Da Biocom Só Más Notícias

A Biocom é uma empresa que foi em criada em Angola, na província de Malanje, para desenvolver um projecto de produção de açúcar, etanol e energia eléctrica a partir da combustão de resíduos. No papel era uma ideia fantástica, e representava o espelho do que podia ser a aposta industrial angolana para um crescimento sustentável e diversificado da economia.

No entanto, como tudo no país, este projecto tinha uma face escondida, que destapámos logo em Julho de 2010.

A Sonangol, a multinacional brasileira Odebrecht e a empresa privada Cochan formaram o consórcio que iria dominar a empresa. O projecto foi aprovado pelo Conselho de Ministros, sob orientação presidencial.

Inicialmente, o investimento previsto rondava os 752 milhões de dólares, dos quais em Dezembro de 2013 estavam realizados 586 milhões de dólares. Contudo, e como também é habitual, em 2014 já se orçava o investimento necessário em mil milhões de dólares. Ou seja, os gastos previstos tinha sofrido um aumento de 32 por cento (cerca de um terço); a empresa dispunha de metade do dinheiro necessário (os tais 586 milhões de dólares já angariados). Manifestamente, o projecto estava subfinanciado e mal gerido.

Dos valores efectivamente realizados, apenas 266 milhões de dólares eram provenientes formalmente dos accionistas. Cerca de 228 milhões de dólares tinham chegado por via de um empréstimo bancário sindicado em que intervieram o BAI, o BFA e o BESA. A participação da Odebrecht era complexa: num momento inicial seria responsável por aportar equipamento no valor de 230 milhões de dólares, mas depois seria reembolsada.

Entretanto, depois do primeiro sindicato bancário referido, a empresa foi contrair um segundo empréstimo no montante de 210 milhões de dólares. Para este empréstimo contribuíram o BESA, a Caixa Angola e o Atlântico.

Em 2013, na sequência de uma reportagem da BBC Brasil onde se denunciava a utilização de trabalho escravo na construção do complexo industrial da Biocom em Malanje, foi aberto um inquérito criminal no Brasil. Os trabalhadores relatavam ter enfrentado uma série de provações na obra, entre as quais cárcere privado, retenção de passaportes e condições insalubres.

Consequentemente, o arranque da Biocom foi bem turbulento.

Já em Junho de 2019, a Procuradoria-Geral da República de Angola (PGR) anunciava ter identificado sete empresas privadas criadas com financiamentos do Estado angolano, sendo que o Tesouro nacional não tinha recebido o dinheiro de volta. A Biocom estava nessa lista, em virtude do segundo empréstimo de 210 milhões de dólares. Este empréstimo estava coberto com uma Garantia Soberana entregue ao sindicato bancário, e na verdade não estava regularizado. O objectivo do Estado era evitar o accionamento da referida Garantia, e para tal admitia transferir a propriedade da empresa para si.

Os dados públicos sobre a actividade da empresa demonstram que as previsões para o lançamento do projecto não se estão a confirmar. Em 2016, perspectivara-se que a Biocom operaria com cash-flow suficiente para libertar meios para investir. A isto acrescia que, em termos de utilização da capacidade instalada, a empresa estaria a 30 por cento em 2016, a 70 por cento em 2018 e a 100 por cento em 2019. No entanto, as informações públicas da própria empresa dão conta de que neste ano apenas foi atingida 40 por cento de utilização da capacidade instalada.

Depois do anúncio bombástico da PGR em Junho de 2019, não houve mais publicação de notícias sobre a recuperação dos activos da Biocom, apenas uma nota em Agosto assinalando que o presidente da República revogara o contrato de compra de energia à Biocom, que era válido por 20 anos.

A história que até agora se passou facilmente permite perceber que estamos perante aqueles negócios em que os privados se apropriam dos lucros mas nacionalizam as perdas. Dizendo de forma mais simples: o Estado assegura tudo e eles recebem os benefícios à custa do Estado, não correndo quaisquer riscos.

Vejamos em detalhe um aspecto concretoo segundo sindicato bancário, que concedeu um empréstimo de 210 milhões de dólares. Se a empresa privada não pagar este empréstimo, não há problema… será o Estado, através da Garantia Soberana, a pagar. E por que razão o Estado concedeu uma Garantia Soberana a uma empresa privada? Quais os colaterais? Aparentemente, não há nada. Na verdade, foram os “donos” do Estado que deram aos seus negócios privados uma Garantia. Simultaneamente, mandavam no Estado e na Biocom. Um segundo aspecto concreto é o contrato de fornecimento de energia que o presidente da República, João Lourenço, revogou em Agosto de 2019. O Estado, além de garantir empréstimos, também garantia as compras da produção da fábrica. Melhor é impossível.

Por causa de detalhes deste tipo, neste e noutros negócios, é impossível encarar a recuperação da economia angolana sem um desmantelamento muito radical e efectivo de todos estes esquemas.

Voltando ao segundo sindicato bancário e às preocupações da PGR em evitar o accionamento da Garantia Soberana, o que está a ser feito?

As fontes do Maka Angola informam que está a ser tentada uma renegociação das condições do empréstimo. Não pormenorizando questões técnicas, o essencial desta renegociação é a concessão de um novo período de carência de capital de quatro anos, pelo que o empréstimo só começaria a ser pago em 2023, e 25 por cento do mesmo só seria pago no final do prazo do financiamento. Os accionistas deveriam aportar 75 milhões de dólares (ou o equivalente em kwanzas) entre 2019 e 2021 para dentro da empresa.

A estes dois empréstimos bancários soma-se uma dívida “oculta” de 80 milhões de dólares, contraída pela empresa no Banco Económico. A Biocom pretende incluir essa dívida no todo da renegociação, passando-a para o sindicato bancário e amortizando-a em kwanzas. Estranhamente, há pressão política para que se conceda essa facilidade.

Estas negociações levantam múltiplas questões, designadamente as garantias pessoais que os próprios accionistas dão para não se furtarem ao cumprimento das obrigações, e o facto de poder haver confusão entre dívidas contraídas em dólares e em kwanzas.

Todavia, a nossa opinião sobre este tema é simples: a Biocom deveria ser nacionalizada e depois vendida em leilão público. É que, como disse o presidente da República no último discurso do Estado da Nação, o que “nasce torto, tarde ou nunca se endireita”.

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