Governo sem Coordenação Institucional
Logo após a sua tomada de posse, em Setembro de 2017, esperava-se que João Lourenço reduzisse a equipa do governo, conforme prometera em campanha eleitoral. Agora, a meio do seu mandato, o presidente começou finalmente esse caminho, mas as mudanças estruturais tão necessárias ao país exigiam que tivesse avançado desde os primeiros dias. O problema maior é que o está a fazer sem resolver um aspecto fulcral: a coordenação institucional do governo e a visão holística que a deve acompanhar.
De facto, falta coordenação institucional ao governo. A Constituição define o presidente como chefe do governo (titular do poder executivo), mas este, para ser eficaz, precisa de um coadjuvante executivo, uma espécie de primeiro-ministro que seja o rosto da coordenação institucional.
O presidente exerce ainda duas outras funções cumulativas que o absorvem: a de chefe de Estado e de presidente do MPLA. Como chefe de Estado, João Lourenço tem um vice-presidente, Bornito de Sousa, sem quaisquer funções auxiliares executivas. Constitucionalmente, o vice-presidente é uma figura para questões de representação muito específicas e à disposição do presidente. O seu poder depende exclusivamente da relação pessoal com o presidente. Se esta for boa, terá o que fazer; em caso contrário, torna-se meramente decorativo.
A 6 de Março passado, o vice-presidente reuniu jornalistas e formadores de opinião para comunicar a sua estratégia de “invisibilidade”, destinada a conferir maior visibilidade a Lourenço. Temos, então, uma situação em que, mesmo detendo todos os poderes, o presidente ainda precisa que o seu vice se auto-anule para lhe garantir visibilidade… Não restam dúvidas de que se trata de um vice-presidente decorativo.
Analisemos agora os quatro cargos de ministros de Estado, criados para assegurar coordenação sectorial de auxílio à gestão governativa do presidente. São ministros de Estado o chefe da Casa de Segurança do PR, general Pedro Sebastião; o coordenador económico, Manuel Nunes Júnior; para a Área Social, Carolina Cerqueira; e, finalmente, o chefe da Casa Civil, Frederico Cardoso. Temos ainda, com igual peso ou maior, mas apenas com a categoria de ministro, o director de gabinete do presidente da República, Edeltrudes Costa. Há ainda, embora discreta, a figura da secretária do Conselho de Ministros, Ana Maria Silva.
Destes ministros, quem é responsável pela coordenação institucional? Não sabemos. Na verdade, parece haver dois governos competindo entre si: um na presidência da República, com os ministros de Estado e assessores com categorias de ministros; outro com os auxiliares constitucionais. Entre estes, não se verifica sequer solidariedade institucional.
Em vários países de governo presidencialista, como o Brasil, a função de coordenação institucional cabe ao chefe da Casa Civil. Em Angola, porém, quase todas as reclamações sobre as makas no governo têm de ser dirigidas ao presidente, porque grande parte das vezes, quer a nível institucional quer a nível da sociedade, as pessoas não sabem a quem recorrer no governo para dirimir as suas reclamações.
Este problema poderia ser facilmente resolvido com um governo de bons ministros, imbuídos de competência, iniciativa e sentido de serviço público. A Casa Civil bem pode absorver a função da secretária do Conselho de Ministros.
Angola atravessa uma fase difícil, de falta de recursos, de falência das pequenas e médias empresas, desemprego. Tal resulta sobremaneira de medidas macroeconómicas obsoletas, que se traduzem na incapacidade de atrair investimentos. O ministro de Estado para a Coordenação Económica deveria vir regularmente a público dizer, em nome do presidente da República, quais são as medidas estruturantes para reanimar o país. Infelizmente, Manuel Nunes Júnior passa o tempo a esconder-se, quando é o principal responsável das medidas obsoletas. Também o é pela manutenção do centralismo económico de feição marxista-leninista, que a mais ninguém serve senão aos interesses privados da elite governante.
A posição “invisível” de Manuel Nunes Júnior cria maior confusão no sector sob sua tutela, pois os ministros da Economia e Planeamento, Finanças, assessor presidencial para os Assuntos Económicos e o governador do BNA, que é membro do governo na sua formulação, estão-lhe subordinados.
Como resultado da irritante “invisibilidade” do Nunes Júnior, o ministro da Economia e Planeamento, Sérgio Santos, anuncia as suas iniciativas; a ministra das Finanças, Vera Daves, também o faz a solo; e lá vem o governador do BNA, José de Lima Massano, também com o seu pacote de medidas. Por sua vez, o ministro do Comércio, Victor Fernandes, embarca na detenção dos comerciantes, em vez de exigir colaboração e diálogo. Outros estabelecimentos comerciais fecharão. Ora, com a fome a apertar os cidadãos, o que fará o governo? Repressão e violência para conter a fome?
As iniciativas individualizadas da equipa económica sobre a economia não são percebidas pelos agentes económicos, e muitas vezes parecem desalinhadas e contraditórias entre si. É um desastre político e de comunicação.
Os assessores presidenciais têm categoria de ministros, mas tornaram-se subalternos dos ministros de Estado, que têm a natureza de departamentos ministeriais, de acordo com a orgânica do governo. Assim, seria redundante a existência de ministros de Estado para a Coordenação Económica, para a Área Social e a secretária do Conselho de Ministros.
No seu Decreto Legislativo Presidencial nº 4/20, de 1 de Abril, João Lourenço reconhece que o modelo de organização e de funcionamento adoptado por qualquer instituição constitui um elemento determinante do grau de eficiência e eficácia no desenvolvimento das suas atribuições.
E justifica a redução de 28 para 21 ministérios “com o objectivo de modernizar a administração central do Estado, de melhorar o grau de eficiência e eficácia na prestação de serviço ao cidadão e de reduzir ao mínimo a possibilidade de existência de conflito de interesses e de competências, bem como buscar uma maior racionalização da despesa pública”.
Os cortes ministeriais que foram efectuados em pouco ou nada contribuirão para a eficiência e eficácia do governo, bem como para a redução de conflitos de interesses e de competências. Nem mesmo contribuirão para uma maior racionalização da despesa pública.
É preciso mais cortes, e sobre isso nos debruçaremos em outro texto. É fundamental reiterar que só haverá eficiência com a nomeação de ministros competentes e uma coordenação institucional clara. É fundamental, em tempo de crise, que o país tenha uma equipa económica liderada por alguém com ideias e iniciativas inovadoras, e não arreigado ao centralismo e ao controlo da economia pela elite política dominante.
O presidente tem agora nova oportunidade para, ao reorganizar o governo, apostar no perfil técnico e de competências das pessoas a nomear. Tem de diversificar as escolhas e origens políticas e sociais, indo buscar profissionais, independentemente das crenças partidárias, dos amiguismos e compadrios.