Sonaecom Defende Isabel dos Santos: A Saga Continua

A Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) portuguesa publicou na sua página digital uma informação obrigatória por lei. Segundo esta informação, a Sonaecom – sócia de Isabel dos Santos na NOS – vai contestar judicialmente o arresto da participação de Isabel na NOS.

A decisão do arresto preventivo foi tomada pelo juiz Carlos Alexandre, do Tribunal Central de Instrução Criminal em Lisboa, e refere-se a 26,075% do capital social da NOS, SGPS, SA, correspondente a metade da participação social na empresa de telecomunicações, detida pela ZOPT e indirectamente controlada por Isabel dos Santos. Discordando do arresto por considerá-lo ilegal, e também não aceitando que ele possa impedir o exercício dos direitos de voto de Isabel dos Santos, a Sonaecom declara, conforme divulgado pela CMVM, que “não pode conformar-se com uma decisão que, ao violar a regra básica de que uma sociedade anónima (neste caso a ZOPT), não responde pelas dívidas dos seus acionistas, prejudica gravemente os interesses da ZOPT e da SONAECOM, totalmente alheias ao processo judicial em causa, e é passível de afetar o regular funcionamento da Assembleia Geral da NOS”.

O facto de a Sonaecom ter decidido contestar a decisão é da maior relevância para se perceber o sentido e alcance do processo legal que envolve Isabel dos Santos em Portugal.

Em primeiro lugar, algumas explicitações. A NOS é uma das maiores empresas portuguesas de telecomunicações. A sua accionista principal é a ZOPT, SGPS, SA. Esta ZOPT é detida em partes iguais por Isabel dos Santos, através da Unitel International e da Kento, e pela Sonaecom. A ZOPT tem 50.01% da NOS. Outros accionistas da NOS são o Banco BPI, com 3,40%, o Norges Bank, com 2,11%, e a BlackRock Inc, com 2,01%.

Se os direitos de voto da parte de Isabel dos Santos ficaram inibidos pela decisão de Carlos Alexandre, de repente, a ZOPT deixa de ter 50,01% do capital social e perde o poder de decisão, que era quase absoluto, na empresa, contando apenas com 26%. Sem maioria de votos, dificilmente poderá seguir a sua estratégia de gestão.

A tomada de posição da Sonaecom sugere três comentários. Em primeiro lugar, a Sonaecom não é Isabel dos Santos, nem lhe pertence. É uma empresa detida pela família de Belmiro de Azevedo, o milionário português fundador da Sonae e do Continente. Detém também o jornal Público, o que obviamente tem interesse nesta contenda. Portanto, o que temos aqui é um sócio de Isabel dos Santos a vir à liça defendê-la e apoiar a sua posição.

Tal demonstra que a influência e inserção de Isabel na economia portuguesa e nos centros de poder do país eram muito maiores e mais profundos do que se pensaria. É evidente que a posição da Sonaecom pode ter sido tomada apenas em virtude da perda automática da maioria absoluta, em virtude da inibição do direito de voto da sócia Isabel. Sem Isabel dos Santos, a Sonaecom pode não obter maioria absoluta na Assembleia-Geral, ficando refém dos interesses espanhóis do BPI, noruegueses do Norges Bank, ou especulativos do norte-americano BlackRock Inc. Por isso, a Sonaecom tem interesse em defender a posição de Isabel dos Santos.

Mas sendo por esta razão ou devido a acordos parassociais ou a qualquer outra influência determinante de Isabel dos Santos junto da Sonae, a verdade é que um dos principais grupos portugueses está a acorrer em auxílio de Isabel dos Santos. E este é um ponto fulcral.

O segundo ponto liga-se às questões jurídicas que o processo legal de Isabel dos Santos coloca. Em relação à NOS, a participação de Isabel dos Santos é feita através duma parceria na sociedade ZOPT, SGPS, SA, onde Isabel entra por via das companhias Kento Holding Limited e a Unitel International Holdings, BV. A Kento está sediada em Malta e a Unitel na Holanda. São, portanto, empresas que operam fora da jurisdição portuguesa. Estas empresas possuem acções da ZOPT, SGPS, portuguesa que detém acções da NOS. Com esta construção em cascata, com várias jurisdições em causa, fica a dúvida sobre aquilo que terá sido efectivamente congelado e sobre as possibilidades legais desse congelamento, que agora é posto em causa pela Sonaecom.

Numa hipótese especulativa, Isabel dos Santos poderá vender tranquilamente as suas participações nas empresas maltesas e holandesas e depois os novos detentores dessas empresas virem ao tribunal português alegar que as participações portuguesas congeladas já não pertencem a Isabel. Isto é, se Isabel vender a sua posição na Kento (Malta) e Unitel Internacional (Holanda), são estas as empresas que participam na ZOPT e na NOS. Saindo destas companhias, Isabel desaparece de toda a estrutura, e deixa de haver razão para congelar o que quer que seja em Portugal. Isabel pode receber o dinheiro das vendas em Malta e na Holanda e sair de cena sem problemas de maior.

Temos aqui um problema legal interessante. Na verdade, os congelamentos decretados em Portugal serão forçosamente incompletos e poderão ser esvaziados a montante. Para terem eficácia, têm de operar simultaneamente em Malta e na Holanda, sem o que as intenções da Procuradoria-Geral da República (PGR) angolana podem sair goradas. Presume-se que a PGR de Angola terá tido estes aspectos em conta e requerido idênticas medidas nestes países. O importante a sublinhar é que é fundamental dar atenção não só ao que se passa em Portugal, mas também na Holanda e em Malta.

O comentário final refere-se a Isabel dos Santos em concreto. Paulatinamente, vai recuperando a sua posição, pelo menos em Portugal, onde estará o grosso da sua fortuna pública. No final de Março, nomeou administradores de sua confiança para a companhia portuguesa de telecomunicações NOS. Note-se que uns meses antes tinha sido anunciada a retirada dos administradores de sua confiança desta empresa. Pouco tempo passou e Isabel regressa em força. Não é ilegal, mas é curioso e levanta dúvidas sobre a consistência deste processo.

Obviamente, com esta tomada de posição da Sonaecom entramos numa nova fase do processo, e a dúvida coloca-se sempre sobre até que ponto existe consciência das autoridades judiciárias angolanas sobre estas intrincadas questões globais.

Como se vê, apesar da tragédia da covid-19, há mundos que continuam a girar.

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