Corrupção: a Liberdade Condicional de Augusto Tomás

Augusto Tomás, antigo Ministro das Finanças e dos Transportes, é a única figura relevante que está a cumprir pena definitiva de prisão no âmbito do denominado combate à corrupção. Outros estão detidos, como Carlos São Vicente ou os arguidos do caso Lussaty, mas os seus processos ainda não transitaram em julgado, isto é, ainda não terminaram, havendo hipóteses de recurso.

Assim, Tomás é o solitário símbolo preso do combate à corrupção e isso coloca-o numa posição especialmente vulnerável, sempre com os olhos da opinião pública focados nele. Contudo, como há séculos bem escreveu Kant, o homem é um fim em si mesmo e não um instrumento. Nessa medida, a situação de Augusto Tomás tem de ser vista individualmente e não como um símbolo, um instrumento de uma política, mesmo que essa política seja benéfica ou defensável.

Em 18 de Março de 2022, Augusto Tomás tornou-se elegível para obter a liberdade condicional. O actual regime de liberdade condicional está previsto nos artigos 59.º e seguintes do Código Penal e determina que um condenado será colocado pelo Tribunal em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena desde que se cumpram duas condições:

a) For fundadamente de esperar, dadas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduza a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer novos crimes.

b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.

Assim, existia um dever judicial de avaliar, em Março de 2022 (e o Código do Processo Penal contém nos artigos 564.º e seguintes as normas de tramitação sobre a questão), se Augusto Tomás estava em condições de ser libertado.

Como referido, essa avaliação assentaria em dois testes, um de natureza subjectiva, outro de natureza externa/social.

Em primeiro lugar, uma avaliação sobre o arguido. Trata-se, essencialmente, de aferir se ele teve bom comportamento durante o período prisional e tentar perceber se não voltará a cometer crimes após a libertação.

Em segundo lugar, entra uma ponderação social. Neste caso, é preciso saber se a libertação do arguido perturba a paz social, isto é, se transmite uma mensagem errada para a sociedade. Passando estes dois testes, Tomás deveria ser libertado.

Tanto quanto foi possível obter pelas nossas fontes, o comportamento prisional de Augusto Tomás tem sido impecável e a possibilidade de voltar a cometer crimes no futuro é exígua. Até porque não se antevê que volte a ocupar cargos políticos e, nessa medida, não há sequer a hipótese de cometer os crimes por que foi condenado.

Aliás, aparentemente, no relatório que efectuaram para os efeitos do artigo 564.º do Código do Processo Penal, os serviços prisionais não se opuseram à libertação condicional de Augusto Tomás. Facilmente se vê que Tomás passa o primeiro teste para a libertação.

O segundo teste é mais difícil. Não por culpa de Tomás, mas atendendo ao peso do caso, como mencionado acima. Aferir o sentimento de uma comunidade e perceber o impacto que a libertação de Augusto Tomás terá no combate à corrupção não é fácil, e encontramos dois argumentos opostos.

Por um lado, para muitos, a libertação de Tomás a meio da pena significará que o combate contra a corrupção é laxista e insignificante, não sendo por isso compatível com “a defesa da ordem jurídica e da paz social”. Por outro lado, Tomás não deve ser prejudicado pelo facto de ser um caso único e de ter os olhos da sociedade em si.

Na verdade, para avaliarmos o sentir social temos de encarar a ideia predominante acerca do combate à corrupção em Angola. Não se deve libertar um arguido se a sua libertação no cumprimento do meio da pena for propensa a gerar surpresa e indignação no meio social em que se praticou o crime. E é esse o meio que verdadeiramente releva para aferir da eficácia da prevenção geral, pois é essencialmente aí que os factos são do domínio público, que o sentimento de repulsa pelo crime praticado se instalou e, consequentemente, será aí que os efeitos de prevenção geral de dissuasão deverão predominantemente operar, sob pena de perda de confiança da comunidade no funcionamento do sistema, decorrente de uma ineficaz tutela dos bens jurídicos violados pela acção criminosa.

Ora, é precisamente esse sentimento que se tem de buscar na sociedade angolana. Actualmente, essa ideia parece corresponder a uma certa ambiguidade. Se, por um lado, o combate contra a corrupção é aplaudido e entendido como premente para fazer o país progredir, por outro, verifica-se a necessidade de reequacionar os métodos. Em suma, defende-se que é necessário proceder a um reinício desse combate para o tornar mais efectivo e actuante.

É essa ambiguidade social e a necessidade de um reinício, e também o facto de um único homem não poder carregar o fardo de ser o símbolo do combate à corrupção, que faz inclinar para se proceder à libertação condicional de Augusto Tomás. Como o nome indica, a libertação não é pura, está sujeita a condições, e seria precisamente no estabelecimento de condições apertadas que a paz social ficaria garantida.

Ao mesmo tempo que se faria essa libertação, proceder-se-ia a uma revisão geral da política do combate à corrupção que temos defendido nestas páginas.

Entretanto, em termos processuais deve existir clareza. Há muito tempo que o Tribunal se deveria ter pronunciado sobre este tema, em vez de engavetar o processo, como parece estar a acontecer. Como temos defendido, a luta contra a corrupção tem de ter duas faces: uma de sanção, outra de reabilitação, e o caso de Augusto Tomás poderia tornar-se um exemplo paradigmático dessa abordagem.

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