Confiança na Economia de Angola

A economia de um país tem pouco de ciência e muito de senso comum. É do somatório da confiança das empresas e das famílias no futuro, das suas ideias, do seu nível de conhecimento, das suas vontades, dos seus projectos, que o país avança.

Houve indubitavelmente um período de reconstrução, aproveitando as receitas do petróleo. Apesar do desperdício resultante da falta de controlo de execução, assistimos à renovação parcial das infra-estruturas, com algum sucesso.  

Todavia, vivemos um pecado original desde 2002: o nosso modelo de desenvolvimento foi assente no nepotismo, com uma pequena elite de indivíduos com acesso ao poder e aos recursos, e uma cultura de economia planificada.

A partir de 2002, foi-se desperdiçando o período superavitário, o que nos levou até ao final de 2014. Nesse ano, passámos da abundância para a escassez e, a partir daí, regredimos economicamente.

Exemplos do que não mais se pode admitir

Em 2019, Angola já não é uma economia planificada, o nepotismo está a ser veementemente combatido, mas ainda temos uma herança pesada dessa cultura, quer ao nível da atitude e postura de alguns actores, quer ao nível de projectos que adicionaram vários biliões de dólares à dívida pública.

Listamos apenas alguns exemplos de escândalos, cujas dívidas acumuladas na factura pública condicionam a nossa capacidade de crescimento.

Nas Novas Centralidades, que custaram vários biliões de dólares (ainda ninguém revelou o valor exacto), o Estado assumiu o papel de sector privado, construindo casas e depois vendendo-as ao desbarato, criando uma concorrência desleal, liquidando qualquer possibilidade de se criar um mercado concorrencial de habitação para famílias de classe média. Nesta estratégia de política de compra de habitações pelo Estado, deixou-se que empresas chinesas construíssem com materiais e trabalhadores chineses; e, com isto, perdemos entre 2002 e 2017 uma oportunidade única de desenvolvermos uma sólida cadeia produtiva nacional no sector das infra-estruturas e da construção civil.

O Estado ficou com uma gigantesca factura por pagar e temos um modelo de criação habitacional que não é sustentável, porque o Estado não pode continuar a construir casas para vender ao desbarato às famílias angolanas.

A ZEE é o exemplo perfeito do Estado assumindo-se como “a própria economia”. Foi criada com o pressuposto de que o Estado é que sabe o que a economia necessita. Assistimos a investimentos ruinosos (uma vez mais, não se sabe o valor real destes custos), em que o Estado não só construiu as infra-estruturas, como determinou também que tipo de unidades industriais lá iriam ser instaladas e adquiriu equipamentos, sem sequer saber se haveria mercado para essas indústrias.

E poderíamos continuar com inúmeros outros exemplos, nomeadamente projectos privados como as fábricas da Textang, ou a fábrica de Cimentos do Kwanza Sul, ou a Biocom, que eram detidos por privados, mas cujo risco económico ficou sempre do lado do Estado.

Complementarmente, poderíamos percorrer a carteira de crédito do BPC e do BDA, que deveriam ser bancos sérios, mas que necessitaram de mais de três biliões de dólares de ajuda do Estado, havendo muito provavelmente mais perdas para reconhecer nos seus balanços.

O caso mais gritante, porém, é o do BESA – Banco Económico; em que o Estado foi lesado em biliões e os intervenientes confundiram os seus papéis institucionais com os de sócios de empresas.

Trata-se de uma fraude de dimensão bíblica, digna de se tornar um estudo de caso mundial sobre o que não é admissível ser feito no sistema financeiro de um país.

Como é possível defender a seriedade do país, quando assistimos à resolução do BESA e criação do Banco Económico com bloqueios policiais que impediram o accionista maioritário de se fazer presente na Assembleia-Geral que determinou o fim nominal do BESA?

Como pode o Banco Nacional de Angola determinar a resolução de um banco (o BESA) e a criação de um novo (o Banco Económico), onde sai por uma porta a empresa accionista Portmill e no minuto seguinte entra uma nova empresa, a Lektron Capital, exactamente com o mesmo representante, Zandré Campos?

Assistimos à validação desta nova empresa por parte do BNA e do seu líder, empresa essa que se assumia como sendo uma empresa de capitais chineses, e recentemente viemos a saber que Vicente e Kopelipa eram os seus verdadeiros donos. E o BNA nada fez para validar os verdadeiros beneficiários últimos… Actualmente, um compliance officer de qualquer instituição financeira em países desenvolvidos pode ser criminalmente visado se não fizer o seu trabalho diligente de validar os reais detentores das empresas. Como pode o BNA querer ser sério perante os Reguladores Internacionais, quando actua assim, escapando-lhe este “pequeno pormenor”?

A Portmill representa um claro exemplo de nepotismo em Angola, onde interesses privados são pagos com fundos públicos, onde os actores confundem os seus papéis institucionais com os de sócios de empresas.

Seria muito interessante que o BNA nos mostrasse os créditos do então BESA e mais tarde os do Banco Económico, que serviram para financiar os projectos da Portmill e suas empresas conexas. Esses créditos foram pagos? Ou ficaram no bolo da conta por pagar dos portugueses e angolanos?

E, na senda dos escândalos BESA – Banco Económico, temos um último grande acto do BNA a encerrar esta tragicomédia: quando foi necessário pagar com fundos públicos as fraudes privadas, o BNA agiu como se fosse um banco comercial, emprestando dinheiro a uma empresa pública, a ENSA, para que esta comprasse os créditos falidos do Banco Económico… créditos esses que todos os que estiveram envolvidos nesta farsa económica sabiam que nunca seriam pagos… E, durante anos, o BNA foi “engolindo” as perdas com as imparidades desse empréstimo, beneficiando a entidade dita “chinesa”. Que tinha entrado no capital do banco. Consequentemente, o BNA apresentou prejuízos de 70 biliões de kwanzas em 2017, o que obrigou a um aumento de capital do Banco Central, pago com uma recente emissão de dívida pública.

Como podem o BNA e o seu governador passar incólumes depois de tantos escândalos?

Não se conhece, em nenhum sistema financeiro do mundo desenvolvido, uma situação em que o governador seja juiz e árbitro ao mesmo tempo, e em que tenha tomado tantas decisões que causaram tantos prejuízos, sem haver qualquer responsabilização.

O governador do BNA, José de Lima Massano.

Restaurar a confiança nas instituições

Hoje, o país está economicamente amorfo, refém dos efeitos de todo este passado.

Temos uma dívida pública superior a 91%, de acordo com o FMI. O Orçamento de 2019 prevê que 53% das receitas do Estado sejam alocadas a despesas com a dívida pública.

O presidente João Lourenço assumiu o poder há pouco menos de dois anos, em pleno arrefecimento da economia mundial, e encontrou um país sem dinheiro e com dívidas gigantescas por pagar. Para repor o motor da economia a funcionar, o país precisa de retomar níveis elevados de confiança, interna e externa.

Angola ainda não tem níveis de poupança suficientes para o investimento que é necessário realizar, para abraçar os seus desafios económicos. As actuais poupanças internas foram praticamente todas tomadas para financiar o sector privado, mas sobretudo para pagar a dívida pública. Os privados não têm acesso à poupança para investir, o Estado não se pode endividar muito mais. Ou seja, se o país quiser crescer, só tem um motor possível… o do investimento externo.

Mas, para isso, é necessário reconstruir as instituições que regulam o país.

Apesar dos inúmeros esforços do presidente João Lourenço para levar a cabo um programa de credibilização a nível da corrupção, esse processo ainda não foi estendido para a confiança económica e para a confiança no bom funcionamento das instituições.

Percebemos a profunda complexidade de mudar tudo ao mesmo tempo, mas como pode Angola melhorar os índices de percepção de corrupção, se os actores do passado ainda estão a desempenhar cargos públicos?

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