GAFI: Um Fiasco Intencional

Moçambique e o Burquina Faso saíram da “lista cinzenta” do Grupo de Acção Financeira Internacional (GAFI). Angola, não. Angola continua com um estatuto de quase pária na finança internacional. Em Novembro de 2024, o ministro de Estado para a Coordenação Económica de Angola, José de Lima Massano, assegurava, ribombante, que o governo angolano pretendia retirar o país da “lista cinzenta” do GAFI num horizonte temporal curto. Angola tinha acabado de voltar à “lista cinzenta”, numa reviravolta negativa da sua credibilidade. Segundo o mesmo Massano, Angola já superara 70 das 87 deficiências identificadas pelo GAFI em 2023 – portanto, seria fácil regressar à normalidade financeira internacional. Palavras vãs. Um ano depois, Angola continua na “lista cinzenta”, enquanto países como Moçambique, África do Sul, Nigéria e Burquina Faso deixaram de estar sujeitos à supervisão reforçada, por terem implementado reformas substanciais nos seus sistemas de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento […]

Read more

Quanto Valem 30 Mortos

Existe uma corrente intelectual de académicos ligados à oposição em Angola e Moçambique que, do conforto das suas salas de estar, tem defendido que a forma de derrubar os regimes vigentes é provocar incidentes graves que obriguem a uma resposta desproporcional das autoridades, redundando em vários mortos. Esses mortos seriam os mártires da revolução que obrigariam a comunidade internacional a intervir e a afastar os actuais governantes do MPLA e da FRELIMO. Durante vários anos, essa hipótese, felizmente, nunca foi testada, até que, de repente, foi. Em Moçambique, após as eleições de 2024, morreram quase 300 pessoas, fruto da violenta repressão dos protestos pós-eleitorais. Da comunidade internacional pouco se ouviu, e o líder da FRELIMO, Daniel Chapo, mantém-se como presidente e já incorporou Venâncio Mondlane, o candidato que arrebatou as multidões, no Conselho de Estado. Quanto a Angola, em três dias de Julho, não houve 300 mortos, mas sim 30 […]

Read more

Lourenço em Portugal: Pouco ou Nada

Há cerca de um ano (por ocasião do 25 de Abril de 2024), João Lourenço esteve em Portugal e marcou pontos alcançado um grande sucesso com um jantar da comunidade angolana, em que todos, da situação e da oposição, brindaram em uníssono, revelando uma Angola unida e festiva. Agora, um ano depois, em Julho, aconteceu exactamente o contrário em nova visita de João Lourenço a Portugal. Tentando um sucesso, arranjou-se um fiasco. Por alguma razão, resolveu-se promover uma série de manifestações “espontâneas” de apoio a João Lourenço, frente à Assembleia da República portuguesa e ao palácio presidencial em Belém. Correu mal. Os manifestantes apresentaram-se todos vestidos de forma igual, t-shirt, chapeuzinho e bandeirinha, percebendo-se claramente que lhes tinha sido distribuído um kit. Qualquer aparência de aglomeração espontânea e entusiasta despareceu. Ficou um travo de encenação, típica dos regimes autoritários do século XX. Para piorar, André Ventura, líder do Chega, partido […]

Read more

A Pasta de Dentes

Higino Carneiro, depois de admoestado publicamente por João Lourenço, ignorou o presidente do MPLA e anunciou, ribombante, a sua pré-candidatura a presidente do partido. Muito provavelmente, não terá o apoio da maioria dos membros dos vários órgãos do partido – Comité Central, Bureau Político e Secretariado – para ganhar a partida, embora aparentemente conte com bastantes apoios informais. A consequência do avanço de Higino não é a vitória na contenda interna do MPLA, é a disrupção do princípio da autoridade e da legitimidade das decisões do actual presidente. Usando uma imagem simples, é como a pasta que retiramos em demasiada quantidade do tubo quando vamos lavar os dentes: depois de sair do tubo, já não conseguimos fazê-la entrar de volta. Higino Carneiro é a pasta de dentes fora do tubo no MPLA: criou as condições para que os vários membros duvidem da capacidade de João Lourenço para impor a sua […]

Read more

Linhas Gerais de Uma Revisão Constitucional

A Constituição de 2010 não foi uma Constituição feliz. Em primeiro lugar, resultou de uma imposição do partido então largamente maioritário, não obtendo consenso across the aisle (entre ambos os partidos mais relevantes). Em segundo lugar, os ilustres constituintes, ao adoptarem um sistema presidencial próximo do americano, apenas leram uma página do livro – aquela que confere amplos poderes ao presidente –, esquecendo-se da segunda página – aquela que cria vários mecanismos de controlo e fiscalização do presidente. O resultado foi a criação de um sistema em que o presidente é equiparado a um super-homem (ou super-mulher) responsável por tudo, o que corre bem e o que corre mal. No final, este sistema não é sequer bom para o próprio presidente, como se viu com José Eduardo dos Santos, que sucumbiu ao peso do cargo e deixou o Estado descontrolar-se, e agora com João Lourenço. Certamente por ser evidente a […]

Read more

Para além de Biden

Há tantas antecipações, projecções, especulações, análises e contra-análises sobre os efeitos da visita do presidente dos EUA, Joe Biden, a Angola, que não vale a pena adiantar mais uma letra sobre o tema. Depois de a areia assentar se verá o que fica e o que não fica. Mas há um tema que, a propósito da visita de Biden, merece reflexão e em que esta poderia ser estruturalmente útil. Trata-se da educação – mais especificamente, do ensino superior. A revista britânica Times Higher Education (THE) publicou em 2024 a sua lista das melhores universidades da África Subsaariana. No top 10, surgem quatro universidades sul-africanas, duas do Ruanda (4.º e 6.º lugares), duas do Gana (5.º e 9.º lugares), uma do Uganda (8.º lugar) e uma da Somália (7.º lugar). A Nigéria tem 41 entradas na lista, a maior quantidade de qualquer país. A primeira universidade de um país lusófono é […]

Read more

Moçambique: Que Lições?

A crise lançada pelo anúncio dos resultados das eleições ocorridas em Moçambique a 7 de Outubro passado ainda não terminou, mas permite retirar alguns ensinamentos que se poderão aplicar a qualquer país confrontado com uma situação semelhante à deste país. Há quem pretenda fazer uma transposição automática de lições para Angola. Mas é preciso cautela. Se existem pontos em comum – como a colonização portuguesa e a luta contra essa colonização, o domínio de um único partido desde a independência, em 1975, o teor inicialmente marxista desses partidos dominantes, a existência de uma guerra civil e a frustração das expectativas de desenvolvimento rápido, além da captura do Estado por interesses privados –, também há várias diferenças a registar. Em Moçambique, a guerra civil só começou em 1977, dois anos após a independência, e foi manifestamente induzida pelos regimes de minoria branca da Rodésia e da África do Sul. Por sua […]

Read more

O Congresso da Última Oportunidade

Em Dezembro terá lugar o próximo Congresso Extraordinário do MPLA. Este Congresso tem levantado muita polémica legal, pelo facto de alguns considerarem que um Congresso Extraordinário do MPLA tem poderes reduzidos. Não se partilha essa opinião: um Congresso Extraordinário tem as mesmas competências que um Congresso Ordinário, desde que classifique as questões a discutir como “assuntos urgentes e inadiáveis” (artigos 74.º, 75.º e 78.º dos Estatutos do MPLA). Mas esta não é a questão fundamental. A questão fundamental que o próximo Congresso do MPLA coloca não é jurídica, é política. Trata-se da última oportunidade para o MPLA. E tal não se refere às discussões acerca do terceiro mandato ou do início da indicação do novo presidente do partido ou candidato a presidente da República. O cerne não é a escolha de João Lourenço, Nandó, Higino Carneiro, Venâncio ou outros. Essa escolha é importante, mas não é o assunto fundamental. O […]

Read more

Eleições e Fraude: Mondlane não Desiste

A 9 de Outubro passado tiveram lugar as eleições presidenciais e parlamentares em Moçambique. Mesmo para um observador distraído, os resultados oficiais, que deram mais de 70% a Daniel Chapo da FRELIMO, até há dois meses um ilustre desconhecido, afiguram-se absurdos. Venâncio Mondlane, que se anunciou como vencedor das eleições, não aceitou os resultados oficiais e começou um combate determinado para os inverter. Por um lado, está a fomentar uma mobilização activa na rua e nas redes sociais; por outro, vem accionando os instrumentos legais ao seu dispor. O instrumento legal fundamental é o recurso para o tribunal constitucional, que em Moçambique se chama Conselho Constitucional. Foi isso mesmo que fez, a 27 de Outubro, Filipe Acácio Mabamo, o mandatário nacional do PODEMOS, partido que apoia Venâncio Mondlane. As 100 páginas que entregou ao Conselho Constitucional visam contestar os resultados do apuramento nacional das Eleições Presidenciais e Legislativas e das […]

Read more

Os Assassinos de Moçambique

Os assassinos avançam. Operam a lei da bala. A liberdade de expressão leva bala. A paz desmorona-se. A democracia é induzida em coma. Porquê, Moçambique? Porquê, FRELIMO? A lista de assassinatos políticos parece ser a blindagem de um poder contra o povo, que nas ruas grita pela mudança e nas urnas manifesta a sua vontade. Essa lista, escrita a sangue, com os nomes de Elvino Dias, Paulo Guambe (na foto), Anastácio Matavel, Gilles Cistac, Carlos Cardoso, Orlando Muchanga, entre outros anónimos, é o manifesto do medo. É a lista dos mercadores da morte. É o medo de quem não quer perder o privilégio de abusar e procura aterrorizar as vozes da liberdade. É a manifestação de uma espécie de ADN comum a alguns antigos movimentos de libertação, avessos à alternância do poder, incapazes de largar o osso que os torna senhores feudais. São os inimigos da verdade, da justiça e […]

Read more
1 2 3