Americanos Atacam a Corrupção em Moçambique. E Angola?

No dia 19 de Dezembro de 2018, o Grande Júri do Tribunal Federal de Nova Iorque produziu uma acusação contra várias entidades ligadas a um escândalo de corrupção em Moçambique. Esse escândalo envolveu um empréstimo “secreto” ao país, no valor de dois biliões de dólares, cujo destino é incerto, bem como o pagamento comprovado de 200 milhões de dólares em subornos.

Antes de avançarmos nos factos e ramificações do caso em Angola, há três notas que se impõem.

Notas prévias

A primeira nota é que que se trata de um caso em que a jurisdição norte-americana intervém num caso que afecta Moçambique. Isto acontece sobretudo devido à inoperância das autoridades moçambicanas em agir depois de essa negociata ter sido descoberta em 2016. Lembremos que, na altura, as revelações levaram a uma forte condenação da comunidade internacional que doava e apoiava financeiramente Moçambique, bem como do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Face ao impacto internacional da situação, os Estados Unidos intervieram judicialmente, a coberto das suas generosas normas processuais sobre competência internacional.

Aqueles que pensam que a corrupção é um mero fenómeno criminal sem impacto na política e economia dos países, desenganem-se. A corrupção está a valer a perda da soberania moçambicana.

A segunda nota é sobre o papel fundamental que a delação premiada tem nestes casos. Aparentemente, segundo a acusação, muitos dos factos dela constante resultaram da colaboração com o Departamento de Justiça dos EUA de três arguidos moçambicanos que terão recebido cerca de 23 milhões de dólares em subornos.

Finalmente, a terceira nota tem a ver com o facto de a justiça americana não acusar apenas os moçambicanos. Destaca os banqueiros, a quem coube montar todo o esquema dos empréstimos “secretos”. É fundamental que os “facilitadores” das negociatas também sejam indiciados nos casos criminais de corrupção.

O caso

Os acusados no processo são oito: Manuel Chang, ministro das Finanças de Moçambique entre 2005 e 2015 (na fotografia, após detenção em Joanesburgo), e que ocupava a pasta quando os empréstimos foram concedidos; dois moçambicanos com nome ocultado, possivelmente por terem uma ordem de prisão lançada e não executada ainda; dois altos executivos da empresa Privinvest, a qual terá recebido os dois biliões e que teria de fornecer barcos e equipamento de protecção costeira a Moçambique (um indivíduo ainda não identificado e Jean Boustani, considerado o líder das negociações e vendas da Privinvest); e três banqueiros do Crédit Suisse que, entretanto, já foram detidos em Londres – Andrew Pearse, Surjan Singh, e Detelina Subeva.

Temos, então, três tipos de agentes nesta história: os moçambicanos, que recebem os subornos e obtêm o empréstimo; os banqueiros, que terão organizado o empréstimo fraudulento; e a Privinvest, que cobrou preços “inflacionados” que serviram para pagar subornos e comissões ilegais.

A Privinvest e suas ligações a Angola

Centremo-nos na Privinvest. Trata-se de uma empresa sediada em Beirute, no Líbano, mas com uma forte implantação no Golfo, designadamente em Abu Dhabi, onde também se encontra a empresa Abu Dhabi Mar, que recebeu uma parte dos empréstimos. A Privinvest pertence a Iskandar Safa, bilionário franco-libanês, e ao seu irmão Akam Safa. A actividade principal da empresa é a construção naval.

Esta empresa está no centro do negócio que as autoridades norte-americanas apelidam de corrupto e pretendem julgar e punir no seu país.

A curiosidade são os negócios da Privinvest em Angola.

Em Junho de 2017, um conhecido órgão digital (Club-K) reportava que José Eduardo dos Santos estava a querer envolver João Lourenço nas suas articulações corruptoras, dando como exemplo o seguinte: “Contrato de fornecimento e assistência técnica de 17 embarcações de patrulha, intersecção e transporte militar, incluindo peças sobressalentes, entre o Ministério da Defesa Nacional e a empresa Privinvest Shipbuilding Investments LLC, no montante total equivalente em Kwanzas a €495.000.000,00.”

Tal contrato, aliás, tinha sido aprovado pelo despacho presidencial n.º 258/16, publicado em Diário da República a 29 de Agosto do mesmo ano. Nesse despacho, JES aprovava a minuta do contrato de fornecimento e assistência técnica de 17 embarcações de patrulha, intersecção e transporte militar com a referida Privinvest e autorizava o então ministro da Defesa, João Lourenço, a celebrar o referido contrato e a desempenhar todos os actos administrativos relativos à sua execução.

Por outro lado, a 6 de Setembro de 2016, o Novo Jornal já tinha informado que a Privinvest se associara à empresa pública Simportex, “para criar em Angola um estaleiro de ponta, equipado com as mais modernas tecnologias, tendo em vista a construção de navios de guerra e o fornecimento de uma vasta gama de serviços à marinha angolana”.

Fontes do Maka Angola confirmam que um dos negociadores por parte dos estaleiros libaneses em Angola é o mesmo Jean Boustani que aparece acusado nos Estados Unidos, o qual seria visita habitual de Luanda.

Neste momento, a bem da transparência prometida, era importante que o Ministério da Defesa angolano informasse o público sobre a evolução dos dois contratos mencionados: a compra de 17 barcos militares e a construção de um estaleiro em Angola.

É fundamental dissociar qualquer ligação angolana ao caso moçambicano, ou, caso exista, clarificá-la com urgência.

Ao contrário do que muitos alegam, a recuperação da economia angolana está intimamente relacionada com o combate à corrupção, quer pelos fundos que liberta, quer pela credibilidade nas políticas públicas que inspira. Por isso, é urgente evitar colapsos semelhantes ao moçambicano.

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