Diamantes: Mais Um Garimpeiro Vítima das Autoridades Corruptas

Enquanto o sistema judicial em Angola continuar a ser regido de forma arbitrária, toda a acção do Estado estará dependente de certas vontades pessoais, e a justiça será sempre uma questão de poder individual e não da lei. A desgraça dos cidadãos e o ridículo das instituições do Estado permanecerão, assim, como os grandes suportes do poder judicial.

Um caso caricato da actuação da Procuradoria-Geral da República, já na era lourenciana, tem a ver com a prisão preventiva, há cinco meses, do garimpeiro José Manuel dos Santos, de 25 anos. Trata-se da história de um diamante vendido por 72 mil dólares e a extraordinária cadeia de eventos e de ganância que desencadeou. Até o procurador do Cuango, Óscar Manuel Ribeiro, exigiu, como se verá, dois mil dólares à esposa do detido para facilitar a sua libertação.

O jovem passou oito anos seguidos no garimpo, em Kavuba (município de Xá-Muteba), na província da Lunda-Norte. Juntou 26 mil dólares. No regresso a casa, em Cafunfo, viu a sua vida transformada num calvário. Trata-se de um caso paradigmático da criminalidade que grassa nas instituições às quais compete fazer cumprir a lei e a ordem, combatendo o crime.

Por volta das 23 horas de 20 de Dezembro, José Manuel dos Santos regressava da zona de garimpo do Kavuba, ao cabo de oito anos de “suor”, quando foi assaltado à mão armada frente à Rádio Comunitária de Cafunfo, apenas a uns passos do comando da 75.ª Brigada de Infantaria Motorizada. Conforme informações recolhidas por este portal, o assalto foi liderado pelo sargento Santos Yanva, da Polícia Judiciária Militar da referida brigada, e por Cassule, um agente da Polícia Nacional.

Segundo apurou o Maka Angola, Cabeção, o motorista congolês que transportava José Manuel dos Santos, foi quem alertou os assaltantes, por telefone, para o dinheiro que o jovem tinha consigo. Levou-o, então, direito ao local do assalto. Cabeção trabalhava para o comprador de diamantes libanês Alan “Leão do Norte”, e a sua função era transportar garimpeiros e identificar potenciais vendedores.

“O Santos apontou a pistola ao meu marido e disse-lhe: ‘Se brincares, vou-te dar um tiro, vou-te matar aqui.’ Depois de muita discussão, o meu marido entregou seis mil dólares ao Santos, na minha presença, e 500 ao motorista que o denunciou”, conta Mariana António, com 20 anos e mãe de quatro filhos.

Dos seis mil dólares obtidos com o assalto, o sargento Santos Yanva ficou com 3800 dólares, dos quais 1300 foram para o agente Cassule, que nesse dia fazia a guarnição da rádio. O informador Cabeção recebeu 2200 dólares do saque.

Já à saída de Kavuba, o soba Catende e a congolesa Pacience foram os primeiros a interpelar o garimpeiro, e exigiram a sua “parte”, acordada no valor de dois mil dólares.

“Com o resto do dinheiro, 21 500 dólares, o meu irmão comprou uma casa de adobe, por 13 mil dólares, ofereceu três ou quatro mil dólares à família, comprou uma motorizada para si e deu o restante à sua mulher”, explica o irmão Adolfo Domingos.

Segundo a mulher, a casa já foi vendida, para fazer face aos custos de manutenção da família e de apoio ao detido. “Eu recebi apenas mil dólares. Investi 500 num negócio e dei 500 à família que deixei no Kavuba.”

 

A queixa

Naturalmente insatisfeito, a 4 de Janeiro o garimpeiro apresentou queixa contra os assaltantes.

Com a informação a circular na vila sobre o sucedido, a 7 de Janeiro dois traficantes congoleses, Pacience Txamba e Evala Ewing, recorreram também ao procurador e apresentaram queixa contra o garimpeiro, a quem acusaram de lhes ter sonegado uma pedra de diamante, na qualidade de “patrocinadores” do garimpo.

“Patrocinador” é o indivíduo que financia a actividade de garimpo organizado, garantindo a alimentação básica (que Rui Mingas canta como fuba podre) e os meios de trabalho. Por regra, “o patrocinador tem direito a 50 por cento do valor dos diamantes encontrados, enquanto as autoridades tradicionais e / ou as forças de defesa e segurança que se associam ao esquema retêm 25 por cento, e os operários dividem entre si os restantes 25 por cento.”

De acordo com a versão dos “patrocinadores”, o jovem e um outro garimpeiro congolês venderam o diamante, sem o seu conhecimento, por cerca de 80 mil dólares.

“Nesse dia, o meu marido estava em casa doente, no soro, quando o congolês o veio buscar para lavar o cascalho, no buraco onde trabalhava. O meu marido não tinha patrocinador. Ele foi. Não encontrou nada, mas viu uma pedra do lado do congolês”, conta a esposa.

“O congolês pediu-lhe para ficar calado e que lhe daria a sua parte. Foi assim que lhe deu os 26 mil dólares. Nessa mesma noite, ele pediu-me para arrumar tudo, pegar nos filhos e mudarmo-nos para Cafunfo, onde deixara a família há oito anos. Eu estava grávida de seis meses. Esta é a verdade”, conta Mariana António.

Antes da queixa ao procurador, os traficantes congoleses e uma equipa do Serviço de Investigação Criminal do município de Xá-Muteba dirigiram-se ao comprador do diamante, o luso-belga conhecido apenas por Boss Michel, na zona de garimpo de Kavuba. “Extorquiram-lhe 15 mil dólares. Os congoleses ficaram com cinco mil dólares, o agente da investigação criminal Paíto e o Tomás (assistente do comandante municipal da Polícia Nacional no Cuango) repartiram entre si os outros cinco mil dólares, enquanto o comando da polícia no Kavuba recebeu os restantes cinco mil”, explica o activista Salvador Fragoso, que interagiu com os congoleses neste caso.

 

Mandado de captura

Diligente, o procurador municipal do Cuango, Óscar Manuel Ribeiro, emitiu um mandado de captura para o garimpeiro José Manuel dos Santos, e ordenou a apreensão da sua motorizada.

“O procurador confirmou-nos, a mim e ao José Manuel Txizungo, que conseguiu recuperar os seis mil dólares do sargento Santos e seus cúmplices, e que mantém também em sua posse a motorizada do garimpeiro”, revela o activista e repórter comunitário Jordan Muacabinza.

A 19 de Janeiro, o garimpeiro foi detido, permanecendo encarcerado até hoje, cinco meses passados, em prisão preventiva. Na Cadeia da Cacanda, província da Lunda-Norte, o garimpeiro esteve trancado numa cela solitária durante um mês, sem acesso a visitas ou banhos de sol.

 

A corrupção do procurador

“Os gatunos disseram ao procurador que o meu marido tinha mais dinheiro. O procurador Óscar pediu-me para lhe entregar dois mil dólares para libertar o meu marido. Eu expliquei-lhe que já não tinha dinheiro. Já tinha sido todo gasto. Então, ele e o Africano, colega dele, disseram-me que se eu não entregasse o dinheiro todo, o meu marido iria sofrer e apodrecer na cadeia”, denuncia a esposa.

O procurador imputa a José Manuel dos Santos o crime de prática ilegal de garimpo, porque, segundo fontes locais, o dinheiro em sua posse só poderia ter sido obtido pela venda de diamantes.

Segundo fontes ligadas à investigação criminal local, “a postura do procurador foi a de dar provimento à queixa dos traficantes congoleses”.

O procurador provincial da Lunda-Norte, António Hespanhol, confirma ter tido conhecimento do caso de José Manuel dos Santos. “Tive domínio do processo em que [o garimpeiro] era o ofendido. O sargento chegou a estar detido pelo assalto”, esclarece. Nomeado procurador provincial da Lunda-Norte em Fevereiro passado, António Hespanhol indicou o procurador Óscar Manuel Ribeiro como a pessoa certa para prestar melhores esclarecimentos. Infelizmente, este não respondeu às nossas inúmeras chamadas.

“O procurador tinha de instaurar um processo por garimpo ilegal, com base em factos. Para decretar a prisão preventiva, tinha de ter prova da actividade criminosa e da sua continuação, perigo de fuga e alarme social. Não pode decidir com base em intuições ou porque lhe parece assim”, refere o analista jurídico Rui Verde.

O jurista refere a Lei das Medidas Cautelares, segundo a qual uma pessoa só pode estar presa preventivamente, sem acusação, até quatro meses. Esse prazo pode ser aumentado para seis meses quando se trate de crime punível com pena superior a oito anos e o processo apresente especial complexidade, devido ao número de arguidos ou ao carácter violento do crime. “Para tal aumento, é preciso um despacho específico e fundamentado. A situação descrita em termos criminais não tem essa complexidade. Então, não havendo ainda acusação formal, a prisão preventiva já está ilegal e o homem deve ser libertado”, defende Rui Verde.

“Aqui há uma máfia grande. A investigação e a procuradoria aqui só trabalham quando ouvem falar num diamante grande”, denuncia um activista local.

 

Conclusão

Há 12 anos que temos vindo a chamar a atenção das autoridades para o absurdo da legislação sobre diamantes, que protege os compradores de diamantes, na sua maioria absoluta estrangeiros credenciados pelo Estado, e criminaliza os garimpeiros.

Que legislação usa o procurador para exigir dois mil dólares de “corrupção” para libertar o garimpeiro? Que legislação usa para o manter detido?

Sendo o garimpo uma actividade ilegal, também o será o patrocínio de tal ilegalidade.

Então, como pode o procurador Óscar Manuel Ribeiro justificar a detenção, já com excesso de prisão preventiva, do garimpeiro José Manuel dos Santos, enquanto os patrocinadores da ilegalidade se passeiam livremente como queixosos?

Os assaltantes à mão armada estão em liberdade, os extorsionistas estão em liberdade, e o jovem que escava durante oito anos para comprar uma casa de adobe e uma motorizada é o criminoso altamente perigoso que merece permanecer na cadeia, mesmo depois de expirado o prazo de prisão preventiva?

General Pitta Grós, procurador-geral da República: ordene o respeito pela legalidade e pelos direitos humanos. O procurador municipal do Cuango, Óscar Manuel Ribeiro, deve ser investigado pela sua conduta.

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