As Nomeações Pouco Imaginativas de João Lourenço

A euforia com que a população do Sumbe celebrou anteontem, nas ruas, a exoneração do governador do Kwanza-Sul, general Eusébio de Brito Teixeira, revela bem como muitos angolanos se agarram à esperança, navegam na ilusão e sobrevivem às desilusões do poder.

O general Eusébio de Brito Teixeira é o governador que, na sua voracidade e com total impunidade, concedeu a si próprio e aos seus filhos mais de 300 quilómetros quadrados de terra arável e de pasto, assim se tornando um dos maiores latifundiários do país. O general governava-se a si próprio e servia de guardião aos latifundiários do regime e à fila de candidatos que se queriam juntar ao clube. Deste modo, o território do Kwanza-Sul foi retalhado pelos poderosos e influentes, enquanto o seu povo foi deixado à míngua. Esta província é um exemplo de abandono institucional.

Para substituir este general-latifundiário, o presidente João Lourenço “desenterrou” um antigo governador de Luanda de triste fama: Job Castelo Capapinha. E logo os munícipes da capital do Kwanza-Sul celebraram a saída de um péssimo dirigente para darem as boas-vindas a outro de má reputação. Capapinha é conhecido por ter tentado ser mais eduardista do que José Eduardo dos Santos, com a sua extraordinária dinâmica de se posicionar à frente e criar movimentos de apoio ao ex-líder.

Para mudar esta imagem, Job Castelo Capapinha, recém-chegado ao Kwanza-Sul, poderia começar o seu mandato por averiguar a legalidade das concessões de terras outorgadas por Brito Teixeira e anular aquelas que fossem manifestamente ilícitas. Seria um bom começo.

Como se não bastasse, Luanda também não teve tempo de respirar de alívio com a demissão do inepto governador Adriano Mendes de Carvalho, despromovido para poder assumir o governo da martirizada província do Kwanza-Norte. Foi substituído por Sérgio Luther Rescova Joaquim, até aqui líder da JMPLA e deputado do partido no poder.

Luanda, como bem descreveu o antigo governador Bento Bento, é um “cemitério” de dirigentes do MPLA. Esta província já teve 20 governadores desde a independência e poucos são os que serviram por mais de um ano. A média de manutenção no cargo, em Luanda, é de um ano e nove meses. Aníbal Rocha é o recordista, tendo governado, e bem, a capital durante cinco anos (1997-2002). Segue-se-lhe o já mencionado Capapinha, que exerceu o cargo durante quatro anos (2004-2008).

João Lourenço tem elevado as expectativas de milhões de angolanos quanto ao novo rumo a dar ao país e quanto ao fim de algumas práticas nocivas que marcaram os 38 anos de José Eduardo dos Santos no poder. A mais relevante destas práticas, no contexto de que aqui estamos a falar, é a dança das cadeiras entre dirigentes que saltam de cargo em cargo, deixando um lastro de saque e/ou incompetência.

Os analistas e os mais atentos coçam a cabeça. Quem entende a jogada do presidente com estas nomeações?

Alguns, defendendo João Lourenço, aventam a possibilidade de as nomeações serem mais uma cartada do presidente para esgotar o coro de resistência no seio do MPLA, unido contra a perspectiva de mudança. Para esses pensadores, João Lourenço demonstra, assim, a falência de quadros e de massa cinzenta nas fileiras dirigentes do MPLA. Expõe o lado podre do partido por si presidido e que detém o poder em Angola desde a independência, em 1975. Ou seja, há 43 anos. E o presidente começa, então, a abrir caminho para gizar um governo inclusivo, com cérebros e tecnocratas capazes e que estejam apenas comprometidos com o país.

Uma leitura mais atenta nota o afastamento de Luther Rescova de um importante centro de poder, o secretariado do Bureau Político do MPLA, onde tinha assento por inerência do cargo que exercia.

Para os mais críticos, estas nomeações são uma prova acabada da ausência de ideias inovadoras do presidente, do facto de estar rodeado de maus conselheiros e de ter criado falsas expectativas. É a teoria de mais do mesmo. Grande parte desses críticos reside hoje dentro do próprio MPLA.

De um modo geral, o comum dos cidadãos vê pouco mais do que a habitual rotatividade, e em muitos casos o passeio de dirigentes do MPLA de um cargo para o outro.

Há uma outra leitura, que se afigura mais importante. João Lourenço será julgado pelo seu desempenho no domínio da economia. O presidente fez da luta contra a corrupção a bandeira do seu governo e da sua popularidade. Sem uma economia aberta, estruturadora de uma classe média que viva com dignidade e exclusivamente dos seus salários, os esquemas de corrupção continuarão em alta.

Pouco ou nada valerão a coragem e a boa vontade do presidente, e o seu espírito de abertura e humildade, se a situação económica não melhorar. A geração de empregos, o alívio da pobreza, a melhoria da qualidade de saúde e educação, bem como as reformas imprescindíveis do Estado dependem muito da melhoria da economia.

E esta melhoria não depende apenas de acordos com o FMI ou de anúncios aleatórios de medidas económicas por parte dos variados ministros.

Esta melhoria resultará de uma ideia consistentemente aplicada, como aquela que Deng Xiao Ping implementou na China e que João Lourenço ergueu como seu modelo. Resultará, também, de um efectivo combate à corrupção, que permita reorganizar o Estado de modo eficiente e libertar recursos, antes saqueados, para o Investimento Público. São estes os temas essenciais do progresso económico a abraçar pelo presidente da República.

Para já, é importante realçar que a diversificação da economia, um dos chavões das promessas do governo, passa, de forma incontornável, pela boa governação das províncias, onde repousam as maiores riquezas naturais do país. Luanda é pouco mais do que o sorvedouro destes recursos. Basta ver como o orçamento actual da presidência (824 milhões de dólares) é 1,2 vezes superior aos orçamentos combinados das províncias petrolíferas de Cabinda e Zaire, que praticamente sustentam Angola. Este orçamento é, também, duas vezes superior aos orçamentos combinados das províncias diamantíferas da Lunda-Norte e Lunda-Sul.

O presidente deve nomear para as províncias os políticos mais qualificados, inovadores e reputados, capazes de reanimar as economias locais e resgatá-las da estagnação ou regressão em que se encontram. Tirando Luanda e pouco mais, o país parece abandonado.

Portanto, aguardemos, com a maior expectativa, a nomeação de uma nova equipa económica, para, então, podermos compreender e aferir melhor o verdadeiro rumo que o presidente pretende dar à economia e, por conseguinte, ao país. Confiará novamente todo o seu capital político nos repetentes ou buscará indivíduos mais capazes?

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