Onde Está a Luta contra a Corrupção?
A principal bandeira do primeiro ano do mandato presidencial de João Lourenço foi a luta contra a corrupção.
No conceito global de corrupção incluem-se realidades muito diferentes, cujo denominador comum é muitas vezes o desvio de bens públicos para fins privados. Não se trata aqui de um conceito técnico-legal de corrupção, mas de uma realidade que inclui o peculato, as fraudes fiscais, o abuso de confiança, o branqueamento de capitais e muitos outros crimes que, por uma questão de simplificação, se qualificam como corrupção.
O que João Lourenço prometeu, em termos simples, foi pôr um ponto final na roubalheira que caracterizou os últimos longos anos do mandato de José Eduardo dos Santos, e punir os responsáveis.
Duas leis específicas foram já aprovadas para o efeito: a Lei do Repatriamento de Capitais, lei n.º 9/18, de 26 de Junho, e, muito recentemente, a Lei sobre o Repatriamento Coercivo e Perda Alargada de Bens. Também o Conselho de Ministros, a 15 de Novembro passado, adoptou uma “estratégia para a prevenção e mitigação de riscos de corrupção na formação e execução dos contratos públicos, afastar condutas antijurídicas, moralizar e ‘higienizar’ o comportamento dos gestores que tendam a fazer negócios consigo mesmos”.
Contudo, até ao momento, os resultados efectivos do referido combate à corrupção não assumem a relevância que lhes é atribuída pelo discurso político. Se repararmos, temos três figuras maiores em prisão preventiva (José Filomeno dos Santos, Jean-Claude Bastos de Morais e Augusto Tomás) e duas figuras menores em prisão domiciliária (Valter Filipe e Norberto Garcia). Isto faz parecer que a corrupção em Angola se limitou a meia dúzia de crimes e pessoas, sendo um fenómeno localizado. Ora, isto não é de todo verdade.
A verdade é que a corrupção é uma questão de regime e de mudança de regime. O que aconteceu no passado em Angola foi a “captura do Estado”, expressão agora muito utilizada na África do Sul para descrever uma prática sistémica de corrupção, na qual os interesses privados influenciam de forma determinante os processos decisórios de um Estado em benefício próprio. Ou, de forma mais elegante, utilizando os conceitos de Achille Mbembe, diremos que em Angola, na época de JES, ocorreu uma privatização da soberania. Isto quer dizer que a corrupção, entendida no sentido alargado de generalizada apropriação privada de bens públicos, não se resume a um ou dois crimes, mas sim a um sistema político que foi tomado pelos corruptos.
Ao longo de vários anos, surgiram reportagens, fruto de aturadas investigações no Maka Angola e noutros meios, que davam conta de procedimentos qualificáveis como corruptos, respeitantes a pessoas tão variadas como:
Ana Paula dos Santos
“Dino” do Nascimento
José Eduardo dos Santos
Higino Carneiro
Isabel dos Santos
Joaquim Sebastião
Manuel Vicente
Manuel Júnior “Kopelipa”
Marta dos Santos, e muitos outros.
Foi uma época em que a famosa lanterna que o filósofo Diógenes utilizava para encontrar um homem honesto apenas serviria para encontrar obscuridade e ofuscação.
João Lourenço granjeou apoio popular suficiente para encaminhar o país no sentido de um corte qualitativo com o passado.
É precisamente esse corte qualitativo que é necessário, e que nunca será alcançado com meias medidas judiciais, que muito em breve se confrontarão com crises de credibilidade e cairão nas armadilhas processuais que existem ao longo do caminho.
Na África do Sul, o presidente da República instituiu uma comissão judicial para investigar alegações sobre a captura do Estado, corrupção e fraude no sector público, incluindo nos órgãos do próprio Estado. Essa comissão é presidida pelo vice-presidente do Supremo Tribunal, Raymond Zondo, e está a conhecer um impacto público enorme. Trata-se de uma das formas possíveis para proceder o “corte qualitativo” com o passado. Um corte que em Angola, infelizmente, não se está a vislumbrar de forma clara.
Na Etiópia, este mês de Novembro, foram presos 63 funcionários da inteligência, militares e empresários, devido a acusações de violações dos direitos humanos e corrupção. Estas detenções, que tiveram grande repercussão, são o resultado de uma solicitação do novo primeiro-ministro Abiy Ahmed para que fosse instaurada uma investigação acerca das ilegalidades cometidas pelo governo anterior. Entre as acusações concretas, destaca-se o “saque” num esquema de corrupção bilionário de uma empresa militar estatal, a Metal and Engineering Corporation.
Nestas duas situações, na África do Sul e na Etiópia, estamos perante a tentativa de um “corte qualitativo” com o passado e um sinal de que se pretende inaugurar um tempo novo. Para que tal aconteça, é preciso desmantelar o sistema anterior e os vários interesses instalados. Como dizia o bispo Desmond Tutu, prémio Nobel da Paz, não há lugar para a amnésia. Não por razões de vingança, mas para se perceber o que aconteceu e não voltar a repetir.
Ora, em Angola, parecem todos satisfeitos com as escassas detenções efectuadas, referidas acima, e a verdade é que esperam todos voltar aos seus negócios habituais, pois não se vê uma exigência de verdadeira mudança por parte do regime.
João Lourenço tem uma oportunidade histórica de conduzir Angola rumo ao progresso e à justiça. Não pode perder essa oportunidade. A verdadeira mudança tem de acontecer.