O Fantástico Mundo de Tchizé dos Santos

Nas últimas semanas, a deputada e membro do Comité Central do MPLA Welwitschea José dos Santos “Tchizé” tem dominado os debates nas redes sociais. Por um lado, tem argumentado sobre a sua capacidade como empreendedora e mulher de negócios, procurando distanciar-se da imagem pública de ter prosperado à custa do nepotismo e dos actos corruptos do seu pai, José Eduardo dos Santos, e seus colaboradores próximos. Por outro, tem sido bastante crítica do actual governo de João Lourenço, defendendo que não se devem repetir os erros do seu pai.

“Se mudou o PR e o slogan é ‘corrigir o que está mal e melhorar o que está bem’, é para mudar tudo para melhor e não para serem repetidas as mesmas práticas que no passado resultaram lesivas à imagem do país e do estado de direito”, apregoa.

Há um negócio de Tchizé dos Santos que lhe permite justificar a origem da sua fortuna. Investigado pelo Maka Angola, cabe a este portal reportar os factos e os argumentos relativos a esse negócio.

O general Higino Carneiro, deputado da mesma bancada e membro do Bureau Político do MPLA, na altura governador de Luanda, entra como o armador do jogo e a Sonangol como a vaca leiteira. Inicialmente, Higino Carneiro “oferece” a Tchizé um terreno no Talatona, que esta vende a uma empresa privada por 18 milhões de dólares, a qual, por sua vez, o vende por 20 milhões de dólares à Sonangol (Estado angolano), que, entretanto, o abandona.

O caso tem início a 13 de Agosto de 2004. A Empresa de Desenvolvimento Urbano de Luanda Lda. (EDURB), responsável pela urbanização de Talatona, assina um Memorando de Entendimento para a cedência do direito de superfície de 549 mil e 415 metros quadrados, por 60 anos, à Imobiliária Atlântico SARL (IA). O terreno é contíguo ao actual condomínio Cajú, da Sonangol.

O valor global do contrato é de cerca de 22 milhões de dólares, tendo a IA pago antecipadamente 400 mil dólares de sinal, a 27 de Fevereiro do mesmo ano. O pagamento total da verba, a 40 dólares por metro quadrado, é condicionado à revisão da área e assinatura do contrato.

A EDURB é um consórcio criado em 1994, entre o Governo Provincial de Luanda e a multinacional brasileira Odebrecht.

O referido terreno havia sido atribuído, em 1994, à EDURB para a sua comercialização, no âmbito do projecto Talatona.
Fontes familiarizadas com o processo consideram ilegal a forma como o então governador Higino Carneiro desanexou o referido terreno “para fazer uma doação”. “Não me parece que um qualquer cidadão fosse capaz de o conseguir”, refere uma dessas fontes, que prefere o anonimato.

Pelo meio, segundo outra fonte do Maka Angola, “a EDURB sofre chantagem” do então governador de Luanda, general Higino Carneiro, do então todo-poderoso general Leopoldino Fragoso do Nascimento “Dino” – o pau para toda a obra de José Eduardo dos Santos – e do então director da Sonangol Properties (SONIP), Orlando José Veloso.

Com a “chantagem”, a EDURB e a IA são obrigadas a ceder 250 mil metros quadrados constantes do Memorando de Entendimento, para que possam negociar a outra metade entre si. A parte exigida é para Tchizé dos Santos. O terreno integral é dividido em cinco partes.

Com efeito, a 15 de Junho de 2005, a EDURB e a Imobiliária Atlântico assinam dois contratos, mas para uma área reduzida totalizando 266 mil e 440 metros quadrados. quadrados. O primeiro contrato, CDS-LS/12.470/05, concede uma área de 248 mil e 917 metros quadrados, a qual, como que em brincadeira, é escrita por extenso nos seguintes termos: “duzentos e quarenta e oito mil, novecentos e dezassete dólares norte-americanos e setenta e quatro cêntimos quadrados”. Esta é a área demarcada como Gleba GU01A.

O segundo contrato, assinado no mesmo dia, envolve uma área de 17 mil e 522 metros quadrados, assim revelada por extenso: “dezassete mil, quinhentos e vinte e dois dólares norte-americanos e sessenta e um cêntimos quadrados”. Essa é a área demarcada como Gleba GU04A. O valor para ambos os contratos é elevado para 45 dólares por metro quadrado, “para compensar o roubo da quadrilha”, explica a fonte.

Pela EDURB assinam o angolano Miguel António Nogueira e o brasileiro Wolney Ernesto Longhini, na qualidade de seus representantes legais. Como administradores da IA assinam Rui Costa Reis, José Carlos Sonnenberg Fernandes e Carlos Alberto dos Santos.

No meio dos dois terrenos adquiridos pela Imobiliária Atlântico, está a terceira parte inicialmente concedida a “custo zero” à empresa Luzy – Sociedade de Gestão e Negócios, Lda. Esta empresa foi criada a 12 de Novembro de 2004 por Tchizé dos Santos, com 68 por cento de quota; o actual chefe da Unidade da Guarda Presidencial (UGP), general Alfredo Tyaunda, que já o era na época de José Eduardo dos Santos; e o actual secretário de Estado dos Antigos Combatentes e Veteranos da Pátria, general Clemente Conjuca, na altura assessor presidencial.
O papel do general Higino Carneiro assume-se, a partir deste ponto, como simplesmente extraordinário.

A 30 de Junho de 2004, o então director do Gabinete Jurídico do Governo Provincial de Luanda (GPL), Domingos Gracione Paulo, exercendo as funções de Notário Privativo, lavra a escritura do direito de superfície entre o GPL e a Luzy.
Trata-se de 250 mil metros quadrados, cujo “direito de superfície é atribuído a título gratuito” através do acto notarial privativo 39/2004 (Livro 1/04, Fls. 191).

Pelo Estado assina, como “ofertante”, o general Higino Carneiro, enquanto os generais Tyaunda e Cunjuca assinam pela agraciada.

O general Higino Carneiro, actual deputado do MPLA.

Como quem manda pode, no dia da assinatura do contrato de concessão do direito de superfície, a Luzy tinha apenas um registo provisório, que não a habilitava a engajar-se em negócios com o Estado. A 12 de Novembro de 2004, cinco meses depois da assinatura do contrato, a Conservatória do Registo Comercial de Luanda certifica, em certidão, que a Luzy “se acha registada provisoriamente por dúvidas, sob o número mil cento e doze traço quatro [1112/4]”. Passados quatro dias, a escritura da Luzy é publicada em Diário da República.

A reacção de Tchizé dos Santos

Contactada pelo Maka Angola, Tchizé dos Santos esclarece que o general Alfredo Tyaunda na altura detinha o direito de usocapião do terreno, porque havia ocupado o mesmo por mais de 20 anos, como local de pasto do seu gado. A deputada do MPLA refere ainda que o terreno havia sido confiscado à empresa Gomes & Irmãos e não fazia parte do perímetro urbano concedido à EDURB. “Certamente [a EDURB] vendeu o que não lhe pertencia. O que impera é o registo predial.”

Em relação ao documento comprovativo de que recebeu o terreno como oferta, Tchizé dos Santos alude a uma adenda de rectificação porque a referida escritura “tinha erros”. Segundo a interlocutora, “na escritura final constou o valor pago”.

O Maka Angola não pôde verificar a existência da referida adenda.

“Consta sim. Se tiraram foi de má-fé”, alega Tchizé dos Santos. A empresária é peremptória em afirmar a obrigatoriedade de anexação da adenda à escritura, porque não iriam “registar um terreno gratuito, a menos que fossem incompetentes!”, insiste.

A deputada explica que obteve um crédito no Banco Angolano de Investimentos (BAI), no valor de 250 mil dólares, para pagamento do terreno que lhe foi concedido.

“Isso é gente maldosa a querer criar factos. O terreno foi pago com dinheiro conseguido junto do BAI, um empréstimo subscrito por mim integralmente, que suei para pagar.”

“Foi o Dr. Mário Palhares quem assinou o crédito. Depois ficava a pressionar para pagar. Quando vendemos o terreno foi um alívio para mim. Nunca mais me meti em empréstimos sem ter a segurança de pagar.”

“Nunca pedi dinheiro aos pais”, assevera a filha de José Eduardo dos Santos e Maria Luísa “Milucha” Abrantes. “E até posso perder o [Banco] Prestígio, mas também não vou pedir emprestado à minha irmã [Isabel dos Santos].” Semanas após a conversa, o Banco Prestígio procedeu ao aumento de capital, conforme exigência do Banco Nacional de Angola e continua operar normalmente. Mostrando quão adversa se tornou a empréstimos, Tchizé dos Santos nota: “Dos 30 por cento que detinha no Banco Prestígio, a minha quota baixou para 10 por cento, porque preferi não acompanhar o aumento de capital do que voltar a endividar-me tão cedo.”

Tchizé dos Santos diz não ter feito o condomínio, como inicialmente previsto. Vendeu o terreno por 18 milhões de dólares a uma empresa de cujo nome não se lembra. Teve um retorno, ou seja, um lucro invejável de sete mil e cem (7100) por cento.

“Isto já foi há 10 anos, não me lembro do nome da empresa, de facto, mas posso assegurar-lhe que não foi vendido a nenhuma empresa do estado, se não eu iria lembrar-me”, explica. Sobre a venda do referido terreno à Sonangol por 20 milhões de dólares, afirma desconhecer o referido negócio. “Se esta empresa vendeu à Sonangol, isso já não é comigo. Não sei.”
“Mas enriqueci. Não posso negar que foi justamente este terreno a minha fonte de enriquecimento”, afirma Tchizé dos Santos.

“Daí criei o BNI [Banco de Negócios Internacional] com o Dr. [Mário] Palhares,
Ricardo Viegas d’Abreu [actual ministro dos Transportes], Mário Dias, Pisoeiro e Carlos Rodrigues”, conta a empresária.

Da venda da sua quota no banco, “por ser uma sardinha no meio de tubarões”, revela ter feito “muito dinheiro”.

“Eis que fui criar a Westside [que criou e geriu a TPA 2] e já tinha a ideia toda da nova grelha da 2. Fui propor ao Fernando Cunha [então PCA da TPA]. Assim cresci”, diz Tchizé Dos Santos.

Resumindo

As explicações de Tchizé Dos Santos enfermam de dois problemas: não aparece documentação que sustente as suas afirmações e existem esquecimentos que questionam a sua credibilidade.

Enquanto a fortuna da irmã, Isabel dos Santos, tem origem na venda de ovos a partir dos seis anos, a de Tchizé dos Santos provém de um terreno no Talatona. Está tudo explicado, não é, povo? É este o mundo fantástico dos negócios em Angola.

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