Investimento de 65 Milhões de Dólares para Ninhos de Pássaros
Parece brincadeira, mas não é. Em 2006, o governo de José Eduardo dos Santos investiu no Sumbe, província do Kwanza-Sul, mais de 65 milhões de dólares num sistema de irrigação. Concluído em 2010, o sistema nunca funcionou, por falta de energia eléctrica. Em 2015, foi concluída a segunda fase do projecto, para solucionar a falta de energia, e aí surgiram outros problemas.
Algumas fontes garantem que os custos directos e indirectos do projecto já ultrapassam os 80 milhões de dólares.
Eis o caso.
Em Agosto de 2006, na margem do Rio Keve, na Kipela, município do Sumbe, teve início a construção do “Sistema de Irrigação da Agricultura Modernizada”, a cargo do consórcio sul-coreano Samsung e Hanil Engenharia e Construções Lda. O projecto foi concluído em Dezembro de 2009.
Com uma capacidade para captação e bombeamento de 2400 litros por segundo, a Estação da Kipela abrange uma área total de 3187 hectares. Ou seja, a sua dotação é de 650 metros cúbicos de irrigação por hectare. O projecto visa, essencialmente, estimular a produção de algodão no referido perímetro.
Actualmente, esta estação – com custos de instalação elevadíssimos e com parte dos equipamentos ainda mostrando as coberturas plásticas originais – serve de albergue para um bando de passarinhos que ali expandem as suas famílias com diversos ninhos.
Um responsável do Ministério da Agricultura, familiarizado com a concepção e implementação do projecto, de forma bem-humorada queixa-se apenas das “más coincidências” de planificação. “O governo planificou a estação contando com um outro projecto de energia, na região, que não deu certo para nós.”
A segunda fase consistiu na construção de uma subestação eléctrica para abastecimento das estações de captação e bombeamento de água. Acrescentou-se também, a esta segunda fase, um centro de treinamento, um escritório do perímetro irrigado, um armazém, uma oficina e a preparação de 250 lotes para construção de casas. “Esta fase terminou em 2015 e ficámos sempre à espera da electricidade, que só chegou em finais de 2016”, revela um técnico do projecto.
“Tão logo tivemos acesso à energia eléctrica, os coreanos [do consórcio Samsung Hanil] enviaram os seus especialistas para testar as motobombas”, acrescenta o técnico, que prefere manter o anonimato.
Segundo o mesmo interlocutor, nessa altura, a Administração Geral Tributária (AGT) detectou irregularidades na contabilidade do projecto, referentes ao pagamento de impostos: “A AGT aplicou uma multa de 175 milhões de kwanzas à construtora sul-coreana. As suas contas no Banco BIC e Sol foram congeladas e não tiveram como manter o pessoal em Angola. Foram-se embora.”
Ainda de acordo com o responsável do Ministério da Agricultura, o consórcio sul-coreano “tinha a ideia de que os ministérios das Finanças e Agricultura poderiam resolver o problema, mas não”.
“Já se encontrou um meio-termo entre os governos de Angola e da Coreia do Sul, e estamos confiantes que será possível concluir o projecto no próximo ano”, conclui o entrevistado.
A fonte ministerial realça ainda que a Empresa Nacional de Distribuição de Electricidade (ENDE) havia levado o transformador da subestação de energia. “Já trouxeram um novo transformador, mas ainda não ligaram. Quando os coreanos regressarem para os testes, será feita a ligação de energia.”
Tantos consultores, estudos e projectos que costumam aparecer a justificar contratos milionários, e, desta vez, nem se percebeu que estava a ser construído um sistema de irrigação num local sem energia. A verdade é que não houve planeamento, foi tudo realizado sem qualquer seriedade, apenas se considerando a elaboração de grandes projectos, sem consistência. E assim se gastam milhões para nada.
Urge que o governo angolano tome medidas para que um projecto de tamanha envergadura funcione.