Ministério da Saúde Desbarata Fundos Públicos

Desde Abril passado, a ministra da Saúde, Sílvia Lutucuta, tem contratos por assinar no valor de 525,2 milhões de kwanzas, sem que os mesmos tenham sido submetidos a concurso público. Trata-se de contratos para a prestação de serviços ao Instituto Nacional de Investigação e Saúde (INIS, ex- Instituto Nacional de Saúde Pública). As empresas privadas têm sido pagas sem os contratos assinados e parte dos laboratórios do INIS estão paralisados por falta de reagentes. Como é isso possível?

Pedimos esclarecimentos sobre a situação do INIS ao gabinete da ministra, mas ainda não obtivemos resposta. A urgência do sector da saúde impõe que publiquemos desde já a primeira de uma série de peças investigativas.

O laboratório de Citometria de Fluxo — onde se realizam os testes de acompanhamento do estado de imunidade de pacientes seropositivos (CD4) — está paralisado há três meses por falta de reagentes.

Por sua vez, o laboratório de Serologia, que faz os testes de HIV, também se encontra paralisado por falta de reagentes e testes rápidos. Em condições normais de funcionamento, o Instituto realiza, em média, entre 40 a 50 testes diários de rotina de pacientes seropositivos e 15 testes diários de HIV, “que regra geral são da faixa populacional mais empobrecida”, revela a fonte, que prefere o anonimato.

Também o laboratório de Micobacteriologia, que realiza os testes de tuberculose, se encontra paralisado por falta de reagentes e de equipamento de protecção individual dos funcionários . Esse laboratório recebeu uma doação de aparelhos GeneExpert do Fundo Global, mas o governo não tem capacidade para os manter operacionais.

Já o laboratório de Bioquímica e Hematologia, onde se realizam os testes de malária, está parcialmente parado, também por falta de reagentes.

Uma das empresas fornecedoras de reagentes, a Consultáfrica, recebeu há dias dois pagamentos no valor total de cinco milhões e 447 mil kwanzas. Fonte da empresa, sob anonimato, revelou ao Maka Angola que, para proceder aos fornecimentos, a Consultáfrica tem de receber a lista de material de que o INIS necessita para os seus laboratórios.

“Este procedimento, pelos dados disponíveis, coloca em causa o interesse público, porque colide com as regras básicas de contratação pública”, afirma o advogado José Luís Domingos.

“O facto de haver pagamentos antecipados sem a determinação do objecto e do preço, assim como o horizonte temporal e modalidades de pagamento, constituem indícios bastantes que justificam a intervenção urgente da Inspecção-Geral do Estado, Tribunal de Contas e da PGR”, explica o advogado.

Todos os contratos acima de cinco milhões de kwanzas estão sujeitos nos termos do artigo 24.º, n.º 3 e do Anexo II da Lei da Contratação Pública, a contrato público ou semelhante, e nunca a contratação simplificada. A divisão em lotes não possibilita qualquer fuga à lei, pois nos termos do artigo 25.º quando tal acontece haverá que somar os vários lotes para calcular o valor do contrato.

Segundo fontes do Maka Angola, as empresas foram simplesmente escolhidas por recomendações do gabinete da ministra e de dirigentes considerados como “altas entidades”.

As Organizações Mauro Rui (OMR) e a Angosaúde beneficiaram dos maiores contratos, no valor de 60 milhões de kwanzas cada, para a “manutenção e fornecimento de aparelhos, consumíveis e reagentes laboratoriais”.

Vários funcionários do Ministério da Saúde denunciam que as principais empresas contratadas são bem conhecidas não só pela péssima qualidade de serviço que têm prestado, como também pelas falhas na entrega dos reagentes e consumíveis laboratoriais, desrespeitando os termos dos contratos assinados.

Laboratório no Malanje

A Deeply Tchaleya, que tem como um dos proprietários o tenente-general Aires Pereira Africano, somou dois contratos, no valor total de 58,2 milhões de kwanzas, para serviços de limpeza.

Também famosa pela sua péssima prestação, segundo especialistas de saúde pública, é a empresa luso-angolana Hospitec, agraciada com um contrato anual de 55 milhões de kwanzas, que presta os mesmos serviços que a OMR.

Empresa | Material | Valor Mensal | Valor Anual
Organizações Mauro Rui | consumíveis e reagentes laboratoriais | 5,000,000 60,000,000
Angosaúde | consumíveis e reagentes | 5,000,000 60,000,000
Vip Pharma | consumíveis e reagentes | 4,900,000 58,800,000
Proquímica Lda. | consumíveis e reagentes | 4,850, 000 58,200,000
Hospitec | consumíveis e reagentes | 4,650,000 55,800,000
All Magic | consumíveis e reagentes | 4,650,000 55,800,000
Deeply Tchaleya | serviços de limpeza | 3,916,513 46,998,162
Strategos | instalação de CCTV | 3,916,513 46,998,162
NCR | consumíveis de escritório | 3,500,000 42,000,000
Consultáfrica | Reagentes laboratoriais | 2,450, 000 29,400, 000
*Deeply Tchayela | serviços de limpeza | 3,916,513 11,251,200
TOTAL 525,247,524

*O valor mensal está errado, mas é o que consta da tabela aprovada pelo MINSA.
Segundo fonte do Ministério da Saúde, o pivô das escolhas destas empresas e esquemas relacionados é o director-adjunto para a área administrativa do INIS, José Luís Vunge.

Como prova agravante do seu comportamento, refere-se o caso da contaminação no laboratório de microbiologia, responsável pelos testes de cólera, febre amarela, outros surtos e contaminação de alimentos. Segundo fontes contactadas pelo Maka Angola, José Luís Vunge foi buscar uma empresa de sua conveniência para realizar o trabalho por um valor acima de cinco milhões de kwanzas, que requeria concurso público.

“As placas de testes têm um grande nível de contaminação por causa dos fungos presentes no ar. No mês passado, a empresa Rota Controlo de Pragas Lda. fez a descontaminação em três horas, quando deveria ter sido em três dias”, refere fonte do Ministério da Saúde.

“Por conta do mau trabalho, o nível de contaminação aumentou desde então, de acordo com testes efectuados pelo INIS e, por isso, a empresa recebeu um pagamento de nove milhões e 750 mil kwanzas”, acrescenta a mesma fonte.

Como exemplo, a fonte cita o caso do refeitório do INIS que, há um mês e em regime experimental, é explorado pelas Organizações Rei Zua & Filhos, pela mão directa de José Luís Vunge, sem ter obedecido a qualquer concurso público.

“Essa empresa, diariamente serve entre 40 a 50 pequenos-almoços, mas cobra por 100. O pequeno almoço consiste na escolha de uma sanduíche ou sopa; chá, leite ou café e um bolo ou uma fruta pela soma total de um milhão de kwanzas por mês”, refere a fonte.

Após várias reclamações dos funcionários sobre o que consideram ser a péssima qualidade dos “matabichos” que lhes servem, o Ministério insiste em prolongar, por mais um mês, o regime experimental de provisão de pequenos-almoços.

Ministra turista

Enquanto a saúde se encontra em estado moribundo, a ministra parece mais empenhada em fazer turismo. Na sua recente viagem a Genebra (Suíça), a ministra fez-se acompanhar de uma delegação extra-oficial de cinco pessoas, que incluía uma irmã e outras pessoas do seu círculo privado, a expensas do Ministério da Saúde.

Durante a Assembleia Mundial da Saúde, que decorreu de 17 a 31 de Maio passado, entidades estrangeiras participantes notaram a ausência da ministra, que se encontrava atarefada com a habitual procissão às compras de luxo.

Todo este cenário demonstra, como em tantos outros, um total desrespeito pelos fundos públicos e pelo bem-estar dos cidadãos. Muitos dos que assumem posições de responsabilidade na administração do Estado parecem não compreender os conceitos de serviço público e de bem comum. É urgente libertar Angola da cultura arreigada da corrupção.

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