O Pacifismo que Levou os 15 à Cadeia por Rebelião

O livro do académico angolano Domingos da Cruz, um dos presos de consciência detido desde Junho em Luanda, e organizador dos debates políticos que deram origem às prisões, defende o uso de acções pacíficas contra o totalitarismo.

A agência Lusa teve acesso ao manuscrito do livro “Ferramentas para Destruir o Ditador e Evitar Nova Ditadura – Filosofia Política da Libertação para Angola”, de Domingos da Cruz que estrutura o trabalho, sobretudo, a partir das ideias defendidas pelo filósofo e académico norte-americano Gene Sharp.

De acordo com o despacho de pronúncia do Tribunal Provincial de Luanda, de 15 de Outubro, os seminários sobre o manuscrito de Domingos da Cruz puseram em causa a segurança do Estado.

“Foi nestes encontros onde os participantes tomaram a decisão de lutar contra o dito ditador, destituir e substituir e substituir, por pessoas da conivência do grupo, os titulares dos órgãos de soberania do Estado angolano e lavrar uma nova Constituição”, refere o despacho judicial sobre as actividades em torno das ideias do livro que o autor vinca serem mecanismos não-violentos.

“Não tenho mérito nenhum sobre as ideias contidas neste livro. Com exceção de alguns capítulos, a maior das ideias são do filósofo norte-americano Gene Sharp, extraídas da sua obra, ‘Da ditadura à democracia'. Se tenho algum mérito, talvez decorrerá do facto de ter adaptado o seu pensamento à realidade angolana”, escreve Domingos da Cruz na nota de introdução do trabalho que pretendia publicar em Angola, antes de ser preso.

No livro, Domingos da Cruz escreve que ‘A Filosofia Política para a Libertação de Angola’ é radicalmente pacífica, fraterna, mas realista e acrescenta que na luta contra a opressão existem três caminhos possíveis: a guerrilha como a de Cabinda; a guerra convencional do tipo que a UNITA levou a cabo e o “desafio político” que é sinónimo de “desobediência civil”.

De acordo com o texto, o “grupo hegemónico e ditador” atingiu um nível de ascensão no controlo da sociedade que o “único caminho” é a via pacífica e uma resistência civilizada ao estilo de Mahatma Gandhi que poderá, sublinha, prolongar-se durante muito tempo.

“Os democratas pacíficos deverão cultivar uma ética de libertação onde a paciência e a inteligência e o planeamento são fundamentais para ir destruindo a ditadura paulatinamente e, no momento exacto, levar a cabo um movimento de grandes massas populares”, escreve o professor universitário.

Domingos Cruz, cita Desmond Tutu, prémio Nobel da paz sul-africano, para reforçar a ideia de que o pior medo de um ditador não são as armas mas sim o desejo de liberdade.

“Pegar em armas levaria à ditadura a agradecer, na medida em que teria legitimidade interna (…) Usar armas demonstra que somos igualmente selvagens como o ditador”, sublinha Domingos da Cruz.

No livro, que nunca foi publicado e cujas ideias eram discutidas pelos jovens de Luanda, o professor angolano refere que Angola esteve sujeita a um passado colonial e depois a uma “colonização interna” que se prolonga no tempo, rejeitando qualquer tipo de violência porque, sublinha “a guerra fortalece a ditadura”.

Para Domingos da Cruz, a sociedade angolana e sobretudo os artistas, a igreja, os empresários, a oposição parlamentar, os órgãos de comunicação, estão “domesticados”.

“Resta-nos desde logo contar única e exclusivamente com as nossas forças coletivas que se podem construir na base da solidariedade, tendo como fator de unidade, a luta pela liberdade, a democracia e a dignidade humana”, defende, referindo-se ao que considera ser a realidade angolana.

O livro de 183 páginas inclui inúmeras citações sobre questões relacionadas com o poder totalitário e ditaduras e uma extensa lista bibliográfica sobre autores que se dedicam a questões relacionadas com processos de democratização ou denúncias de práticas ditatoriais, em todo o mundo.

Ao longo do texto, os autores mais citados são Gandhi, Nelson Mandela, Noam Chomsky ou Étienne de la Boétie e – de forma mais exaustiva – o norte-americano Gene Sharp.

Na parte final do trabalho de Domingos Cruz, são mesmo reproduzidos os “métodos de protestos e persuasão não violentos” de Gene Sharp: as conhecidas 198 medidas de desobediência civil a tomar face a regimes ditatoriais.

O académico angolano, que reforça a ideia de que em estados totalitários o direito “é essencialmente um instrumento dos mais fortes contra os mais fracos”, está detido, acusado de rebelião e tentativa de assassinato do chefe de Estado José Eduardo dos Santos.

O seu julgamento e dos restantes detidos em Junho está previsto começar no dia 16 de novembro.

Entretanto, o ativista angolano Rafael Marques vai difundir o livro na íntegra através da Internet.

 

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