Inflação e Elites em Angola

Há um fenómeno estranho em Angola: os preços sobem todos os dias, mas as autoridades económico-financeiras não parecem preocupadas, nem tomam medidas de fundo para travar essa subida.

Esta semana, um dos principais jornais económicos do país anunciava que a inflação angolana era a quarta maior de África e a nona do mundo. No entanto, na última reunião do Comité de Política Monetária do BNA, realizada a 20 e 21 de Janeiro passado, decidiu-se manter as taxas de juro do BNA num patamar abaixo da inflação e permitir que os bancos aumentassem a liquidez, portanto, criando condições para aumentar a inflação…

Quanto à própria inflação, o referido Comité atribui-a a causas conjunturais, como o ajuste dos preços dos transportes públicos urbanos, a subida do preço do gasóleo, das propinas e das telecomunicações, bem como o mau ano agrícola. Isto seria correcto se a inflação não fosse persistente e não andasse permanentemente acima dos 20% ao ano. Se fosse apenas um “pico” inflacionista. O problema é que não é um “pico” – é um “planalto” infinito.

Pode-se pensar que esta é uma discussão técnica que nada tem a ver com as pessoas concretas. Nada mais longe da realidade. A constante subida de preços em Angola é um dos problemas que mais afectam as pessoas concretas e que mais provocam o seu empobrecimento.

A explicação é simples. Os preços sobem e os salários não sobem. Por exemplo, se no início de um ano, com um salário de 100 compramos 10 batatas, chegamos ao fim do ano com o mesmo salário, mas apenas a conseguir comprar 7 batatas. E assim sucessivamente. Haverá uma altura em que o salário de 100 nem uma batata compra.

Como se sabe, em 2024, para uma subida de preços de 27% anualizada (valores de Dezembro de 2024), o ministro Massano previa uma subida de salários de 5% para a função pública, querendo com isto dizer que, só em 2024, os funcionários públicos ficaram 22% mais pobres. Quase um ¼ (um quarto) mais pobres, apenas num ano. É uma situação insustentável no médio prazo.

Este é a raiz de todo o mal. Aumentam preços, não aumentam salários, a população fica mais pobre.

É por isso que a questão da inflação é essencialmente política e não meramente económica, pois é uma das causas principais do mal-estar político que se sente na população. A subida exagerada de preços é sempre uma causa de desequilíbrios políticos. A população fica mais pobre e, a dado passo, revolta-se.

Peter Turchin, um antropólogo americano-russo, num recente livro (End times: Elites, counter-elites and the path of political disintegration, 2023) explica muito bem quando e como ocorre a desintegração política de uma sociedade. Simplificando, tal acontecerá quando há sobreprodução das elites e empobrecimento da população, sobretudo pela quebra dos salários reais.

Esta quebra de salários reais é acentuada e visível em Angola. Mesmo ganhando o mesmo valor em Kwanzas, as pessoas estão a ganhar menos na prática, porque compram menos com o mesmo valor (isto é a quebra dos salários reais).

Quanto às elites, ou seja, aqueles que aspiram ao poder, é evidente que em Angola há cada vez mais jovens licenciados e políticos afastados. Ambos querem ascender ao poder e não conseguem. É um facto – basta andar pelos restaurantes de Lisboa – que as elites (ou potenciais elites) angolanas estão irrequietas, descontentes, querem mudar. A sociedade angolana produz mais membros da elite do que aqueles que consegue absorver, e isso leva à instabilidade social. As elites excedentárias, incapazes de assegurar posições de poder, sentem-se prejudicadas e contribuem para a agitação social.

Mais do que discursos inflamados ou retóricas exacerbadas nas redes sociais, ou mesmo uma metódica oposição, as duas forças que mais contribuem para a instabilidade do sistema político em Angola são a inflação, com o consequente empobrecimento das populações em rápido aumento demográfico, e o descontentamento das elites, para quem já não há lugares suficientes ou que sentem os lugares do passado ameaçados.

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