FMI em Angola. Para Quê?

m simples comunicado de Tao Zhang, director-geral adjunto do FMI (Fundo Monetário Internacional), no passado dia 19 de Abril, anunciou a nova intervenção do FMI em Angola.

Essa intervenção terá a forma daquilo a que o FMI chama um Instrumento de Coordenação de Políticas, e acompanhará um programa económico a ser adoptado pelo governo angolano.

O mesmo comunicado conclui com expressões piedosas sobre a política económica angolana:

“O governo do presidente Lourenço deu passos importantes para melhorar a governação e restaurar a estabilidade macroeconómica. O FMI está pronto para ajudar Angola a enfrentar os seus desafios económicos, apoiando um pacote abrangente de políticas para melhorar a governação, acelerar a diversificação da economia e promover o crescimento inclusivo, ao mesmo tempo que restaura a estabilidade macroeconómica e protege a estabilidade financeira.”

Há muitas dúvidas acerca da legitimidade que uma organização internacional de cariz técnico, como é o FMI, tem para fazer comentários gerais sobre a política de um país, sobretudo de modo vago e indeterminado. Onde estão, exactamente, os “passos importantes” dados por João Lourenço em termos económicos?

Mas esse ponto não é relevante, neste momento.

Importa, neste momento, perceber que o FMI está de volta a Angola, supostamente para apoiar um programa económico a desenvolver pelo governo.

O primeiro facto importante que ficamos a saber a partir deste comunicado é que o governo de Angola vai desenhar e implementar um novo programa económico.

O segundo facto importante é que esse programa económico vai ser apoiado pelo FMI, através daquilo a que chamam um ICP – Instrumento de Coordenação de Políticas.

O ICP é, na própria definição dada pelo FMI, uma ferramenta não-financeira aberta a todos os membros do FMI que não precisam de recursos financeiros do FMI no momento da aprovação da medida, e que não tenham obrigações financeiras em atraso para com o FMI. O ICP está pensado para países que procuram uma agenda de reformas e/ou para desbloquear e coordenar o financiamento de outros credores oficiais ou investidores privados.

Três aspectos resultam da invocação deste tipo de auxílio do FMI.

Num momento inicial, não envolve financiamento por parte do organismo. Contudo, nada impede que, num momento posterior, tal não venha a acontecer. Este tipo de abordagem pode meramente ser uma forma dissimulada de permitir uma intervenção posterior mais profunda do FMI.

Um segundo aspecto é a agenda de reformas a que se faz referência explicitamente. Qual é exactamente o plano de reformas estruturais do presidente João Lourenço em termos económicos? Se o FMI sabe, então está mais bem informado do que a população angolana, que só tem conhecimento de um mirífico desejo de JLo em ser para Angola o que Deng-Xiaoping foi para a China: um grande reformador que abriu a economia ao mercado, permitindo o crescimento galopante do país.

É preciso não esquecer o grande fiasco que ocorreu com o famoso acordo stand-by entre Angola e o FMI em 2009. Esse acordo permitiu salvar o regime ditatorial de José Eduardo dos Santos da ruptura da balança de pagamentos. Supostamente, envolvia um conjunto de medidas de reforma da estrutura económica que nunca vieram a efectivar-se, não tendo o FMI tirado as devidas ilações.

Dito de outro modo, o FMI foi responsável pelo prolongamento da ditadura angolana, devido à falta de adequada monitorização do processo de reforma estrutural que devia ter sido levado a cabo por José Eduardo dos Santos e não foi.

Esta consideração leva-nos ao terceiro aspecto. A entrada de técnicos do FMI em Angola tem como objectivo atribuir um “selo de qualidade” às políticas económicas angolanas, de modo a atrair investimentos. Este aliás parece, actualmente, ser o objectivo de João Lourenço: conseguir a chancela do FMI para as suas políticas, de modo a criar confiança para começarem a chegar investimentos estrangeiros a Angola.

Digamos que, do mesmo modo que para sabermos que estamos a beber um bom vinho do Porto precisamos que ele tenha o selo da Região Demarcada do Douro, também para acreditarmos que Angola é um bom país para se investir é necessário o selo de garantia do FMI, que é dado por esta intervenção.

Então, no fundo, estamos perante uma operação de marketing.

O problema é que, para o marketing resultar a médio prazo, o produto tem de ser bom e fiável. E isso leva-nos às reflexões que partilhámos neste texto. Não sabemos qual é o programa económico de João Lourenço e, no passado, o FMI foi cúmplice da ditadura e das suas práticas erradas, que conduziram, justamente, à situação que se vive actualmente em Angola.

Que garantias existem de que algo tenha mudado? Talvez, antes de embarcar em exercícios de relações públicas para as plateias mundiais, João Lourenço devesse, efectivamente, começar a mudar e a reformar a economia do nosso país.

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