A Importância dos Professores Analfabetos
Há uns tempos, o magnífico reitor Zau (na foto principal) afirmou que haveria mais de quatro mil professores em Angola que não sabiam ler nem escrever. Poucos dias depois, o académico Paulo de Carvalho afinava pela mesma ideia e discorria acerca da falta de qualidade dos alunos universitários com que se debatia. Mais tarde, Zau esclarecia que tais números tinham sido obtidos num estudo do Banco Mundial. De um modo geral, as bocas abriram-se em condenação dos professores analfabetos e dos alunos cábulas, dando toda a razão aos letrados Zau e Carvalho, e exigindo rigor na contratação de docentes.
É evidente que, quanto mais qualificados forem professores e alunos, melhor é para um país e para as próprias classes docente e discente. No entanto, a argumentação não pode partir do alto das cátedras jubilosas dos ilustres sábios Zau e Carvalho – tem de começar num patamar mais pedestre, mais modesto, no qual me situo. E o ponto essencial é o seguinte: a quantidade também é uma qualidade, e é melhor existir um professor com lacunas do que não existir professor nenhum. No mundo ideal pensado por Platão, todos somos sábios e brilhantes, mas se nem o filósofo ateniense conseguiu levar os seus ideais à prática, mesmo com o patrocínio do tirano de Siracusa, como poderemos nós querer que as aspirações mais elevadas se transformem em prática quotidiana através de um passe de mágica?
Temos de partir dos recursos humanos disponíveis e da realidade que nos confronta. Se existem quatro mil professores que não sabem ler nem escrever – e ainda está por demonstrar que este número é verdadeiro e qual o estudo concreto do Banco Mundial em que tal é afirmado, e com que fundamento e metodologia –, o que há fazer não é criticá-los e enxovalhá-los, mas sim identificá-los e lançar um programa de formação desses professores. Enquadrá-los, estimulá-los e qualificá-los. O mesmo se aplica aos alunos menos exigentes. A primeira função do professor é entusiasmar os alunos e levá-los a quererem aprender. Aliás, cada vez mais o professor é um intermediário entre o conhecimento e o aluno, e não um dissertador.
Isto não quer dizer que a contratação de professores por parte do Ministério da Educação não tenha de ser revista. São demasiados os ecos acerca de concursos em que o mérito não predomina, mas sim a qualificação de ser primo, cunhada ou nora de determinado influente, admitindo-se pessoas cuja única relevância é pertencerem a determinada família influente do partido no poder. É evidente que isto não deve nem pode acontecer, e é necessária a introdução de mecanismos de transparência nas admissões. Ser irmão ou primo não é um posto ou uma qualificação. Em relação aos que já foram admitidos, não se deve andar para trás, mas sim proceder a uma avaliação de competências. Aqueles que não as têm, devem entrar em programas de formação e ser destacados para as provinciais, para onde ninguém quer ir. Esta é a solução, e não causticar o falhanço. Há que partir de onde estamos.
O importante é resolver a questão dos supostos quatro mil professores que não sabem ler nem escrever. Como referido, o ponto de partida não deve ser a crítica, mas a satisfação de haver uma massa crítica tão grande disposta a ensinar, e o que há a fazer é formar e qualificar este corpo docente. Aqui entra outro tema tão caro à opinião pública angolana nos dias de hoje: a recuperação de activos e a forma de obtenção de fortunas em Angola. Muito se discorre sobre os multimilionários e a necessidade de estes colocarem as suas fortunas ao serviço do país. Aqui está uma situação específica onde tal pode acontecer. Poder-se-iam seleccionar quatro multimilionários angolanos e recomendar-lhes que cada um garantisse um programa de formação em letras, números e pedagogia para mil professores. Uma forma interessante de estes antigos altos dignitários colocarem as suas fortunas ao serviço da nação seria cada um patrocinar a formação de mil dos professores mencionados por Zau.
Aliás, o decreto presidencial n.º 11/21, de 22 de Janeiro último, oferece uma vasta oportunidade a todos aqueles que estão empenhados na melhoria da educação em Angola, por meio do projecto de criação de Escolas de Referência. Este projecto assenta na selecção de escolas “com vista à melhoria da qualidade ensino-aprendizagem e o enriquecimento de toda a comunidade educativa”, como refere o Memorando sobre a criação de Escolas de Referência (p. 4). Aqui temos uma possibilidade adicional para os multimilionários angolanos darem o seu contributo social: o patrocínio das Escolas de Referência.
Tem de se começar a ver o efeito útil das medidas do presidente João Lourenço em benefício da população, e este – o patrocínio da formação do pessoal docente e a criação de Escolas de Referência por parte dos multimilionários – é um modelo original e socialmente útil de começar a fazer algo, tendo a vantagem de juntar o interesse público com o interesse privado.
É muito fácil dizer mal, criticar e Contudo, o importante não é destruir, é construir alternativas viáveis e sustentáveis que promovam o país e a sociedade. É nessa construção que a educação se deve focar. A identificação dos professores que não sabem ler nem escrever só é importante para que eles no futuro venham a saber ler e escrever; caso contrário, é apenas pura propaganda e dinheiro mal gasto do Banco Mundial. É fundamental passar-se à prática com a massa crítica que existe e nas condições reais do país, não numa república qualquer imaginada que nem no meio do Atlântico se vislumbra.