Jean-Claude em Vias de Ganhar na Suíça: as Contradições do Combate à Corrupção em Angola

O «Novo Jornal de Zurique» (Neue Zürcher Zeitung) noticiou recentemente, pela mão de Stefan Häberli, que o Ministério Público federal da Suíça ia arquivar o processo de investigação que tinha aberto contra Jean-Claude Bastos de Morais.

Recordemos que Jean-Claude era o gestor do Fundo Soberano de Angola, amigo e sócio de José Filomeno dos Santos (Zenú), tendo estado em prisão preventiva em Angola juntamente com este durante seis meses. Jean-Claude foi libertado em Março de 2019, em circunstâncias nunca legalmente esclarecidas, mas que na prática corresponderam a um “acordo” que fez com a Procuradoria-Geral angolana: em troca do arquivamento dos processos contra si, Jean-Claude daria acesso aos montantes no valor de cerca de três biliões de dólares que geria.

Entretanto, também noticiámos que esses valores, aparentemente já administrados pelos actuais gestores do Fundo Soberano, estariam em linha para ser usados como garantia ou financiamento directo na compra dos Boeing para a TAAG.

Possivelmente, atendendo ao que tem sido a evolução da situação em Luanda, em breve noticiaremos que Jean-Claude voltou a gerir o Fundo Soberano… Com os ziguezagues que têm acontecido, não seria grande surpresa.

A verdade é que, na Suíça, segundo Häberli reporta, o Ministério Público estará prestes a admitir que o inquérito que iniciou contra Jean-Claude não terá sequência. Na realidade, todos os activos que tinham sido arrestados pelos suíços já foram libertados e entregues ao gestor suíço-angolano.

Os suíços culpam “diplomaticamente” os seus congéneres angolanos pelo fiasco desta investigação. E a sua razão de queixa é a seguinte: face à lei suíça, para existir um processo por branqueamento de capitais, é necessário que exista um crime prévio que tenha originado a obtenção ilícita de dinheiro que necessite de “lavagem”. Por exemplo, se a pessoa X vai ser acusada de possuir dinheiro ilícito depositado numa conta bancária em Zurique, tem de haver prova de que desviou esse dinheiro anteriormente dos cofres do país Y. Para os suíços investigarem o crime de branqueamento em Zurique, tem de haver um crime anterior de desvio de fundos no país Y.

Ora, o que aconteceu no caso de Jean-Claude é que o crime prévio que teria ocorrido em Angola, e que justificaria a investigação na Suíça, deixou de existir. Angola chegou a um acordo com o Grupo Quantum, de Bastos de Morais, em Março, o que implicou que o país retirasse todas as alegações contra Bastos de Morais. Tal impossibilita agora que os suíços provem a lavagem de dinheiro de Bastos de Morais. A situação legal na Suíça é clara: onde não há crime prévio, não há lavagem de dinheiro. E os helvéticos consideram que, a ter havido algum crime prévio cometido por Jean-Claude, este teria sido praticado em Angola; não prosseguindo a PGR angolana qualquer investigação contra Jean-Claude, então não tem sentido ser a Suíça a fazê-lo.

A posição das autoridades suíças, alicerçada num raciocínio jurídico lógico, levanta uma questão política essencial em relação a Angola e coloca a PGR nacional numa posição delicada – a mesma, aliás, em que já se tinha colocado em relação a Portugal no caso Manuel Vicente.

O problema é o seguinte: qual é a credibilidade que as autoridades judiciárias de um país têm quando pedem cooperação internacional para combater a corrupção e depois “tiram o tapete” ou desistem das investigações que encetam, deixando as suas homólogas em situação desconfortável?

Os suíços predispuseram-se a ajudar Angola no caso de Jean-Claude, e avançaram com as suas forças judiciais. De repente, olham para trás e verificam que o seu aliado mudou de ideias, ou de campo… Só pode restar uma frustração imensa e a instalação de um clima de desconfiança face a pedidos de Angola.

A situação com a PGR portuguesa pode não ser muito diferente. Em Portugal, investigou-se e chegou-se à conclusão, vertida em acusação criminal, de que Manuel Vicente tinha corrompido um procurador português, em Portugal. Angola reage de forma violenta e não descansa enquanto o processo contra Manuel Vicente não é remetido para Angola, onde jaz adormecido.

Ora, qual é a credibilidade que a PGR angolana tem agora para pedir a cooperação portuguesa para perseguir os famosos “marimbondos”? Muito pouca, evidentemente.

E a verdade é que não se conhece qualquer iniciativa em Portugal relativamente a nenhum angolano de destaque. A cooperação anticorrupção não tem passado das páginas dos jornais.

Chegamos facilmente à conclusão de que o caso de Jean-Claude na Suíça é mais uma evidência de que o combate à corrupção em Angola não vai passar de alguns discursos, boas intenções e dois ou três casos judiciais menores. Diziam os romanos: “Facta, non verba.” Actos, não palavras. O mesmo temos de pedir a João Lourenço.

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