comunicação e imagem da Sonangol para obter uma resposta oficial sobre a entrega das referidas declarações junto da PGR. O director, Mateus Cristóvão, limitou-se a declarar: “Se houver resposta, vamos responder pela mesma via – por e-mail. Se não respondemos é porque não há resposta.”
“Por não ter apresentado até agora a declaração de bens, se fosse aplicada a lei, a engenheira Isabel dos Santos e os restantes membros do conselho de administração da Sonangol seriam punidos com a destituição do cargo”, afirmou um magistrado do Ministério Público.
E acrescentou: “Não me parece que ela Isabel dos Santos não tenha apresentado a sua declaração de bens por mero desconhecimento da lei, uma vez que a engenheira Isabel é assessorada por um dos mais reputados escritórios de advogados portugueses Vieira de Almeida Sociedade de Advogados.”
O argumento de que a recusa em declarar os seus rendimentos deveria ser punida com a perda de mandato, defendido pela fonte do Maka Angola, está contemplado no n.º 4 do artigo 27.º da Lei da Probidade. Aqui se prescreve, sem contemplações, a punição com pena de demissão ou destituição do agente público que não entregue a declaração no prazo estipulado por lei (30 dias). Poderíamos argumentar que, face à letra da lei, Isabel se encontra demitida do seu posto na Sonangol desde o dia 7 de Julho de 2016, quando decorreram os 30 dias após a tomada de posse, a qual ocorreu, como é público, em 6 de Junho de 2016.
A própria PGR se encontra desacreditada. Quem deveria zelar pela legalidade quase nada ou nada pode fazer, devido à imoralidade do seu titular, general João Maria de Sousa, envolvido em constantes actos de corrupção e de conflito com a lei.
José Eduardo dos Santos foi o primeiro a violar a lei
Aquando da sua aprovação, os juristas ao serviço do regime de Luanda — com particular realce para Carlos Maria Feijó, ex-assessor do PR, ex-ministro de Estado e da Casa Civil do PR, ex-vice-ministro para Administração Pública, ex-secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, ex-assessor do PR para os Assuntos Regionais e Locais, ou seja, ex-quase tudo — apregoaram que se tratava de um diploma cujo objectivo era reforçar os mecanismos de combate à cultura da corrupção, de forma a garantir o prestígio do Estado e das suas instituições públicas.
Na altura, o procurador-geral adjunto da República, Luís de Assunção Pedro da Mota Liz, chegou mesmo a afirmar, durante uma palestra dedicada a esse diploma legal, que “a lei reflecte a vontade e o esforço do Estado angolano em moralizar o exercício das funções públicas e combater a corrupção”.
As afirmações do magistrado levantam, no mínimo, duas perguntas incontornáveis: é possível que um sistema baseado na corrupção e no desrespeito total da legislação encete um combate contra si próprio? Outrossim, é a lei que deve reflectir a vontade de um regime em combater a corrupção, ou devem antes ser os actos das instituições a lutar contra este “fenómeno”?
A não apresentação da declaração de rendimentos e património por parte de Isabel dos Santos, bem como dos demais integrantes do conselho de administração da maior empresa pública do país, é apenas um pequeno exemplo de como as leis em Angola são desrespeitadas e somente aplicadas para servir os interesses da cleptocracia.
O próprio José Eduardo dos Santos, presidente da República, na qualidade de titular do poder executivo, foi o primeiro e continua a violar este diploma no que tange a declaração dos seus rendimentos e património. Os juristas do regime dizem que José Eduardo dos Santos não é abrangido pela Lei da Probidade Pública, porquanto não é “membro do Executivo”, mas sim chefe do Executivo. Ora, como é possível chefiar uma organização/instituição não sendo membro dessa organização? Sugerimos mesmo que, atendendo ao modelo constitucional adoptado, José Eduardo é o Executivo, enquanto os ministros são apenas auxiliares, os ministros não têm poderes próprios, nem deveres próprios, toda a sua actividade deriva do titular do poder executivo. Tecnicamente, este é portanto o único membro do Executivo, os restantes apenas o são por delegação.
Acresce que a alínea a) do artigo 27º da Lei da Probidade Pública é clara: devem declarar os seus rendimentos os “titulares de cargos políticos providos por eleição ou por nomeação”. Traduzindo por miúdos, sendo a função de titular do poder executivo um cargo político, e provido por eleição, não restam dúvidas de que José Eduardo dos Santos está em conflito com a lei. Se lhe fosse aplicada esta mesma lei, seria necessariamente destituído do cargo.