Eleições e Fraude: Mondlane não Desiste

A 9 de Outubro passado tiveram lugar as eleições presidenciais e parlamentares em Moçambique. Mesmo para um observador distraído, os resultados oficiais, que deram mais de 70% a Daniel Chapo da FRELIMO, até há dois meses um ilustre desconhecido, afiguram-se absurdos. Venâncio Mondlane, que se anunciou como vencedor das eleições, não aceitou os resultados oficiais e começou um combate determinado para os inverter. Por um lado, está a fomentar uma mobilização activa na rua e nas redes sociais; por outro, vem accionando os instrumentos legais ao seu dispor.

O instrumento legal fundamental é o recurso para o tribunal constitucional, que em Moçambique se chama Conselho Constitucional.

Foi isso mesmo que fez, a 27 de Outubro, Filipe Acácio Mabamo, o mandatário nacional do PODEMOS, partido que apoia Venâncio Mondlane. As 100 páginas que entregou ao Conselho Constitucional visam contestar os resultados do apuramento nacional das Eleições Presidenciais e Legislativas e das Assembleias Provinciais anunciados pela Comissão Nacional de Eleições (CNE) no dia 24 de Outubro de 2024, vertidos na Deliberação n.º 105/CNE/2024, de 24 de Outubro.

O recurso tem uma sólida fundamentação jurídica e factual (obviamente, a confirmação dos factos depende da prova apresentada, que o Conselho avaliará), mas o principal aspecto a destacar é a contagem paralela levada a cabo, que, segundo o requerimento do PODEMOS, teve como fundamento material actas e editais obtidos nas mesas de votação.

Aparentemente, foi criada uma estrutura chamada Gabinete de Contagem Paralela do PODEMOS, que, em relação às Eleições Presidenciais, garante ter dados para um universo de 48,20% a 71,7% das mesas de voto, gerando uma média nacional de 59,95%, que considera uma amostra suficiente e credível para estimar os resultados, os quais contradizem os números oficiais.

O recurso apresentado pelo PODEMOS explica, de forma clara, que a razão pela qual o Gabinete de Contagem Paralela não obteve as actas de 100% das mesas se deve a vários constrangimentos impostos pelas autoridades oficiais, a saber:

“a) Roubo de Credenciais de Delegados de Candidatura e recusa da CNE [Comissão Nacional Eleitoral] em passar segunda via, ainda que solicitado;

b) Recusa de emissão de credenciais para Delegados de candidatura;

c) Emissão de credenciais para Delegados de Candidatura com afectação em distritos distintos dos solicitados;

d) Recusa de divulgação do apuramento nas mesas de votação;

e) Recusa de assinatura de actas e editais nas mesas de votação;

f) Alteração deliberada de dados dos apuramentos das mesas de voto (fraude);

g) Distribuição de actas e editais, de mesas diferentes, assinados ou preenchidos por uma mesma pessoa (que não se usou para a contagem paralela, uma vez que é obvia a sua falsidade);

h) Afectação massiva de membros do Partido FRELIMO como Membros das Mesas de Voto que dificultou a harmonia nos trabalhos de apuramento e emissão de actas e editais das mesas;

i) Detenções e explosões arbitrárias dos delegados de candidatura.”  (página 97 do recurso)

Nestes termos, o recurso considera que uma amostra de 59,95% das actas permite fazer uma projecção estatística fidedigna dos resultados, assim repondo a verdade eleitoral. Segundo o recurso, os verdadeiros resultados eleitorais da Eleição Presidencial foram:

1. Lutero Simango com 4,92% equivalentes a 379.247 (Trezentos Setenta e Nove Mil, Duzentos Quarenta e Sete Votos;

2. Daniel Chapo com 35,66% equivalentes a 2.906.601 (Dois Milhões Novecentos e Seis Mil, Seiscentos e Um Votos;

3. Venâncio Mondlane com 53,38% equivalentes a 4.419.040 (Quatro Milhões Quatrocentos Dezanove Mil e Quarenta Votos;

4. Ossufo Momade com 6,04% equivalentes a 539.515 (Quinhentos Trinta e Nove Mil, Quinhentos e Quinze Votos. (p. 98 do recurso).

Assim sendo, considera-se que o candidato Venâncio Mondlane obteve maior número de votos, com mais de 50%, pelo que é o vencedor das Eleições Presidenciais.

Este é o ponto essencial do recurso do PODEMOS sobre as eleições em Moçambique. Contudo, há outros temas relevantes que são levantados na mesma peça processual.

Segundo o PODEMOS, a CNE fez o apuramento de votos sem recurso às actas e aos editais originais, mas limitando-se a projectar em sistema PowerPoint dados que disse ter recebido das Comissões Provinciais de Eleições (CPE), sob o argumento de que o confronto desses dados das CPE com as actas e os editais originais é dispensável. O PODEMOS, pelo contrário, considera que esse confronto é indispensável, e que as informações fornecidas pelas CPE não dispensam a consulta de originais.

O PODEMOS revela também que houve votos plúrimos ou acréscimos de votantes na secretaria, e que houve variações no número votantes em cada eleições, quando deveria ser o mesmo. Esta confusão coloca em causa a credibilidade dos escrutínios. Para demonstrar estas alegações, o PODEMOS apresenta mais de 103 quadros com informação comprovativa, abrangendo províncias e distritos. Por exemplo, o anexo 15, referente ao distrito de KaMavota, informa haver três números diferentes de votantes: 125 389 nas eleições presidenciais, 130 438 na acta manual da votação para a Assembleia da República e 130 703 na extracção electrónica da votação da mesma Assembleia da República, quando os números dos três elementos deveriam ser exactamente iguais. Trata-se de um exemplo entre muitos.

Apresentámos aqui um curto resumo do recurso que o PODEMOS interpôs no Conselho Constitucional. A argumentação parece bastante convincente, e tudo depende da prova junta no processo e da avaliação que os juízes do Conselho farão.

Não se pode estabelecer uma analogia directa e automática com o que aconteceu nas eleições angolanas de 2022. No caso moçambicano, há um trabalho muito desenvolvido de confronto de actas, abrangendo cerca de 60% das mesmas, tendo sido montada uma estrutura profissional de contagem paralela – o que não parece ter acontecido em Angola –, e a comparação das peças processuais apresentadas em ambos os tribunais demonstra esse diferencial.

Possivelmente, quando afirma que já aprendeu a lição para 2027, o líder da UNITA terá em mente o exemplo de Moçambique em 2024. Também é verdade que os resultados em Angola, que deram pouco mais de 50% ao MPLA em 2022, não pecaram pelo absurdo que foram os 70% que a CNE de Moçambique anunciou para a FRELIMO em 2024.

Intui-se que as vias são diferentes em Angola e em Moçambique, apesar de todos os paralelos que se possam traçar. Em relação a Moçambique, face aos elementos expostos, uma correcção justa dos resultados oficiais é o mínimo que se impõe.

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