Carlos Panzo: Tribunal Constitucional Espanhol Diverge de PGR Angolana
As notícias sobre Carlos Panzo divergem. Uns afirmam que Espanha autorizou a sua extradição para Angola, enquanto outros revelam precisamente o contrário. O mais curioso é que as duas fontes invocam um acórdão do Tribunal Constitucional espanhol proferido a 12 de Julho de 2021, com o n.º 147/2021.
Na verdade, a leitura do referido acórdão, publicado no Boletim Oficial do Estado espanhol de 31 de Julho de 2021, secção do Tribunal Constitucional, página 93548, dá uma resposta clara: a extradição não foi autorizada. Do acórdão consta uma decisão cristalina dos juízes da Primeira Sala do tribunal, ou seja, Juan José González Rivas, presidente; Andrés Ollero Tassara, Santiago Martínez-Vares García, Alfredo Montoya Melgar, Cándido Conde Pumpido Tourón e María Luisa Balaguer Callejón.
Com esta decisão, fica anulada a prévia autorização de extradição dada pelo tribunal ordinário espanhol, e reconhece-se que os direitos à protecção judicial efectiva (art. 24.1 da Constituição Espanhola), a um processo com todas as garantias (art. 24.2), à liberdade pessoal (art. 17.1) e à liberdade de residência e circulação (art. 19) haviam sido violados e deveriam ser restaurados.
Em resumo, e em linguagem simples, a extradição de Carlos Panzo de Espanha para Angola foi recusada pelo Tribunal Constitucional espanhol pelo facto de que, se tal acontecesse, os seus direitos fundamentais seriam violados. Lembremos que Carlos Panzo foi por um breve tempo secretário para os assuntos económicos de João Lourenço, sendo liminarmente exonerado após notícias de que as autoridades suíças estariam a investigá-lo por branqueamento de capitais. Depois disso, houve várias peripécias processuais e Panzo acabou por procurar refúgio em Espanha, onde está de momento, a salvo das autoridades angolanas.
As razões apontadas pelo Tribunal Constitucional espanhol para recusar o pedido angolano são fáceis de entender e revelam algo que temos tentado sublinhar em anteriores opiniões: o combate à corrupção tem fragilidades jurídicas que devem ser colmatadas a breve trecho, para que essa luta possa prosseguir.
O areópago espanhol recusa o pedido de extradição angolano por ele se basear num “relatório final” da Direcção Nacional de Prevenção e Combate à Corrupção da Procuradoria-Geral da República (PGR), considerando que tal relatório é apenas um acto de promoção de procedimento, sem qualquer controlo da autoridade judicial, o que impede que possa ser considerado comparável a uma acusação judicialmente relevante. E em relação à fragilidade formal do pedido da PGR angolana, o Tribunal espanhol enfatiza que, em apoio do pedido de extradição, apenas surgiu uma carta do procurador, sem endosso judicial genuíno. Logo, o Tribunal Constitucional espanhol considera que existe um défice de tutela do direito à liberdade de Carlos Panzo.
Por outras palavras, não é com umas “folhinhas” apresentadas por um procurador angolano, sem base sustentada e verificada judicialmente, que se requer a extradição e prisão de um cidadão.
Por isso, o alto Tribunal espanhol declara que foram violados vários direitos fundamentais, como o direito à protecção judicial efectiva e a um processo justo, e recusa a extradição em conformidade.
Naturalmente, a decisão espanhola levanta um problema grave em relação ao presente combate à corrupção que ocorre em Angola. Esse problema é que não bastam as palavras políticas, embora elas existam.
É fundamental que se construa uma estrutura judicial que dê suporte às intenções políticas, e não parece que a presente PGR tenha a densidade e o arcaboiço suficientes para todos os embates. À medida que o escrutínio judicial internacional aumenta sobre os procedimentos de direito criminal angolano, serão encontradas falhas de procedimentos e violações dos mais elementares direitos de defesa. Nesse sentido, parece que é fundamental aperfeiçoar os mecanismos internos de combate à corrupção, optando por um reforço de todo o sistema legal anticorrupção, quer ao nível dos órgãos de investigação e acusação, quer também ao nível judicial. As falhas vêm ao de cima com frequência: é o caso da condenação final de Augusto Tomás no Tribunal Constitucional angolano, em que votos de vencido de juízes afirmam que não tiveram tempo sequer para ler o processo; é o arrastamento dos recursos e notificações noutros processos de pessoas famosas; é a falta de transparência nos casos de apreensões de bens.
A situação de Carlos Panzo deve servir de reflexão acerca da estrutura e dinâmica legal que se quer oferecer ao combate à corrupção. Os meios ordinários não são suficientes.