O Vinho Velho de João Lourenço

“Não se põe vinho novo em odres velhos; rebentam os odres, derrama-se o vinho, e estragam-se os odres. Vinho novo é posto em odres novos, e ambos se conservam.” (Mateus 9:14-17)

Assim terá falado Jesus Cristo aos seus discípulos, numa das suas muitas parábolas simples com ensinamentos profundos.

Vinho novo em odres novos. Renovação é renovação.

Em tempo de Quaresma, esta parábola não podia adaptar-se melhor aos actos de João Lourenço, que alguns quiseram ver como o Messias salvador Angola.

O presidente da República começou o seu mandato criando auspícios favoráveis a uma sociedade sedenta de mudança. Teve coragem de afastar o príncipe e a princesa do regime – José Filomeno dos Santos “Zenú” e Isabel dos Santos – e dois “intocáveis” – os generais Kopelipa e Zé Maria. Julgou-se que iam começar a reforma do Estado e o caminho rumo à liberdade e ao progresso.

Com essas exonerações, João Lourenço ganhou, em tempo recorde, extraordinária popularidade e tornou-se conhecido como “o exonerador”. Com as suas nomeações, em contrapartida, está a perder, também em tempo recorde, a popularidade conquistada. João Lourenço demonstra, afinal, que o seu maior interesse é proteger a podridão do regime, e não servir os angolanos, como tem anunciado nos seus discursos.

Agora, já bem passados os cem primeiros dias do mandato, percebe-se que os odres velhos continuam a uso e que nem sequer o vinho ão é novo (é vinho velho ou reciclado). Portanto, o que ia mal, continua mal, o que ia derramar-se, vai derramar-se, o que ia rebentar, vai rebentar.

Só os rostos mais insuportáveis do séquito de José Eduardo dos Santos foram afastados; de resto, o pessoal político não mudou. Não foram abertas as portas a uma nova classe de tecnocratas, jovens com ideias e dinamismo, prontos a servir o país. Os milhões de dólares gastos em formações em Portugal, na África do Sul, no Brasil, em Inglaterra, nos Estados Unidos, continuam a ser desperdiçados. Os jovens (ou não tão jovens) que têm capacidade técnica e conhecimento científico para servir o governo e a sociedade continuam fora do processo político e da administração. Mantêm-se em funções aqueles que melhor aprenderam a fazer mal ao país, com algumas excepções simbólicas.

Enquanto não houver renovação do pessoal político e administrativo de topo, não haverá modernização e progresso em Angola.

O combate à corrupção não arrancou, e a prova disso é que um dos maiores corruptos do país goza da máxima protecção de João Lourenço. Manuel Vicente, que enquanto presidente do Conselho da Sonangol construiu uma máquina sofisticada de corrupção e até terá corrompido magistrados noutros países, é o protegido número um do novo presidente da República.

Quanto a Isabel dos Santos, todos os dias surgem notícias sobre os supostos desvios protagonizados pela “princesa”. Mas não se conhece uma única investigação criminal em aberto. Portanto, a impunidade continua.

A lei sobre o repatriamento de capitais, pelo menos nas versões tornadas públicas, não contém mecanismos efectivos de repressão da ilicitude, que levem ao real repatriamento dos capitais. Aliás, basta ouvir Bento Kangamba para se perceber que a lei não é levada a sério: segundo ele, o presidente não tem poderes para obrigar ninguém a repatriar o capital.

Não há combate à corrupção, há apenas uma retórica que não se traduz em actos.

Na economia, onde queria ser o Deng Xiaoping africano, João Lourenço mais parece o mensageiro da derrocada.

Não há concorrência, não há liberalização, não existe uma política coerente de reformas estruturais da economia que a tornem produtiva e competitiva. Para já, apenas se assistiu à desvalorização da moeda: sendo o recurso fácil para tornar a economia competitiva, a médio prazo a desvalorização nada resolve, e a curto prazo, se não for acompanhada de outras medidas, provoca o aumento dos preços.

Os passos fundamentais para a economia angolana – desenvolvimento de infra-estruturas, privatizações do sector empresarial do Estado, liberalização dos mercados e estabilização das instituições – mas não foram dados.

Na justiça, basta olhar para a vergonha que foi o resultado do concurso de acesso ao Tribunal Supremo e ao Tribunal de Contas, bem como a nomeação de Manuel Aragão como presidente do Tribunal Constitucional, para se perceber que o compadrio e a politização da justiça continuam a ser a pedra-de-toque do regime.

Houve uma dança de cadeiras, a família do antigo presidente da República foi afastada de algumas empresas, mas os problemas fundamentais do país continuam por enfrentar.

O pessoal político e administrativo de topo não rejuvenesceu, apenas circulou; o combate à corrupção não ultrapassa as fronteiras da retórica; na economia, a estagnação perdura; a justiça continua refém da política.

João Lourenço não é o futuro – é o passado com outra cara e um sorriso. É vinho velho em odres velhos.

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