Justiça Selectiva no Combate à Corrupção

Este artigo não é sobre Isabel dos Santos. É sobre Alexandre José da Costa, que está em prisão preventiva há já sete meses.

Director, entre 2006 e 2009, da Escola de Formação de Professores Kimamuenho, depois director do Instituto Médio Politécnico do Bengo, e em 2017 nomeado director provincial da Cultura, Turismo, Juventude e Desporto do Bengo, Alexandre José da Costa foi detido a 19 de Junho de 2019. A 15 de Outubro de 2019, o Ministério Público, representado pela procuradora Iracema Vaz da Conceição, acusou Alexandre José da Costa de ter cometido três crimes: peculato; falsificação e uso de documento falso; violação das normas de execução do plano nacional e do orçamento.

Os factos essenciais para a determinação desta imputação criminal assentam na apropriação para uso pessoal de três viaturas do Estado e em ter prejudicado o tesouro nacional em 29 324 007 kwanzas (equivalentes a menos de 50 mil dólares, de acordo com a média dos câmbios anuais).

Passados dois anos, Isabel dos Santos foi constituída arguida devido a suspeitas de branqueamento, abuso de poder, falsificação e tráfico de influências. Os valores aparentemente envolvidos nesta fase do processo montarão a mais de 100 milhões de dólares só na Sonangol.

Além disso, segundo afirmações do procurador-geral da República (PGR), general Hélder Pitta Grós, em 2018, Isabel dos Santos furtou-se a ser notificada pela PGR, fazendo-se substituir pela empregada doméstica, e fugiu de Angola para não voltar. Todavia, a imprensa tem reportado sobre a liberdade de circulação de Isabel dos Santos entre as várias capitais europeias.

Comparando as duas situações, facilmente se verifica que a alegação de Isabel dos Santos, segundo a qual a justiça angolana é selectiva, a ter fundamento, aplica-se ao caso de Alexandre José da Costa, e não ao de Isabel e outros “marimbondos”. O primeiro ficou imediatamente em prisão preventiva, por se ter, alegadamente, apropriado de menos de 50 mil dólares (de acordo com a média dos câmbios anuais). A segunda voa livremente pela Europa e pelo mundo, embora haja suspeitas oficiais de se ter locupletado com mais de 100 milhões de dólares de fundos públicos.

A justiça angolana precisa de encontrar o seu equilíbrio e alcançar maior equidade, pois ainda pune maioritariamente os mais frágeis e desprovidos.

Continuando a analisar o caso de Alexandre José da Costa, surgem algumas dúvidas. A sua prisão preventiva foi decretada em Junho, e a acusação foi produzida em Outubro, pelo que se cumpriu o prazo de quatro meses para a manutenção da prisão, previsto na Lei das Medidas Cautelares. Contudo, deveria ter sido produzida a pronúncia (isto é, a confirmação da acusação por um juiz) até Dezembro.

Ora, não tendo sido proferida ainda pronúncia, nem estendido o prazo processual, a prisão preventiva já ultrapassou os prazos legais, e Alexandre José da Costa deve ser libertado.

No entanto, a questão merece uma análise mais minuciosa, que não se fique pelo formalismo dos prazos da prisão preventiva. Segundo o advogado de defesa, Carlos Salumbongo, o juiz da Sala dos Crimes do Tribunal da Comarca do Dande (Bengo), João António Lobão, indeferiu o pedido de instrução contraditória do arguido. O tribunal notificou o arguido, detido na Comarca de Caboxa (província do Bengo), da acusação a 24 de Outubro e notificou formalmente o advogado, residente em Luanda, a 31 de Outubro. O advogado alega ter solicitado a instrução contraditória dentro do prazo de cinco dias úteis, “mas o juiz contou a data de notificação do arguido, quando sabe que, neste caso, quem pratica os actos é o advogado”.

“No quarto mês, remetemos o pedido de habeas corpus para a libertação do arguido, por excesso de prisão preventiva. Fomos informados, depois, que esse pedido desapareceu”, denuncia o advogado.

Em relação às três viaturas referidas na acusação, o arguido alega que duas delas estão fora de circulação há muitos anos. São viaturas adquiridas em 2006, há mais de 13 anos. Segundo dados verificados por este portal, a viatura Chevrolet Captiva sofreu um acidente no mesmo ano da sua aquisição e nunca mais foi recuperada, encontrando-se a carcaça numa oficina. Já a carrinha Mazda BT50, avariou em Benguela, em 2011, e até à data encontra-se abandonada na Base Aérea do Lobito.

O arguido afirma ter utilizado essas viaturas sempre no exercício das suas funções. Em relação à viatura restante, um Toyota Land-Cruiser Prado TXL, modelo de 2014, afirma haver uma confusão na acusação, pois essa carrinha é propriedade sua. Na verdade, a viatura foi adquirida com fundos públicos, quando o arguido ainda era director do Instituto Médio, mas registada em seu nome, alegadamente por ordens do então governador João Miranda.

Sobre outros gastos, Alexandre José da Costa remete a responsabilidade para o Governo Provincial, afirmando que foram valores utilizados para pagar uma corrida de atletismo .

Há, portanto, duas vertentes de análise neste caso. Por um lado, a prisão preventiva excessiva, quer em termos de prazos legais, quer em termos de proporcionalidade. Por exemplo, José Filomeno dos Santos, acusado de crimes de peculato e branqueamento de capitais por uma burla de 500 milhões de dólares ao Banco Nacional de Angola, cumpriu seis meses de prisão preventiva e está a ser julgado em liberdade. Por sucatas e menos de 50 mil dólares, Alexandre José da Costa vai no oitavo mês de prisão preventiva. Temos aqui dois pesos e duas medidas por parte dos órgãos judiciais. Quanto mais se rouba menor é a punição.

Não se vê razão legal para o arguido Alexandre José da Costa estar preso. A lei das medidas cautelares é muito clara em estabelecer que a prisão preventiva é o último recurso do direito penal. E só deve ser aplicada em casos extremos, quando haja um manifesto e preeminente perigo de fuga, de perturbação do inquérito, designadamente da produção de prova ou continuação da actividade criminosa (artigo 19.º da Lei das Medidas Cautelares). Não se vislumbram nos factos descritos esses perigos, nem se conhece a fundamentação concreta para manter essa prisão.

Além de não se ver razão para a prisão preventiva, os factos são bastante exíguos, limitando-se a um carro, recuperado pelo procurador Mário José Zau Ivula, através de um mandado de revista, busca e apreensão de 17 de Maio de 2019, um mês antes da detenção do arguido. Há ainda algumas verbas por explicar.

Levanta-se aqui um ponto que já temos focado. O combate à corrupção é fundamental e deve ser levado a cabo pelo poder executivo, pelas políticas e pela PGR. Termina quando entra em tribunal. Aos juízes não cabe combater a corrupção, mas avaliar factos com equilíbrio e distanciamento. É o que se espera que aconteça quando avaliarem a situação de Alexandre José da Costa.

Por outro lado, este caso levanta uma questão global: a do tratamento diferenciado que é atribuído aos indivíduos suspeitos de corrupção.

Ao contrário do que é alegado na imprensa pelas agências de comunicação dos poderosos, a maior parte deles (a única excepção é Augusto Tomás) tem tido um tratamento leniente e até mesmo favorável por parte da justiça. Surgem suspeitas de desfalques de milhões e milhões de dólares, mas não são decretadas prisões preventivas. É ao nível dos quadros médios que a prisão preventiva tem sido decretada com frequência, e sem alarde nos jornais. Do Bengo ao Cunene, os exemplos de detenções multiplicam-se.

Portanto, se há selectividade na justiça angolana ela está é numa certa protecção e cuidado a lidar com os antigos e actuais poderosos “marimbondos”, e não o contrário.

Comentários