O Plano de Combate à Corrupção da PGR

Finalmente, o combate à corrupção em Angola conta com vontade política e a coragem do presidente, a quem a Constituição confere todos os poderes. Mas, do ponto de vista da execução, esse combate enfrenta três grandes problemas: não existe uma administração, uma polícia e uma magistratura preparadas e capacitadas para a magnitude da tarefa. Outrossim, para além da boa vontade presidencial, é fundamental o comportamento de probidade, de boa governação e de respeito pelas leis por parte dos homens e das mulheres que presentemente ocupam os cargos públicos.

A Procuradoria-Geral da República apresentou recentemente o Plano Estratégico de Prevenção a Combate à Corrupção (2018-2022). Se este plano tivesse sido apresentado há dois anos, não valeria sequer o papel em que está impresso. Neste momento, merece uma leitura atenta e um aplauso pelo mero facto de ter sido elaborado.

Contudo, o Plano é um sintoma das grandes dificuldades técnicas com que se depara uma verdadeira e global luta contra a corrupção. Por essa razão, deixamos aqui, construtivamente, algumas notas.

A primeira é de cariz estratégico. O combate à corrupção foi assumido como prioridade nacional pelo presidente João Lourenço. E percebe-se, através das várias intervenções do titular do poder executivo, que este vê a Procuradoria-Geral da República como o órgão que conduzirá exclusivamente esse combate. Existirá uma centralização de funções e meios na PGR.

Com efeito, surge agora, com ampla divulgação pública, este Plano. Trata-se de uma estratégia interessante, caso sejam proporcionados os meios humanos e financeiros adequados ao organismo da PGR encarregado do combate à corrupção: a Direcção Nacional de Prevenção e Combate à Corrupção (DNPCC).

No entanto, deveria haver um universo mais global de órgãos vocacionados para esta empreitada monumental, como por exemplo a Autoridade Nacional contra a Corrupção e sectores especializados da inteligência e das polícias. A punição caberá sempre aos tribunais, e essa multiplicidade concertada permitiria a existência de uma pressão constante sobre a PGR para apresentar resultados. A concentração da luta contra a corrupção na PGR retira o incentivo da concorrência orgânica para se fazer melhor.

Em concreto, pretende-se que a DNPCC seja o organismo que toma em mãos a repressão da corrupção. Na verdade, o Plano transforma-se, a partir da página 19, não no Plano da PGR para o combate à corrupção, mas no Plano da DNPCC.

Estrategicamente, escolheu-se então a DNPCC para ser o organismo por excelência de concretização das instruções políticas do presidente da República.

Contudo, na prática, existem dificuldades hercúleas para concretizar esse desiderato. Neste momento, a DNPCC tem quatro magistrados ao seu serviço, um dos quais é o director. Correm, no ano de 2018, 60 processos criminais, tendo cada magistrado 20 processos por sua conta. Ora, este número é irrisório, atendendo às dificuldades enormes enfrentadas por qualquer investigador quando se debruça sobre o crime económico-financeiro. Por essa via, a DNPCC poderá investigar competentemente um ou dois processos, e nada mais.

Em rigor, seriam necessários um mínimo de 20 magistrados investigadores para arrancar com a referida direcção. O Plano prevê alcançar o número de 24 como objectivo. Na realidade, o objectivo para ser constituída uma equipa robusta deveria ser de 30 magistrados com formação económico-financeira.

O Plano deveria ponderar em concreto onde se iriam buscar esses magistrados, de que modo seriam formados e como seriam constituídas as equipas. Deste ponto de vista, ao não especificar estes pontos, o Plano é um pouco vago. A contratação e formação específica dos magistrados para o combate à corrupção é um elemento fundamental neste processo e deve ser tornada uma prioridade.

Uma outra lacuna é a dos peritos. Neste momento, a DNPCC não possui nem um perito. Ora, são necessários peritos contabilísticos, financeiros, fiscais e muitos outros. Deveria estar já previsto no Plano de onde viriam os peritos e como seriam contratados.

Torna-se evidente que o combate à corrupção sustentado e global exige a constituição de uma estrutura actualmente inexistente na PGR. Uma estrutura com magistrados qualificados, com peritos e com dinheiro. Sem estes três pilares, não se conseguirá dar seguimento à política anunciada por João Lourenço. A DNPCC deve ser dotada de meios humanos e financeiros suficientes para arrancar com este processo complexo e demorado.

Para concretizar a anunciada luta contra a corrupção, Lourenço precisará dos instrumentos adequados.

Por outro lado, a própria DNPCC tem consciência das suas fragilidades, como podemos ver no seu próprio relatório, que nomeia a falta de um regulamento interno, de secretariado, de autonomia financeira e de competência para instrução criminal, que obviamente deve ter de imediato. Esta direcção confessa que, desde a sua criação em 2012, tramitou apenas 77 processos de inquérito. Dos quais 60 só em 2018 (p. 24).

Quanto à estrutura, está quase tudo por fazer, e a DNPCC conta de momento apenas com a boa vontade e o brio profissional dos magistrados existentes. Todavia, em termos legais não é assim. O edifício normativo para o combate à corrupção está montado e não necessita de muitos ajustamentos.

Há, contudo, uma iniciativa legal que se entende fundamental para agilizar e tornar célere e eficiente o combate à corrupção: a aprovação do instituto da delação premiada (como é chamado no Brasil, onde se revelou um instrumento-chave nas investigações do processo Lava-Jato) ou direito premial (designação em Portugal, onde não está implementado de forma generalizada).

A delação premiada / direito premial consiste na procura de um acordo entre o Estado (geralmente através do Ministério Público) e um arguido, e através desse acordo o arguido declara-se culpado, em troca de uma pena mais leve e/ou da denúncia de outros envolvidos no crime. O direito premial tem, portanto, duas facetas: a assunção de culpa e a denúncia de terceiros.

A delação premiada constitui um método óptimo de alocação de recursos para tornar o sistema de justiça mais eficiente. A negociação judicial acomoda os interesses de arguidos e do Estado. O Ministério Público beneficia de uma colaboração que lhe permite garantir altas taxas de condenação, evitando a despesa, a incerteza e os custos de oportunidade de julgamentos imprevisíveis. Obtendo culpados, a justiça pode procurar mais casos, potencialmente resultando em maiores efeitos dissuasivos da corrupção.

É recomendável, pois, no actual estado do combate à corrupção em Angola, a adopção da delação premiada como instrumento ao dispor do Ministério Público e dos arguidos para alcançar uma rápida e eficaz resolução dos casos.

Afigura-se necessária uma exploração dos mecanismos de cooperação internacional mais eficiente e a activação das várias disposições e instrumentos legais existentes no mundo para facilitar este tipo de investigações.

Para o triunfo no combate à corrupção, as autoridades têm de pensar e agir de forma inovadora, e não seguindo os cânones tradicionais do direito processual penal. Dentro da lei, mas com arrojo.

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